- O Globo
Tradicionalmente, há após as eleições um período de trégua entre o governo que chega ao poder e a oposição derrotada nas urnas. É nesse hiato de alguns meses que o vencedor realiza duas tarefas centrais para conseguir governar adequadamente nos quatro anos seguintes: organiza a estrutura administrativa do Executivo e monta uma base que lhe garanta maioria no Legislativo. Após sagrar-se vitorioso em outubro, Jair Bolsonaro realizou a primeira parte do trabalho, promovendo uma ampla e polêmica reformulação de ministérios, mas deliberadamente ignorou a segunda etapa do serviço.
As consequências são evidentes desde o início de fevereiro. A reforma da Previdência, principal pauta do governo, demorou dois meses para ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, quando o plano inicial era que não ficasse lá mais de duas semanas.
Ontem, o Planalto assistiu inerte a uma confluência de novas derrotas. O centrão, que apoia todos os governos desde a redemocratização, aliou-se à oposição e aprovou a retirada do Coaf da alçada do ministro Sérgio Moro. Além disso, devolveu a política de demarcação de territórios indígenas para a Funai, que deve voltar ao Ministério da Justiça.
O ministro quer o inverso: ficar com o controle das movimentações financeiras e se livrar da administração da complexa pauta indígena. As alterações aprovadas ontem ainda precisam passar pelo plenário da Câmara e do Senado, mas o parlamento parece surdo aos apelos governamentais. É real o risco inclusive de a MP não ser aprovada até 3 de junho, o que implicaria na derrubada de toda a reforma administrativa. Neste caso, Bolsonaro precisaria reestruturar a Esplanada do zero ou aceitar governar com o modelo deixado por Michel Temer.
A incapacidade do Planalto em dar andamento no Congresso às pautas mais simples de sua gestão são consequência do fracasso na forma de articulação política escolhida pelo presidente. Ainda durante a campanha, Bolsonaro anunciou que montaria sua base parlamentar a partir de um heterodoxo modelo de aliança com bancadas temáticas. A ideia era tão simples quanto desconectada da realidade: ele buscaria evangélicos, ruralistas e a bancada da bala e teria maioria no Congresso.
Esses grupos, no entanto, não tem unidade ao analisar quaisquer temas que não aqueles específicos de sua agenda temática. Se restava dúvida quanto a isso no Planalto, não deve haver mais. Ontem, líderes da bancada evangélica avisaram que lutarão pela derrubada do decreto que promove o libera-geral para o porte e posse de armas.
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