quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Nilson Teixeira* - Risco político é obstáculo à economia

- Valor Econômico

Os próximos meses serão determinantes para que o governo fortaleça sua base política para sustentar o aumento do crescimento

A economia brasileira enfrenta riscos políticos, tanto de natureza externa como local. Até recentemente, a principal incerteza advinha do conflito comercial entre os EUA e a China. A assinatura do acordo entre os dois países reduziu a probabilidade de desaceleração global e o efeito negativo sobre os preços dos ativos. Por outro lado, a aproximação da eleição presidencial de novembro nos EUA aumenta o peso da incerteza sobre a plataforma do candidato do Partido Democrata, haja vista que postulantes à posição, como os senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren, possuem perfil mais intervencionista e protecionista em matérias econômicas.

Do lado doméstico, o principal risco político está associado à elevada fragmentação partidária. Nesse contexto, o Executivo precisaria, em tese, manter uma sólida base de apoio para aprovar suas propostas. O atual governo seguiu outro caminho e tem buscado apoio de forma pontual, confiando que a mudança de perfil dos parlamentares eleitos em 2018 facilitaria a aprovação de suas propostas.

Essa estratégia não trouxe consequências desfavoráveis em 2019 porque, como ensina a história, novos governos têm maior facilidade para aprovar suas propostas no 1º ano de mandato. Assim, o atual governo aprovou uma robusta Reforma da Previdência Social, mesmo sem uma consolidada base no Congresso.

O principal desafio político do segundo ano de governo será a aprovação das medidas encaminhadas pelo time econômico ao Congresso no fim de 2019. Ao contrário da expectativa inicial, a forte renovação na Câmara dos Deputados não elevou o percentual de aprovação de propostas no 1º ano desta legislatura e nem alterou de forma relevante a forma de atuação dos parlamentares.

Apesar de o 1º ano de cada legislatura ser marcado pela apresentação de um maior número de Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e de Projetos de Lei (PLs), a evolução dessas matérias no Congresso em 2019 não sugere grande diferença frente ao passado. A baixa aprovação das Medidas Provisórias (MPs) indica certa resistência às propostas do governo, mesmo em seu 1º ano, e comprova a dificuldade em arregimentar apoio parlamentar.

Em 2019, o Executivo encaminhou ao Congresso duas PECs, frente à média de três no 1º ano de cada legislatura desde 2003 e um total médio de seis no mandato de quatro anos. Já os parlamentares apresentaram 96 PECs em 2019, menos do que as cerca de 180 na média no 1º ano de cada legislatura desde 2003. A dinâmica em 2019 foi diferente da que ocorreu no ano inicial dos governos anteriores, quando as PECs aprovadas quase sempre foram propostas pelo Executivo, enquanto as de autoria dos parlamentares quase nunca foram levadas à votação. Das seis PECs aprovadas em 2019, apenas uma (Previdência Social) foi de autoria do governo, enquanto as demais foram dos congressistas.

A atuação dos parlamentares continuou muito associada à proposição de PLs. Em 2019, foram propostos mais de 5 mil PLs, acima da média de 3 mil no 1º ano das legislaturas anteriores. O percentual de aprovação de PLs no próprio ano da sua submissão é baixo, pois a negociação para tornar a proposta prioritária na agenda do parlamento é longa e exige o convencimento das lideranças dos partidos e do Congresso. Dos quase 41 mil PLs submetidos desde 2003, apenas 0,4% na média foi aprovado no mesmo ano. Dos 109 PLs aprovados no ano passado, 14 eram relativos a projetos de 2019, 64 iniciados na legislatura anterior, 25 entre 2011/2014, cinco entre 2007/2010 e um em 2003. Esse comportamento no 1º ano não foi muito diferente do usual, com os parlamentares aprovando um número expressivo de PLs iniciados em legislaturas anteriores.

O percentual de MPs rejeitadas ou com prazo expirado para votação tem aumentado muito desde 2012, alcançando na média quase 60% das medidas encaminhadas. As MPs do governo Bolsonaro aparentemente seguirão esse padrão. Dentre as 48 MPs enviadas ao Congresso em 2019, 12 foram transformadas em norma jurídica, uma foi rejeitada, 10 expiraram e 25 ainda estão em tramitação. Além de confirmar a rejeição ao uso excessivo desse instrumento, a baixa aprovação de MPs indica maior dificuldade do governo de convencer parlamentares a apoiar suas propostas.

Apesar da descoordenação política e de não haver grande diferenciação na aprovação de medidas no 1º ano de mandato do atual governo, os participantes de mercado parecem crer que os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, por serem favoráveis à agenda econômica, liderarão a aprovação da maioria das propostas encaminhadas pelo time econômico no fim do ano passado.

Tenho uma leitura menos construtiva sobre o avanço em 2020 dessas medidas. O trâmite legislativo em 2019, os frequentes atritos do Executivo com os parlamentares e a frágil base de apoio do governo no Congresso não favorecerem a avaliação de que o perfil supostamente mais liberal e pragmático de muitos dos atuais parlamentares, inclusive dos presidentes das duas casas legislativas, garantirá a aprovação neste ano das PECs Administrativa e Tributária e de outras medidas de aprofundamento do ajuste fiscal. Esse risco é ainda maior em um ano eleitoral, ainda mais com o presidente da República tendo saído do seu partido, até então o 2º maior na Câmara de Deputados, para iniciar a criação de uma nova agremiação.

Em suma, não creio que os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados tenham condições de aprovar a maioria das medidas propostas pelo governo sem o Executivo melhorar sua articulação política e a relação com os líderes partidários, mesmo com o empenho dos representantes do Ministério da Economia. Caso não haja uma mudança de atitude do governo, o ambiente atualmente considerado positivo pode se tornar nebuloso. Os próximos meses serão determinantes para que o governo fortaleça sua base política, de forma a consolidar a percepção favorável sobre o avanço da agenda econômica e sustentar o aumento do crescimento. Apesar de difícil, é um obstáculo transponível se bem exercitado. O risco mora aí.

Nota: Agradeço a Rafael Lincoln (estagiário da Macro Capital) pela construção da base de dados.

*Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, é Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia

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