- O Estado de S.Paulo
De volta ao básico: a economia permanece sendo o principal risco para Bolsonaro
Há um cálculo político transparente na decisão de Jair Bolsonaro de deixar para o ano que vem reformas mais ambiciosas que a da Previdência, consideradas essenciais não só pelo time de economia dele. Nada tem de original esse raciocínio político e se parece exatamente com o que foi tentado por Michel Temer. É simplesmente uma aposta no famoso “feel good factor”, assumindo que uma melhora na renda à disposição das famílias e uma retomada ainda que modesta da economia tirem nuvens de tempestade da política.
Para quem projeta os cenários de risco para além de 2020, a economia é o principal deles – é assim que pensam, por exemplo, as consultorias internacionais. Elas consideram que os principais fatores favoráveis a Bolsonaro para manutenção de apoio político-eleitoral continuam sendo Sérgio Moro e o combate ao crime, mas a economia será o grande teste para além das eleições municipais do ano que vem.
Existe aqui uma divergência de percepções entre o público em geral e as elites de vários segmentos econômicos, e essa diferença está se ampliando. Moro e o que ele significa continuam encantando plateias pelo Brasil inteiro, que abominam qualquer freio à Lava Jato, sobretudo por parte do STF, entendido como um ninho de tramoias a favor de criminosos e corruptos. Pelo seu lado, as elites pensantes estão horrorizadas com as posturas de integrantes do governo Bolsonaro na chamada “guerra cultural” e o peso ideológico dos olavistas em nomeações feitas pelo presidente. Boa parte delas considera não só que a Lava Jato cometeu crimes para combater crimes, mas também que está na hora de colocar um pé no freio nisso tudo – até para que a economia funcione com menos sobressaltos armados por procuradores e juízes de primeira instância.
O que une ambas as percepções é a expectativa de que a melhora nos indicadores acelere e se torne sustentável, e nisto (no entendimento de elites) essencial são as reformas. É nesse ponto que entra a aposta política do governo, explicitada pelo próprio Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes. Implicitamente (não mencionam isso de forma clara) reconhecem que a falta de uma coligação governista organizada no Congresso torna qualquer reforma ambiciosa ainda mais difícil, estão assustados com o espectro de manifestações de rua (até aqui inexistente) e que esse fator seria compensado pela melhora da economia.
De fato, desde que assumiu o governo há praticamente um ano, a caneta do presidente foi encolhida pelo Legislativo, e não o contrário – o que ficou evidente, mais uma vez, na série de vetos presidenciais que os parlamentares eliminaram recentemente em diversas matérias. A agenda econômica em apreciação pelo Legislativo é monumental, e vai do saneamento básico à lei de falências, passando por autonomia do Banco Central, PEC paralela da Previdência e uma série de medidas para lidar com a sufocante questão fiscal, entre elas a regra de ouro que estabelece gatilhos para conter o avanço de despesas correntes e um novo pacto para redistribuição de recursos entre os entes da Federação.
Como é notório, o grosso das reformas ficou para o ano que vem, que será um ano legislativo curto pela dedicação dos parlamentares à eleição municipal. O cálculo deles é primitivo e óbvio: para empurrar qualquer agenda significativa, um presidente com índices razoáveis de popularidade (como os que Bolsonaro mantém), mas com pouca capacidade de articulação no Congresso, vai continuar enfrentando dificuldades além das “normais”, que são a resistência das corporações e de interesses de segmentos econômicos, além da oposição das esquerdas.
Se índices pioram por culpa da economia, dificuldades “normais” viram obstáculos insuperáveis. É por esse motivo que vamos todos para longas férias até fevereiro do ano que vem pensando no preço do churrasco.
Nenhum comentário:
Postar um comentário