- O Globo
Racismo permanece visível nos indicadores e na cena pública brasileira, mas as últimas duas décadas foram de avanços em algumas áreas
Há boas notícias para serem lembradas neste dia da consciência negra. Sem esquecer o imenso, e inaceitável, espaço das distâncias sociais brasileiras, é possível ver o avanço que houve nas duas décadas deste século. Uma parte da mudança aconteceu na educação. Mais da metade dos jovens pretos e pardos, de 18 a 24 anos, está na universidade. É uma esperança no futuro. Esperança de que entrem no mercado de trabalho, abram portas que seus pais nunca conseguiram atravessar, cheguem aos postos de comando nos quais outras gerações nunca estiveram, realizem seu talento, mudem o país.
Em 2005, dos jovens pretos e pardos, de 18 a 24 anos, 25,4% estavam na universidade. Em 2015 o número tinha saltado para 40%. A Pnad mudou a metodologia, por isso os números recentes não podem ser comparados com a antiga base de dados, mas a nova pesquisa mostra que em 2016 eram 50,5% e em 2018 já atingiam 55,6%.
Houve muito debate no começo deste século sobre se o melhor era elevar a qualidade da educação pública desde os primeiros anos ou adotar políticas de ação afirmativa, como as cotas para a universidade. O que se vê é que não são excludentes. O ideal sempre foi abrir as portas do ensino superior público, preferencialmente para quem é do grupo discriminado, mas também investir em melhorar a educação.
As cotas vieram, as universidades públicas estão em crise, por outros motivos, mas são ainda o caminho no qual se constrói o começo do desmonte das barreiras artificiais que separam os grupos sociais brasileiros. Muita coisa aconteceu nestas duas décadas, muita ainda falta acontecer nas próximas décadas. O racismo permanece visível nos indicadores sociais e na cena pública brasileira. O desemprego é maior entre negros, são eles que recebem salários menores e são a maioria dos informais. Há um dado que mostra o inegável da discriminação: brancos com curso superior têm salários 45% mais elevados do que os negros que também concluíram o curso superior. Eles são iguais na escolaridade, mas a renda é desigual dependendo da cor da pele.
Nada é mais aterrador, no entanto, que os números de morte violenta de jovens negros. A taxa de homicídio de brancos de 15 a 29 anos é 34 por cem mil habitantes, dos pretos e pardos é 98,5. E, se forem apenas os homens negros, é 185. Seja branco, preto ou pardo, nada disso deveria acontecer. Seja o número que for, é excessivo. A morte violenta de jovens no Brasil é uma calamidade pública.
O IBGE fez o saudável esforço que sempre faz em informar o debate brasileiro sobre esse tema. Vários recortes, vários dados e comparações foram divulgados nos últimos dias. E lá estão as feridas. A taxa de analfabetismo dos brancos com mais de 15 anos é 3,9%, dos negros, é 9,1%. O único número aceitável seria zero. Para todos. Ontem mesmo saiu a desagregação do desemprego do terceiro trimestre. É de 9,2% entre brancos, 13,6% entre pardos e 14,9% entre pretos. Na Câmara dos Deputados, 75,6% são brancos. Quase 70% dos cargos gerenciais são ocupados por brancos.
Muita gente se pergunta: por que falar disso aniversariamente? Por que em novembro, no exato dia 20, em que, há 324 anos, morria Zumbi dos Palmares, algumas cidades do país têm o feriado da consciência negra? O problema das desigualdades raciais pode e deve ser falado todos os outros dias, mas é bom que haja um momento como o de hoje, dedicado ao tema.
Há coisas que insistem em permanecer, como a negação de que o racismo exista no país, mas há evidentes sinais de que muita coisa está mudando. Nas ruas, nas artes, nas propagandas, na literatura, nas empresas, os negros estão cada vez mais visíveis. Eles, elas estão mais orgulhosos do que nunca da sua beleza, dispostos a deixar os cabelos soltos, acentuando as diferenças dos tipos físicos que dão ao Brasil o belo colorido da nossa diversidade.
Ainda há muito caminho a andar. E agora há de novo uma onda contrária que tenta apagara agendado debate racial no país. Não vão conseguir. Negara existência da ferida não vai curá-la. É preciso persistir no caminho de enfrentar o problema para superá-lo. O futuro será de mais e mais diversidade em todas as áreas da vida brasileira.
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