- O Globo
Para quem não gosta de um montão de amontoado de muita coisa escrita, deve ser um lugar terrível. Encravada no coração de Botafogo, a Casa de Rui Barbosa guarda uma coleção única de livros e periódicos. Só o antigo morador deixou mais de 37 mil volumes, incluindo uma edição da “Divina Comédia” de 1481.
A biblioteca é apenas parte do acervo. Ali também funcionam um museu, um núcleo acadêmico e um dos maiores arquivos de literatura do país. Em outubro, o Planalto entregou tudo isso a Letícia Dornelles, ex-roteirista de novelas da Record. Ela foi indicada pelo deputado Pastor Marco Feliciano, recém-expulso do Podemos.
Na semana passada, a nova presidente da Casa mostrou a que veio. Numa canetada, afastou cinco diretores do centro de pesquisas. Eles não receberam aviso nem explicação. Souberam da notícia pelo Diário Oficial.
O expurgo provocou uma onda de protestos. Na internet, uma petição com quase 30 mil assinaturas pede a recondução dos servidores. Em outra frente, 150 professores que estudam o Brasil em universidades americanas divulgaram abaixo-assinado contra as exonerações.
“Isso faz parte de uma política de desmantelamento. O governo Bolsonaro quer impor suas visões sobre a arte, a cultura e as universidades”, critica o historiador James N. Green, da Universidade Brown.
Ontem cerca de cem intelectuais e escritores fizeram um protesto diante da Casa. Num momento Odorico Paraguaçu, Letícia mandou trancar os portões. Os manifestantes continuaram na rua e bloquearam o trânsito, o que atraiu mais atenção para o ato.
“O que está acontecendo aqui é repugnante”, resumiu o poeta Armando Freitas Filho, que trabalhou na Casa na década de 1960 e 70. “É uma censura a nomes, não a uma tentativa de reorganizar a instituição”, emendou o ensaísta Silviano Santiago, diretor do centro de pesquisas nos anos 1990.
A afilhada do pastor não apareceu, mas foi saudada com gritos de “Fora, Letícia” e “Volta pra Record”. Na pequena multidão que fechou a Rua São Clemente, um cartaz lembrava palavras de Rui: “A força do direito deve superar o direito da força”.
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