- O Globo
O que está em jogo nessa escolha é menos a qualidade dos documentários, e mais o sentido político da premiação
É possível que “Democracia em Vertigem”, o documentário de Petra Costa incluído entre os finalistas do Oscar de melhor documentário, saia vencedor em fevereiro. O timing é perfeito para a premiação com cunho político inequívoco, uma crítica hollywoodiana ao governo de extrema-direita que está colocando em risco a Amazônia. E ainda acusou levianamente um dos ícones da indústria cinematográfica internacional, Leonardo di Caprio, a quem Petra, muito pragmaticamente, agradeceu em um twitter pelo muito que tem feito a favor da mesma Amazônia.
Seria o mesmo gesto político que premiou o também documentarista americano Michael Moore com o Oscar por “Tiros em Columbine” e a Palma de Ouro por “Fahrenheit 9/11”. O júri fez com o prêmio o que Moore faz com diversas seqüências de seu documentário: distorceu seu significado para atingir um objetivo político maior, declarar ao mundo naquela ocasião que estava contra Bush e a guerra do Iraque.
Petra Costa parece estar no momento certo também para ser premiada politicamente, na senda de Moore e seus documentários, como o dela, panfletários e enviesados. Assim como protestar contra Bush era necessário naquele momento, protestar contra Bolsonaro tornou-se uma causa internacional, devido ao tratamento desdenhoso com o meio-ambiente, e o menosprezo pelas minorias, inclusive indígenas, provavelmente por remorso.
O problema de “Democracia em Vertigem” é que ele concorre com o documentário “American Factory” (Fábrica americana, em tradução livre), produzido pela Higher Ground Productions, do casal Michelle e Barack Obama, em parceria com a Netflix, assim como o de Petra Costa.
Trata do fechamento de uma fábrica da General Motors na cidade de Dayton, em Ohio, e os efeitos na vida dos cidadãos com a chegada dos chineses que a compraram. A Academia vai ter que decidir contra quem protesta, se contra Bolsonaro, ou Trump, num ano eleitoral nos Estados Unidos.
Dar o prêmio para os Obama, ainda com um tema que trata dos desvalidos da sociedade, seria um recado importante de Hollywood para dentro do país, contra Trump. Dar o prêmio para “Democracia em Vertigem” seria um recado para o mundo, a favor da Amazônia, contra o nosso extremista de direita, não a favor de Lula ou Dilma, que alguns sem noção já sugerem estarem presentes na entrega dos prêmios em Los Angeles.
O documentário de Petra é tão tendencioso quanto os de Michael Moore, o que está em jogo nessa escolha é menos a qualidade dos documentários, e mais o sentido político da premiação.
A narrativa fantasiosa de que o documentário de Petra é neutro, dando as versões dos dois lados, foi abandonada pela esquerda. Tanto que os petistas saudaram a indicação do documentário brasileiro como uma vitória de sua versão do impeachment. E ela mesma diz que, com o documentário, quer buscar a reconciliação com os que não acreditam que o impeachment foi um golpe.
Há, porém, três outros documentários concorrendo: The Cave (A Caverna) e For Sama, ambos sobre a guerra na Síria, e Honeyland, passado na Macedonia. Não sei da qualidade deles, mas uma eventual premiação de qualquer dos três terá um significa político mais amplo.
No mesmo dia em que foi anunciado oficialmente que “Democracia em Vertigem” fora selecionado para o Oscar, foi divulgado um estudo do economista Roberto Macedo, da Universidade de São Paulo, ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrando que a economia brasileira registrou na última década, de 2010 a 2019, governada pelo PT por mais da metade do período, a menor taxa de crescimento desde 1900.
Na verdadeira “década perdida”, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1,39% ao ano, a pior para o crescimento do PIB entre as 12 analisadas por Roberto Macedo. Menos da metade que os 3,39% registrados na década anterior, iniciada em 2000, governada 4 anos pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso e 6 anos pelo PT de Lula.
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