segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

O que a mídia pensa – Editoriais

Um governo perdido – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo do presidente Jair Bolsonaro não tem política ambiental. Não sabe o que fazer para interromper a destruição da Amazônia e de outros biomas nem demonstra disposição genuína de fazê-lo. Ao contrário, os atos e palavras do presidente da República e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, quase invariavelmente confirmam a incapacidade do governo de compreender a extensão do problema e suas consequências políticas e econômicas para o Brasil.

Há algum tempo, o ministro Salles veio a público para, finalmente, admitir que estavam corretos os números que indicavam o avanço do desmatamento na Amazônia. É bom recordar que foi em razão da divulgação de dados muito semelhantes a esses pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que o presidente Bolsonaro mandou demitir Ricardo Galvão, então diretor do órgão, em agosto. “Eu tenho convicção de que os dados são mentirosos”, disse Bolsonaro na ocasião, acusando Ricardo Galvão de estar “a serviço de alguma ONG” – o que, conforme o léxico bolsonarista, é crime de lesa-pátria.

Reconhecer a realidade revelada pelas informações do Inpe é o primeiro passo para enfrentar o problema, mas o governo parece não ter um plano nem mesmo embrionário. “Não pergunte para mim”, respondeu Bolsonaro quando questionado sobre o desmatamento na Amazônia. Sem ter o que dizer, o presidente comentou que o problema da devastação “é cultural”, razão pela qual “você não vai acabar com o desmatamento nem com as queimadas”.

Enquanto isso, o ministro Ricardo Salles até tentou mostrar serviço, reunindo-se com governadores da região amazônica para discutir o problema, mas os resultados foram frustrantes. O ministro informou que o governo pretende reduzir os índices de desmatamento sem dizer, contudo, quais são as metas. “Mais importante do que estabelecer metas é estabelecer uma estratégia, que é o alinhamento do governo federal com os Estados”, disse Ricardo Salles.

Se por um lado o presidente da República e seu ministro do Meio Ambiente parecem não saber o que fazer para deter o avanço do desmatamento na Amazônia, por outro se sabe muito bem o que o governo está fazendo para piorar o quadro. Uma das ideias em discussão, por exemplo, é editar uma medida provisória para uma regulamentação fundiária na Amazônia. “Nós queremos é titularizar (sic) as terras. Uma vez havendo o ilícito, você sabe quem é o dono da terra. Hoje em dia você não sabe”, disse Bolsonaro. O problema é que a regularização, se houver, será feita na base da autodeclaração do suposto proprietário, o que pode servir para legalizar terras griladas.

Outra decisão muito questionada de Bolsonaro foi a recente revogação do decreto que impedia a expansão do cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia. Além de favorecer apenas 1,5% dos produtores de etanol, a medida desgasta ainda mais a imagem do Brasil e ameaça acordos importantes para o País. Segundo o jornal Financial Times, autoridades da Comissão Europeia advertem que a revogação do decreto pode complicar a ratificação do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul – processo que já vinha sofrendo desgaste justamente em razão da alta do desmatamento na Amazônia e de declarações lamentáveis de Bolsonaro em defesa da exploração da região.

Mesmo quando parece afinal interessado em enfrentar o problema do desmatamento, o governo adota um tom desnecessário de revanche. O ministro Ricardo Salles participou da Conferência do Clima da ONU em Madri – que Bolsonaro pretendia boicotar – e cobrou “recursos que foram prometidos e até agora não recebemos”, em referência ao fundo destinado a custear iniciativas de países emergentes para enfrentar as mudanças climáticas. O que poderia ser uma bem-vinda mudança de atitude – afinal, há pouco tempo Bolsonaro desdenhou do Fundo Amazônia, bancado por Alemanha e Noruega – ganha ares de picuinha. E, para não alimentar esperanças de que o governo se emendou, Bolsonaro logo esclareceu que seu ministro do Meio Ambiente não sabia do que estava falando, pois não vai “vender a Amazônia em troca de migalhas ou grandes fortunas”.

Emendas ao Orçamento ampliam as desigualdades – Editorial | O Globo

Critérios de divisão dos recursos favorecem as regiões mais desenvolvidas

O Congresso aprovou o Orçamento Geral da União para o próximo ano. Com 94% das despesas classificadas como obrigatórias, é uma das peças de planejamento governamental mais engessadas. Isso reflete o impasse político que se agrava em torno da distribuição republicana dos recursos federais, com repercussões diretas nos estados e municípios.

Há todo um jogo de interesses sobre os orçamentos públicos no Brasil que acaba por transformá-los em instrumentos de alavancagem do aumento das desigualdades.

Exemplo disso está nas emendas parlamentares — individuais e de bancadas — que somam R$ 16,2 bilhões no Orçamento da União para 2020. É uma fração ínfima dos gastos impositivos. Porém, constitui boa amostra das distorções que prevalecem no planejamento anual.

São deturpações de sentido nas decisões de alocação de recursos que, na essência, contrariam objetivos fundamentais da República, como o de “reduzir as desigualdades sociais e regionais” — preceito estabelecido no artigo 3º, inciso III, da Constituição.

É o que demonstra uma análise do Tribunal de Contas da União sobre emendas parlamentares aprovadas nos últimos cinco anos. A auditoria se deteve nas emendas individuais ao projeto de Lei Orçamentária, aprovadas no limite de 1,2% da receita corrente líquida com ordem constitucional de execução obrigatória.

São R$ 9,5 bilhões em despesas previstas no orçamento de 2020, determinadas por 594 deputados e senadores — média de R$ 15,9 milhões por parlamentar. Estão direcionadas a projetos sociais (80% na área de saúde) e de infraestrutura básica em localidades remotas, que dificilmente seriam consideradas no planejamento anual da União, seja por limitações técnicas das prefeituras ou simples desconhecimento das necessidades locais pela burocracia centralizada em Brasília.

O problema é que as regiões mais desenvolvidas são precisamente as mais favorecidas. A origem das discrepâncias está no critério de divisão do dinheiro — o número de parlamentares por unidade da Federação.

O rico estado de São Paulo, por exemplo, é dono de uma bancada com 70 votos no Congresso e por isso recebe 5,6 vezes mais recursos de emendas parlamentares do que o Piauí, penúltimo na classificação nacional de produção de riqueza e com uma bancada de 13 parlamentares.

No Orçamento de 2020 isso significa uma diferença de quase R$ 1 bilhão em repasses de recursos, dinheiro suficiente para a implantação de mil Unidades Básicas de Saúde do tipo I (ao custo de R$ 408 mil cada, com equipamentos e uma equipe do Saúde da Família), mais 957 creches do tipo C (R$ 618 mil por unidade para 120 crianças em dois turnos).

Não há justificativa plausível. O Congresso precisa rever os critérios de distribuição dos recursos orçamentários. É questão de equidade.

STF 2020 – Editorial | Folha de S. Paulo

Corte antecipa pauta do semestre; espera-se autocontenção e menos insegurança


Exemplifica a projeção de que usufrui atualmente a mais alta corte do país o fato de que parcela considerável da opinião pública seja capaz de citar nomes de seus ministros, senão de todos.

Debates televisados, declarações de togados fora dos autos, papel de destaque e titubeios em casos de corrupção —do mensalão à Lava Jato— contribuem para a celebridade do Supremo Tribunal Federal e de seus membros.

Sob holofotes de tal magnitude, esperava-se que a agenda do STF fosse previsível. Não o é. Louve-se, não obstante, que sob a presidência do ministro Dias Toffoli o tribunal tenha antecipado a pauta de julgamentos dos próximos seis meses.

Um emaranhado de técnicas jurídicas eleva o poder discricionário, individualmente exercido, dos ministros sobre essa pauta.

Para que vá de fato a julgamento, um processo precisa passar por uma espécie de purgatório: que o relator do caso o libere, que o presidente da corte o programe, que não haja um pedido de vista —e estes duram, em média, um ano.


Toffoli ora ocupa o posto de árbitro desse jogo. É comum —e pouco republicano— que temas entrem e saiam da lista sem que se percebam com clareza as razões.

É o caso, por exemplo, da decisão em torno da descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, antes esperada em 2019 e agora adiada indefinidamente.

O STF prevê no primeiro semestre de 2020 ênfase em questões penais e tributárias de impacto econômico e político. Com menor atenção à agenda de costumes, afaga a ala conservadora do Congresso e o presidente Jair Bolsonaro.

Uma exceção é o caso em que terá a oportunidade de revogar a retrógrada proibição de homossexuais do sexo masculino doarem sangue.

Na seara econômica, destacam-se a constitucionalidade da tabela do frete, regras de distribuição dos royalties do petróleo, dispositivos da reforma trabalhista como o contrato de trabalho intermitente e a viabilidade de redução da jornada dos servidores.

Outros temas hão de impactar o mundo da política. Sobressaem-se a possibilidade de quebra de sigilo de mensagens no WhatsApp e a definição a respeito da ordem de apresentação das alegações finais de réus delatores e delatados.

Esta última pode ter impacto sobre o processo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi condenado, em segunda instância, sob acusação de ter recebido propinas de empreiteiras por meio de melhorias num sítio que frequentava em Atibaia (SP).

Espera-se, obviamente, que o STF examine todos os casos com atenção à Constituição e autonomia diante de pressões políticas e interesses corporativos. Há mais, porém.

Para cumprir de modo satisfatório seu papel institucional, a corte deve conter a discricionariedade e evitar o casuísmo. Se divergências entre os magistrados quanto à interpretação das leis se mostram inerentes ao ofício judicial, a previsibilidade de pauta, a colegialidade e a clareza de parâmetros decisórios também o são.

Dinâmica do déficit externo não tem nada de alarmante – Editorial | Valor Econômico

A cotação do dólar ganhou um impulso adicional em novembro, chegando a um pico de R$ 4,27, quando o mercado financeiro tomou conhecimento de que o déficit em conta corrente chegou ao equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Desde então, o governo corrigiu dados da balança comercial, o Banco Central explicou melhor as mudanças que fizera na metodologia estatística do balanço de pagamentos e os especialistas examinaram com mais detalhes os dados. A conclusão é que, hoje, o déficit em conta corrente é mais alto do que se supunha, mas a sua dinâmica de crescimento não é alarmante.

Um déficit em conta corrente de 3% do PIB assusta porque, por enquanto, a economia cresce num ritmo muito lento. Se, de fato, a atividade ganhar tração, esse percentual tende a subir. Alguns itens das contas correntes, como importações e aluguel de equipamentos, costumam responder à alta dos investimentos. As empresas lucram mais e fazem remessas desses resultados ao exterior quando economia está mais aquecida.

A preocupação maior, porém, era com a aceleração do déficit. Havia muita desinformação no mercado sobre a mudança de metodologia feita pelo Banco Central. Pela metodologia anterior, o déficit em conta corrente fechou em 0,78% do PIB em 2018. Pela nova metodologia, o déficit foi calculado em 3% do PIB na posição de outubro. Quem não acompanhou essas mudanças entendeu que o déficit externo sofreu uma deterioração de 2,22 pontos percentuais do PIB em apenas dez meses, mesmo com a economia brasileira crescendo apenas 1,2% em 2019. Nesse ritmo, superaria rapidamente o percentual de 4,5% do PIB que no passado ficou associado a crises do balanço de pagamentos.

A velocidade de alta do déficit em conta corrente, porém, é bem menor que isso. A Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia reconheceu um erro que subestimou o saldo comercial em US$ 6,5 bilhões. Dessa forma, descobriu-se que, em outubro, o déficit em conta corrente equivalia, na realidade, a 2,83% do PIB. Dados mais recentes, de novembro, apontam déficit de 2,78% do PIB. Além disso, o BC fez a revisão metodológica de toda a série estatística, o que fez com que o déficit em conta corrente de dezembro de 2018 fosse revisto para 2,22% do PIB. Dessa forma, o crescimento no déficit em conta corrente ao longo de 2019 foi, na verdade, de 0,56 ponto percentual do PIB, e não 2,22 pontos percentuais do PIB que uma análise apressada dos dados poderia sugerir.

A revisão metodológica tem justificativas técnicas adequadas. Há pouco mais de uma década, o Brasil aboliu a exigência de cobertura cambial nas exportações, que era a obrigação de as empresas trazerem ao país as receitas de suas vendas ao exterior. O BC, porém, não tinha informações sobre o que as empresas faziam com os recursos que deixavam no exterior. Até então, contabilizava esses valores como crédito comercial. Com dados do Censo de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE), descobriu que parte das receitas de exportações havia sido destinada ao pagamento de despesas de contas correntes, como juros de dívida e serviços. O reconhecimento desses valores mostrou que, na verdade, o déficit em conta corrente era maior do que até então se supunha.

Mas cabe a pergunta: com esse avanço de 0,56 ponto neste ano, o déficit cresce muito rápido? Um boxe do Relatório Trimestral de Inflação de dezembro, divulgado na semana passada pelo Banco Central, mostra que uma boa parte da queda do saldo da balança comercial em 2019 se deve a choques que atingiram a economia brasileira, não a fatores ligados à atividade econômica. Se não fossem os efeitos da crise na Argentina e da peste suína na China, que reduziu os embarques de soja para aquele país, as exportações brasileiras teriam caído apenas US$ 300 milhões nos primeiros dez meses de 2019, em vez da queda de US$ 10,6 efetivamente medida nas estatísticas.

Não se pretende tapar o sol com a peneira com essas explicações. Seja por mudanças de metodologia ou por choques externos, a posição de conta corrente do Brasil é menos favorável. A estimativa do BC é que, em 2020, o déficit suba para 3,1% do PIB, com um crescimento da economia de 2,2% estimado para o ano. Se a economia engatar, o déficit seguirá subindo. Para evitar desequilíbrios externos, será fundamental seguir com o ajuste fiscal para reduzir a despoupança do setor público e tornar o país menos dependente de poupança externa para financiar os investimentos na economia.

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