sexta-feira, 10 de maio de 2019

Eliane Cantanhêde: Faroeste

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro não escancara o porte de armas por questão política, mas por obsessão

Parece obsessão e é mesmo: com tantos problemas gravíssimos no Brasil, econômicos, fiscais, sociais, éticos, o presidente Jair Bolsonaro só pensa em ampliar a posse e agora escancarar o porte de armas a níveis nunca antes vistos ou imaginados. Assim, causa a euforia dos armamentistas e o pânico dos que são contra.

Pode-se deduzir que Bolsonaro dedicou os dois primeiros projetos realmente dele à flexibilização da posse e do porte de armas por uma questão político-eleitoral. Ele estaria dando satisfação a seus eleitores e mantendo a “bancada da bala” nutrida e unida a seu favor. Mas não é só.

Por trás dos decretos, está a paixão incontida do presidente por armas, uma paixão que ele transferiu de pai para filho e transformou em política de governo num país onde tiroteios, balas perdidas e mortes de policiais, criminosos, cidadãos e cidadãs comuns são parte da paisagem. Multiplicar as armas em circulação vai reduzir esse banho de sangue? Se até policiais justificadamente armados morrem nos confrontos a tiros, por que os leigos estarão mais protegidos?

O anúncio do novo decreto de Bolsonaro foi um tanto atípico, curioso: ele fez solenidade no Planalto para a assinatura e anúncio, deixou vazar uma ou outra medida e guardou a grande surpresa (ou o grande susto) para o dia seguinte, com o texto publicado no Diário Oficial da União (DOU).

São tantos os absurdos que cada jornal pôde escolher sua manchete, cada telejornal abordou um ângulo, cada coluna deu um enfoque diferente. Foi uma farra de novidades a serem anunciadas, digeridas e, por muitos, repelidas. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse um tanto constrangido que a medida é “em função das eleições”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou estudos sobre a constitucionalidade. Partidos e entidades começam a entrar na justiça. Aparentemente, só os bolsonaristas de raiz, além de quem faz das armas um negócio e tanto, estão soltando fogos. Enquanto não soltam tiros.

Armas que sempre foram de uso restrito das Forças Armadas vão passar a circular por aí em mãos de leigos. Quem mora em área rural está liberado para portar um revólver no coldre. Usuários de aviões sentarão lado a lado de pessoas armadas. Crianças e adolescentes não precisarão mais de autorização judicial para aprenderem a atirar, basta os pais deixarem – ou melhor, incentivarem.

Na solenidade do Planalto, Bolsonaro produziu uma foto histórica, cercado de políticos de terno e gravata, fazendo gestos que simbolizam armas. Pou! Fogo! Mas, mesmo nesse meio, o presidente se limitou a anunciar que o decreto facilitaria o porte de armas para caçadores, colecionadores, atiradores esportivos e praças das Forças Armadas. Que nada!

No dia seguinte, a edição do DOU trazia uma lista de 20 categorias liberadas para saírem em ruas, avenidas, locais públicos em geral, com suas armas fartamente carregadas. O atual limite de 50 cartuchos deu um salto estonteante para mil.

Não precisarão mais comprovar a efetiva necessidade de portar armas todos os políticos com mandato no País, advogados indiscriminadamente, caminhoneiros autônomos, habitantes de áreas rurais acima de 25 anos, até jornalistas que atuem na área policial. Em 2018, os brasileiros com porte de armas somavam 36,7 mil. Agora, vão disparar para perto de 20 milhões. Um grande, imenso e incerto faroeste. E com 13 milhões de desempregados.

Com seus decretos, armas, cartuchos e Olavos, o presidente só mantém o que já tem: sua tropa na internet. Ele precisa olhar para o que está perdendo e ampliar sua agenda. Ou melhor: conectar a agenda e o governo com a realidade.

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