Bad News – Editorial | Folha de S. Paulo
Proposta do TSE para combater notícia fraudulenta nas campanhas desperta dúvidas
Tem razão o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em se preocupar com o impacto que informações falsas poderão ter nas eleições municipais do próximo ano, mas a ideia de que o problema vá ser resolvido por meio de resoluções emanadas pela corte é não apenas duvidosa como potencialmente perigosa.
Fake news, ou notícias fraudulentas, constituem uma praga que assola processos eleitorais no mundo inteiro. Embora a propagação de inverdades não represente novidade, dado que a humanidade convive com boatos e rumores desde sempre, o advento da internet com suas redes sociais deu à prática alcance e velocidade inauditos.
Ela não tem o dom de alterar as preferências ideológicas, mas costuma estimular a militância e oferecer oportunidades de racionalização para eleitores em dúvida.
Tampouco se deve atribuir às fake news o superpoder de sobrepujar a vontade dos cidadãos e ungir soberanos, como às vezes se faz, mas elas podem se mostrar decisivas em disputas mais apertadas.
Para além de efeitos concretos, a preocupação em limitar a circulação de informações falsas tem valor intrínseco. A democracia é o regime que se propõe a buscar a verdade —entretanto, ao contrário de teocracias e totalitarismos, ela sabe que a tarefa não é trivial.
Deixa que as ideias circulem e aposta que do embate entre elas sairão vencedoras as melhores. Não se trata de empreitada fácil ou sem riscos, mas funciona.
Há dois problemas na proposta do TSE —que irá a consulta pública antes de ser votada— de exigir de candidatos e partidos que chequem “a veracidade e fidedignidade” das informações utilizadas na propaganda eleitoral.
Em primeiro lugar, não é trivial assegurar a veracidade de um juízo. Conseguimos fazê-lo quando há fatos envolvidos, mas não quando estão em jogo concepções políticas e filosóficas. Corre-se o risco de, ao policiar o discurso, emperrar o embate das ideias essencial para a formação de opiniões.
Ademais, a fórmula do tribunal não impede uma espécie de terceirização das fake news. Se candidato e partido terão de responder pela veracidade do conteúdo, resta a alternativa de delegar a militantes os ataques e manipulações maldosas contra adversários.
Restringir a circulação de notícias fraudulentas sem limitar a liberdade de expressão é desafio inglório, que exige atuar em múltiplas frentes. Se for possível provar que um candidato feriu deliberadamente a legislação para atacar o rival, o caso demanda cassação.
Pode-se também trabalhar com as empresas que gerenciam as redes sociais para melhora de procedimentos, ou estimular o eleitor a rejeitar a propaganda negativa.
Não existem, no entanto, balas de prata nem fórmulas mágicas.
Resistência à modernização – Editorial | O Estado de S. Paulo
A apresentação da reforma administrativa foi adiada uma vez mais. “Vai aparecer aí, mas vai demorar um pouco”, disse o presidente Jair Bolsonaro no domingo passado, referindo-se àquela que é considerada uma das principais medidas de modernização do Estado prometidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo Bolsonaro, a reforma administrativa “está no forno”.
Ao mesmo tempo, enquanto o Poder Executivo federal não define a redação final de sua proposta, setores da elite do funcionalismo organizam-se desde já para barrar as possíveis mudanças, revelou o Estado. Essa elite é composta por integrantes das carreiras de Estado que reúnem mais de 200 mil servidores da União, Estados e municípios. Nessa empreitada de resistência, não há atrasos ou qualquer tipo de ineficiência.
O texto a ser apresentado ao Congresso deve prever a redução dos salários iniciais e a quebra da estabilidade para novos servidores. Estuda-se a possibilidade de contratação por meio da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) nos primeiros dez anos. Um dos objetivos do Ministério da Economia é reestruturar o plano de carreiras do funcionalismo. Diagnóstico da equipe econômica identificou a existência hoje de mais de 300 carreiras.
O escopo mais limitado da reforma, sem mudança na estabilidade dos atuais servidores, foi um pedido de Jair Bolsonaro à equipe econômica, feito durante a viagem à Ásia no final de outubro, conforme revelou o Estado.
Enquanto isso, mesmo sem o texto final da reforma, setores do funcionalismo já iniciaram seu trabalho de resistência. Por exemplo, representantes de diversas categorias – entre eles, delegados da Polícia Federal, advogados públicos federais, auditores da Receita e funcionários do Banco Central e do Ministério Público – já se encontraram com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia, Wagner Lenhart, um dos articuladores da reforma administrativa no governo federal. Segundo os sindicalistas, Lenhart teria reconhecido que ainda não há consenso em torno da proposta.
É especialmente forte a resistência em relação ao possível fim da estabilidade. “Nós estamos muito preocupados com a estabilidade. Ela não é da pessoa, é do cargo. Esse negócio de dizer que estabilidade é só para os novos não faz sentido na nossa lógica”, disse o presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.
O atual regime não funciona adequadamente. Por exemplo, hoje existe a possibilidade de demissão do funcionário público nos três primeiros anos após a contratação, durante o chamado estágio probatório. No entanto, essa avaliação não se traduz numa real seleção. Nos últimos quatro anos, apenas 0,3% dos servidores que ingressaram foi exonerado durante o estágio probatório. “Os gestores muitas vezes se negam a fazer uma avaliação real para não comprar briga e avaliam com nota máxima”, afirmou Marques.
Outro ponto de reforma destacado pela equipe econômica são os salários de entrada do funcionalismo. Estudo do Banco Mundial apontou que 44% dos servidores começam ganhando acima de R$ 10 mil, 22% entram com remuneração superior a R$ 15 mil e 11% têm contracheque maior de R$ 20 mil. Nas carreiras policiais, o salário inicial é de R$ 11,1 mil; nas de fiscalização e controle, como auditor da Receita, de R$ 17,6 mil; e nas jurídicas, de R$ 24,1 mil.
O Estado brasileiro precisa de uma profunda reforma administrativa. Como é óbvio, isso afeta os interesses de funcionários públicos. Mas a reforma também afeta diretamente, não se deve esquecer, o interesse de todos os outros brasileiros. Ou seja, se for bem trabalhada, se houver uma adequada coordenação política, a reforma administrativa pode ser, em vez de um ônus, um grande trunfo político. Nesse equilíbrio, a posição do presidente da República tem um grande peso. Sua preocupação é com alguns setores do funcionalismo ou, ao contrário, é com todo o País?
Entre a guerra comercial e turbulências financeiras – Editorial | Valor Econômico
Brasil e Argentina seriam pouco afetados por uma desaceleração das economias chinesa e americana
A guerra comercial entre Estados Unidos e China, que está ajudando a puxar a economia global para baixo, não vai terminar tão cedo - a menos que o presidente Donald Trump seja ejetado da Casa Branca pelas urnas ou, o que é menos provável, por um impeachment. Os chineses não estão dispostos a mudar seu modelo econômico - as exigências americanas, levadas às últimas consequências, os obrigaria a isso - nem suas ambições geopolíticas como a segunda maior economia do mundo. Tarifas mais altas se arrastando por muito mais tempo tendem a reduzir o crescimento dos dois países, o que já ocorre também pela desaceleração da economia global.
Este cenário tem impacto relevante para o Brasil e a América Latina e foi objeto de estudo do FMI (Perspectiva Econômica Regional - Hemisfério Ocidental). As conclusões são interessantes. Brasil e Argentina, duas das economias mais fechadas do continente (e no caso do Brasil, do mundo), seriam pouco afetados por uma desaceleração das economias chinesa e americana. Mas receberiam um choque razoável se a desaceleração das duas potências mundiais fosse acompanhada de turbulências financeiras. Protegidas por sua baixa integração produtiva com o mundo, seriam prejudicadas pelo canal financeiro, com aumento do spread de seus títulos soberanos e redução dos fluxos de capital.
Os economistas do Fundo consideraram o que ocorreria com o crescimento dos países da América Latina caso houvesse redução de 1 ponto percentual na expansão da China e nos EUA, separadamente e em conjunto. Examinaram como os países seriam atingidos por meio do comércio, das commodities e dos fluxos financeiros. Para medir o efeito deste último fator, foi considerada a redução de crescimento americana e chinesa mais um aumento de 100 pontos base do prêmio de risco dos títulos da dívida.
A América Latina crescerá apenas 0,2% neste ano, prevê o Fundo, uma péssima performance. Os fatores considerados no estudo já estão em ação. É interessante notar que, com a guerra comercial em curso, os preços das importações na China caíram mais que o de suas exportações (possivelmente pela queda de cotações das commodities), enquanto que nos Estados Unidos ocorreu o contrário, suas importações caíram menos e aí o peso das tarifas deve ter sido determinante, com desvio do comércio.
Pelo comércio, os países latino-americanos mais abertos seriam os mais afetados e em primeiro lugar Peru e Chile, nos quais a soma de importações e exportações representa, respectivamente, 28% e 34% do PIB. A verificação contempla também o valor adicionado doméstico nas exportações próprias e nas dos parceiros comerciais, assim como na demanda doméstica do importador. Com exceção do México, o valor agregado doméstico nas vendas externas é de cerca de 90%, inclusive no Brasil. Considerada a demanda chinesa e americana e sua redução em 1 ponto percentual, a economia brasileira cresce 0,3% menos em um ano por causa da menor expansão chinesa e praticamente não é afetado com a desaceleração dos EUA.
No caso das commodities, apesar de corresponderem a 5,2% do PIB, o Brasil não seria muito afetado - grande parte delas é de bens agrícolas, com baixa elasticidade da demanda. O impacto é diferente e maior nos exportadores de petróleo e metais da região, como Venezuela, Bolívia, Equador e Chile.
Quando a diminuição de crescimento chinês e americano é simultânea e acompanhada de turbulência financeira, a situação do Brasil e seu vizinho, Argentina, muda. O índice de abertura financeira de ambos é o menor da América Latina - 0,2 em uma escala em que 1 significa abertura total. O mesmo ocorre com suas contas de capitais. A alta dos spreads dos títulos soberanos em 1 ponto percentual encolheria o crescimento em 0,5%.
Um índice de stress financeiro foi construído - uma penca de índices, como taxa de câmbio, dívida/PIB, inflação, crescimento, juros de curto e longo prazo etc - e um aumento equivalente a um desvio-padrão teria impacto máximo de 1,25% no crescimento brasileiro em um ano, e mínimo de 0,4%.
Os cálculos são apenas uma aproximação dos efeitos possíveis desses choques. Dão também uma ideia de que o cenário externo, na perspectiva benigna, não ajudará o crescimento brasileiro - o ritmo das exportações cai desde dezembro de 2018 - e, na pessimista, pode freá-lo. O mal maior são as turbulências nos mercados.
Congresso testa rotas para a volta da 2ª instância – Editorial | O Globo
Políticos precisam estar conscientes dos limites constitucionais para aprovar legalização da jurisprudência
Continua intensa a movimentação no Congresso, como deve ser, para que a decisão do Supremo de que sentença só pode começar a ser cumprida depois de esgotados todos os inúmeros recursos não reinstitua o primado da impunidade dos ricos e poderosos — aqueles que conseguem contratar o serviço de advogados competentes em explorar o emaranhado da legislação.
Deputados e senadores trabalham no único caminho possível para que no Brasil se volte a executar apena a partir da condenação em segunda instância, como na grande maioria dos países: deixando mais clara a regra no enunciado das leis.
Há dubiedades que terminam dando margem a que se faça da Constituição e do Código de Processo Penal leituras contraditórias. A prisão em segunda instância vigorou de 1941 a 1999, quando a jurisprudência foi mudada para o “trânsito em julgado” —o esgotamento total dos recursos —, regra que foi seguida até 2016.
Voltou a prisão em segunda instância, suspensa agora. Um vaivém indesejado.
Senado e Câmara trabalham em dois caminhos: o de alterações na Constituição —mais difícil, por exigir quórum qualificado de três quintos (60%) dos votos em cada Casa do Congresso, e em dois turnos — e odo projeto de lei comum, para o qual é necessária apenas maioria simples. Há proposta de emenda (P EC) afim de alterar o inciso 57 do artigo 5º, dos direitos e deveres individuais e coletivos, para permitir, de forma clara, o início antecipado da execução da sentença.
Juristas não aconselham a alternativa, porque o artigo 5º é cláusula pétrea, só pode ser alterado por Constituinte. Sem abandonar esta tentativa, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou na quarta outra PEC, esta para alterar dispositivos (artigos 102º e 105º) não blindados. Visa a revogar os recursos “extraordinários” e “especiais”, impetrados junto ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça. Com isso, o trânsito em julgado passaria a ocorrer de fato no fim da segunda instância, o que não impede o condenado de continuar a recorrer aos tribunais, pois sua inocência continua presumida.
Faz todo sentido, porque é nas duas primeiras instâncias que se julgam de fato os processos, confrontando-se provas e depoimentos. Nas instâncias seguintes, discutem-se apenas aspectos jurídicos. Tanto que a proporção de revisões de sentenças no STJ e STF é mínima.
É praticamente certo que, aprovado pelo Congresso, o cumprimento antecipado da sentença voltará de alguma forma ao Supremo. O presidente da Casa, ministro Dias Toffoli, já declarou não ver problema em que o Congresso institua a jurisprudência, desde que não fira cláusula pétrea.
Com cinco ministros da Corte favoráveis à prisão em segunda instância, vencidos pelo voto de minerva do próprio Toffoli, a proposta poderia sair vencedora com o apoio do presidente da Corte. Os políticos precisam levar isto em conta.
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