terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Carlos Pereira - Ih... a democracia brasileira não ruiu...

- O Estado de S.Paulo

As chances de erosão da democracia brasileira são quase nulas

Nove em cada dez cientistas ou analistas políticos, no Brasil e no exterior, esperavam o pior da chegada à presidência de um populista de direita. Com bazófia autoritária e retórica belicosa e polarizada, Jair Bolsonaro colocaria em risco a sobrevivência da democracia.

Afirmavam que a derrocada da democracia não se daria por rupturas institucionais drásticas, golpes, tanques nas ruas, censura à imprensa, e o fechamento do Congresso. A ruina viria de forma insidiosa. Como se um miasma de espectro autoritário fosse se apoderando de maneira imperceptível de uma sociedade indefesa e fosse solapando as frágeis instituições democráticas, até ser tarde demais.

Até que ponto líderes populistas, sejam eles de direita ou de esquerda, ameaçam democracias?

Em pesquisa que acaba de ser publicada no periódico Perspective on Politics, com o título “Populism’s Threat to Democracy: Comparative Lessons for the United States”, o professor da Universidade do Texas, Kurt Weyland, demonstra que os riscos que a democracia liberal corre com a eleição de populistas têm sido superestimados.

Weyland argumenta que líderes populistas conseguem sufocar democracias apenas quando duas condições cruciais estão presentes.

A primeira seria a fraqueza institucional. Em alguns países, as instituições são razoavelmente abertas a mudanças, sem pontos de veto robustos e, portanto, incapazes de resistir a interferências de executivos poderosos, podendo assim ser facilmente desmanteladas ao longo de um ciclo eleitoral. Entretanto, mesmo em ambientes institucionais mais frágeis, iniciativas iliberais só teriam sucesso diante de uma segunda condição: a presença de crise econômica aguda que tenha sido rapidamente resolvida ou, seu oposto, bonança exagerada, que tenha o potencial de proporcionar apoio político massivo para o governo.

Como nenhuma dessas condições é encontrada no Brasil, um retrocesso antidemocrático, mesmo que soturno, como temem alguns, seria muito improvável.

Em primeiro lugar, o sistema de freios e contrapesos na Constituição permanece operando em pleno vapor. O Brasil, na realidade, possui um mosaico muito sofisticado de organizações de controle com graus variados de independência das escolhas do Executivo e com força de impor limites ao presidente – Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas, Polícia Federal, Banco Central, agências reguladoras, dentre outras.

O STF, por exemplo, tem imprimido derrotas expressivas ao governo, envolvendo a extinção dos conselhos, a transferência da demarcação de terras indígenas da Funai, publicação de editais de licitação em jornais, compartilhamento irrestrito de dados coletados pela Receita Federal e pela UIF, manutenção do DPVAT e do Conanda etc. Além do mais, estando à frente de um governo minoritário e sem uma coalizão estável, Bolsonaro vem acumulando derrotas importantes no Congresso, tais como, reforma da previdência sem regime de capitalização, orçamento impositivo, decreto das armas, Coaf no Ministério da Economia, Funai no Ministério da Justiça, decreto sobre informações em sigilo, medidas provisórias que caducaram e perderam a validade etc.

Bolsonaro também não encontrou crises agudas, já que o pior já havia sido sanado no governo Temer. Nem teve grande e súbito ganho econômico. Consequentemente, seu apoio junto à população tem sido limitado. Também tem enfrentado forte resistência de uma sociedade civil vibrante e de uma imprensa vigilante para denunciar desvios ou excessos do governo.

Portanto, as chances de o populista brasileiro destruir a democracia são mínimas. Em vez disso, é possível que as reações da sociedade às transgressões de Bolsonaro às normas de civilidade democrática possam fortalecer ainda mais a democracia.

Mas, os descrentes na resiliência das instituições brasileiras não precisam se desesperar... Ainda há três anos de governo para que suas profecias alarmistas de erosão sorrateira da democracia possam se concretizar.

Correções
A versão anterior, que foi publicada às 3h desta segunda, 13, já estava no site do 'Estado' desde o dia 16 de dezembro de 2019.

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