- Nas entrelinhas | Correio Braziliense
“O inquérito tira do sério o presidente Jair Bolsonaro, que considera a investigação uma armação para derrubá-lo do cargo, na qual estaria envolvido o governador fluminense Wilson Witzel”
Com o encerramento do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira da UIF (antigo Coaf) e da íntegra do procedimento fiscalizatório da Receita Federal com o Ministério Público e as polícias, para fins criminais, sem a obrigatoriedade de prévia autorização judicial, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) volta a viver um inferno astral. As investigações sobre o envolvimento de seu ex-assessor Fabrício Queiroz no esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro serão retomadas.
As investigações foram iniciadas há um ano, a partir do relatório do Coaf que apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O relatório revelou a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta do ex-motorista e ex-assessor de Flávio Bolsonaro, o policial militar reformado Fabrício Queiroz, que nunca prestou depoimento sobre o caso. Às vésperas de Queiroz ser denunciado pelo Ministério Público fluminense, o filho do presidente da República conseguiu uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, sustando todas as investigações com base em dados do antigo Coaf obtidas sem autorização judicial. Essa liminar foi julgada ontem.
No plenário do Supremo, prevaleceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, que confrontou a posição de Toffoli e obteve ampla maioria a favor do compartilhamento de dados, cujas novas regras foram estabelecidas ontem, com o voto contrário apenas do ministro Marco Aurélio Mello. O presidente do Supremo acatou a opinião da maioria e reformulou seu voto.
O procurador-geral do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, agora poderá dar continuidade aos 22 procedimentos investigatórios que envolvem servidores lotados em gabinetes de 27 deputados estaduais do Rio de Janeiro, todos em segredo de Justiça. A documentação do Coaf subsidiou a Operação Furna da Onça, um dos desdobramentos da Lava-Jato no Rio de Janeiro, que levou à prisão de deputados estaduais no início de novembro do ano passado.
À época, Gussem anunciou que o Coaf, “espontaneamente, de ofício”, havia encaminhado ao MPRJ um RIF de 422 páginas, com centenas de nomes citados. Em dezembro do ano passado, todos os parlamentares mencionados foram informados das investigações. No caso de Flávio Bolsonaro, a suspeita é de prática de “rachadinha” na época em que ele era deputado estadual. Por essa prática, funcionários do gabinete de um parlamentar devolvem parte dos salários.
O que complicou seu caso foi a suspeita de envolvimento com milicianos do Rio de Janeiro investigados pelo assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSol). Essa história tira do sério o presidente Jair Bolsonaro, que considera a investigação uma armação para derrubá-lo do cargo, na qual estaria envolvido o governador fluminense Wilson Witzel (PSC). Todos os vazamentos relativos são por ele atribuídos ao governador, que pretende disputar a Presidência da República em 2022. Com a retomada das investigações, a tensão entre ambos deve aumentar ainda mais.
Regras do jogo
O julgamento de ontem estabeleceu as regras do jogo para a Receita Federal compartilhar, sem necessidade de autorização judicial, informações bancárias e fiscais sigilosas com o Ministério Público e as polícias. Essas informações incluem extratos bancários e declarações de Imposto de Renda de contribuintes investigados. Segundo a proposição apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, é constitucional o compartilhamento dos relatórios, desde que “resguardado o sigilo das informações em procedimentos formalmente instaurados e sujeitos a posterior controle jurisdicional”.
Esse compartilhamento deve ser feito unicamente por meio de comunicações formais, com garantia de sigilo, certificação do destinatário e estabelecimento de instrumentos efetivos de apuração e correção de eventuais desvios. Moraes afirmou que o compartilhamento de dados pode ser feito “de ofício ou a pedido” pelo Ministério Público e polícias, inclusive complementado, desde que “dentro da competência do relatório”. “Pode pedir da sua família toda”, afirmou. “O que não pode é quebrar sigilo”, concluiu.
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