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Calendário político
“Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar! Hora de trabalhar? –pernas pro ar que ninguém é de ferro”. São “Poemas Minuto – filosofia” de autoria do pernambucano Ascenso Ferreira. Modernista, irreverente e boêmio. Em tudo, diferente, até no chapelão que usava, sombreando o inconfundível corpanzil.
Dele, Manuel Bandeira disse: “Os poemas de Ascenso são verdadeiras rapsódias do nordeste nas quais se espelha amoravelmente a alma, ora brincalhona, ora pungentemente nostálgicas das populações dos engenhos e do sertão. Ascenso identificou-se de corpo e coração com o homem do povo de sua terra”. Heitor Villa-Lobos musicou a poesia “Trem de Alagoas”, adaptado pelo menestrel, Alceu Valença, na composição “Vou Danado pra Catende”.
E o que tem a ver o poema de Ascenso com o ano eleitoral? Não foi intenção do poeta exaltar a preguiça macunaímica, mas não deixa de ser um convite ao ócio, quando não a um bocejo comprido em momentos do nosso calendário. Por exemplo: imprensar o dia útil entre dois feriados como se feriado fosse; esticar a quarta-feira de cinzas até a primeira segunda-feira pós-carnaval, o inicio do ano brasileiro; e, de quebra, prestar atenção ao final do período quaresmal quando, sagrado e profano celebram, cada qual a seu modo, o que seria a reflexão da semana santa.
Pensando no ritmo e nas pausas do cotidiano que me vieram à cabeça, deparei-me com o calendário político e, dentro dele, o consagrado ano eleitoral que imobiliza o país para não melindrar o eleitor o que sugere que, no ano sem eleição, o eleitor se dane. Depois, ele esquece.
Não me motiva o esporte favorito do Brasil e arredores que é baixar a lenha nos políticos e, o que é mais grave, na Política. Não faltam generalizações primárias e histeria ideológica. Porém, “o ano eleitoral” é tratado permissivamente como um tempo capenga. Anda com dificuldade a ponto de paralisar o trabalho parlamentar porque é ano eleitoral e porque é ano eleitoral suas excelências param de produzir para “cuidar das bases”; porque é ano eleitoral, nenhuma medida “impopular” é debatida ou votada porque pode desgastar os candidatos; porque é ano eleitoral o sentido de urgência e necessidade não contam; porque é ano eleitoral nem o tríduo laboral (terça, quarta e quinta) se salva diante do politicamente incorreto “recesso branco”.
Porque é ano eleitoral, 2020 transformou-se, desavergonhadamente, na véspera do ano eleitoral de 2022.
*Gustavo Krause foi ministro da Fazenda
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