O governo, ao contrário do que tem dito repetidamente, quer tão somente impor a direita onde antes havia a esquerda
Nesta edição, VEJA apresenta três reportagens de fôlego que, à primeira vista, são distintas em todos os aspectos. Na reportagem inicial, a revista aborda a crise palaciana da hora, que opõe os militares com posto no Palácio do Planalto ao guru da extrema direita, Olavo de Carvalho, que vive fustigando seus inimigos pelas redes sociais. A matéria mostra que, nessa rinha, Jair Bolsonaro dá sinais de que está mesmo do lado do polemista da Virgínia, considerado um “ícone” pela família presidencial.
A segunda reportagem foca a crise vivida pelas universidades públicas, agravada agora com a decisão do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, de fazer um drástico corte de verbas. A terceira reportagem oferece um balanço sobre o Mais Médicos, programa criado para atender populações pobres que não tinham acesso a nenhum tipo de tratamento de saúde.
Examinadas com atenção, as três reportagens — sobre política, educação e saúde — têm um ponto em comum. Em todas elas, a força motriz está concentrada em um único aspecto: o excesso de ideologia que o presidente Jair Bolsonaro vem aplicando a tudo aquilo em que seu governo põe a mão.
Nas disputas entre olavetes e militares, informa a repórter Marcela Mattos, o que está em jogo, no fundo, é o controle ideológico dos rumos do governo. Enquanto os militares tentam imprimir uma condução mais profissional e apartidária, os olavetes batalham pela permanente radicalização à direita, razão pela qual o general Eduardo Villas Bôas classificou o guru de “Trotski da direita”.
No caso das universidades, a matéria da repórter Maria Clara Vieira revela que o Ministério da Educação as elegeu como inimigas porque em quase todas há uma notável ascendência da esquerda. As universidades brasileiras são fracas, desprestigiadas e mal administradas, mas o ódio ideológico não tem a menor possibilidade de fazê-las avançar um único milímetro. Pior: a atitude que o ministro e auxiliares nutrem deixa transparecer um ressentimento contra o meio acadêmico e uma hostilidade contra o saber organizado.
No Mais Médicos, que vinha fazendo um trabalho relevante, a oposição ideológica à presença de profissionais cubanos estreitou o alcance do programa e, como mostra a reportagem da editora Adriana Dias Lopes e do fotógrafo Egberto Nogueira, está deixando 19 milhões de brasileiros sem atendimento.
São três exemplos de que o governo, ao contrário do que tem dito repetidamente, não quer combater o “viés ideológico” com que o PT contaminou a vida pública nacional e assim trazer equilíbrio e sensatez. Quer tão somente impor a direita onde antes havia a esquerda. O Brasil conhece perfeitamente os males que isso produz.
Publicado em VEJA de 15 de maio de 2019, edição nº 2634
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