- Folha de S. Paulo
Destruir a integridade da mídia brasileira é tática a serviço de projeto liberticida
A democracia continua sendo a forma preferida de governo no mundo, mas em muitos lugares vem sendo erodida. Essa é a principal conclusão do recém-publicado relatório "O Estado Global da Democracia 2019", do Idea (Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral).
Sediada na Suécia, a entidade se propõe a promover o sistema democrático estudando o seu funcionamento e apoiando a construção, o fortalecimento e a defesa de suas instituições e valores.
O relatório é uma tentativa ambiciosa de medir de maneira objetiva a formação de governos por meio de eleições livres e limpas; o vigor dos freios e contrapesos à sua ação; a vigência das liberdades de associação e expressão; e as formas de participação política ao alcance da sociedade.
Nada menos que 97 indicadores, coletados desde 1975, permitiram traçar um quadro minucioso da situação da democracia em 158 nações, não só dando a conhecer sua evolução em cada uma delas como permitindo compará-las ao longo de mais de 40 anos.
A preocupação central do trabalho é caracterizar o desgaste da democracia, visível em muitos países. Em geral, isso resulta de retrocessos promovidos por governantes democraticamente eleitos. Englobam tentativas de controle do Legislativo e do Judiciário; desqualificação das oposições; perseguição a organizações sociais; e destruição do que o relatório chama integridade da mídia --a existência de uma diversidade de meios de informação independentes do governo.
A constatação, aliás, se assemelha e vai além do argumento exposto no best-seller de Steven Levitsky e Daniel Zimblatt "Como Morrem as Democracias", ao ancorá-lo na profusão dos dados colhidos. Mas o relatório é cauteloso ao assinalar que nem todas as democracias vítimas de retrocessos impostos por seus governos estão fadadas a perecer.
Segundo o Idea, o Brasil integra o grupo de países nos quais a democracia apresenta sinais de erosão. O documento não chega ao governo Bolsonaro. Mas é fácil ver em muitas de suas manifestações a clara ânsia de impor retrocessos.
Entre elas, sobressai a escalada de ataques à imprensa, inéditos na história da democracia brasileira --em especial a raivosa perseguição a esta Folha e as ameaças à TV Globo e ao Valor Econômico--, desfechados pelo presidente e seu clã de zeros à esquerda.
Destruir a integridade da mídia brasileira é uma tática nefasta a serviço de um projeto liberticida. Não vai dar certo. A julgar pelo retrospecto, as investidas autoritárias do Planalto podem ser barradas pelo Legislativo, pelo Judiciário, pela própria imprensa, ciosa de sua função, e pela reação da sociedade organizada.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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