quarta-feira, 20 de novembro de 2019

PEC da prisão em segunda instância afetará questões tributárias e cíveis

Texto está em debate na CCJ, mas é polêmico por alterar uma cláusula pétrea, o que só seria possível numa Constituinte

Por Raphael Di Cunto, Beatriz Olivon, Joice Bacelo e Vandson Lima | Valor Econômico

BRASÍLIA - Negociada na Câmara como uma resposta à decisão do Supremo Tribunal Federal de exigir o trânsito em julgado (fim de todos os recursos) antes da prisão de condenados, a nova versão da proposta de emenda constitucional (PEC 199/2019) da prisão em segunda instância terá repercussão em todas as demais decisões do Judiciário, dos julgamentos tributários aos cíveis. A execução das decisões de segunda instância - tribunais regionais - seria automática não apenas para condenações criminais, mas também para pagamento de dívidas e de impostos, por exemplo.

A PEC 410/2018, até então foco da discussão pela Câmara dos Deputados, limitava-se a mudar o momento de execução das penas criminais e dizer que “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”. O texto está em debate na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas é polêmico por alterar uma cláusula pétrea, o que só seria possível numa Constituinte.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu, então, mudanças nos artigos 102 e 105 da Constituição, para dizer que os recursos especial e extraordinário, usados para recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF, não impedirão o trânsito em julgado. Essa alternativa recebeu apoio de outros partidos, como Republicanos, e de deputados do Centrão.

Autor da PEC 410, o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) passou a coletar as 171 assinaturas necessárias para apresentar a nova proposta e anexá-la ao projeto já em discussão na CCJ - a intenção é votar na comissão ainda hoje. O projeto extingue os recursos especial e extraordinário e cria novas modalidades de acionar o STJ e STF contra decisões judiciais ou leis que contrariem outras leis federais ou a Constituição. As ações revisionais especiais e extraordinárias, porém, serão tratadas como novas ações e não impedirão o trânsito em julgado das decisões de segunda instância, sejam criminais ou de outra natureza.

Segundo o deputado e advogado Fabio Trad (PSD-MS), a PEC 199/2019 terá efeito sobre questões cíveis, trabalhistas e tributárias. “Hoje se recorre ao STJ e STF e consegue um efeito suspensivo, mas, com a nova PEC, esgota a matéria fática na segunda instância e já executa a pena. Não é só a condenação de criminosos, mas também brigas entre vizinhos, questões envolvendo empresas, pagamento de impostos, tudo”, pontuou. Ele prevê que haverá resistência entre os empresários, mas é favorável dizendo que a mudança atende “um legítimo desejo da sociedade”.

Manente confirmou que a nova PEC mudará o trânsito em julgado para todas as esferas do Judiciário e defendeu que a comissão especial que será formada após a votação na CCJ debate qual a melhor medida. “O Brasil precisa avançar numa reformulação do sistema jurídico, que é completamente moroso”, disse. ‘Haverá alguma resistência, mas teremos mais apoio de pessoas que têm resistências à PEC 410.”

Para o advogado Maurício Corrêa da Veiga, que atua em tribunais superiores, a PEC 199 deixa de fora da execução antecipada as questões trabalhistas, ao não citar o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Na opinião dele, a proposta é “absurda e casuística” e altera por completo o procedimento judicial. Veiga afirmou que o maior litigante no Judiciário é o poder público e uma PEC nesse sentido vai fazer com que, da noite para o dia, a União, Estados e municípios sejam devedores imediatos de inúmeros créditos. “Acho que não se deram conta do rombo no poder público que a PEC vai causar”, disse.

Deverá haver reação do Judiciário ao texto, segundo uma fonte que atua no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “A mudança seria muito brusca”, diz. “Essa questão deveria ficar restrita à esfera penal. Não há como acabar com o recurso especial na esfera civil.”

O deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que é professor de direito constitucional, defendeu que o impacto para os cofres públicos e as empresas dependerá de cada caso. “Uma empresa que esteja cobrando o Fisco por causa de uma autuação irregular vai preferir a execução em segunda instância, enquanto outra cobrada por questões trabalhistas iria querer adiar o pagamento”, disse. Ele afirmou que é “simpático” à nova PEC e que a Justiça ficará mais ágil. “Como é que posso aceitar que para prender alguém não precisa ouvir o STJ, mas para cobrar uma dívida precisa?”

A nova PEC seria protocolada na noite de ontem, mas até o fechamento da edição isso ainda não tinha ocorrido. O presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), aguardava a apresentação do novo projeto para tentar votar a admissibilidade das PECs após a sessão de plenário, mas havia resistências de outros partidos.

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