quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Fernando Exman - Orçamento impositivo exige adaptação geral

- Valor Econômico

Deputados querem blindar atual modelo contra críticas

A nova dinâmica de execução orçamentária, agora impositiva, tem tudo para ser uma das marcas de 2020 na política.

As relações entre o Executivo e o Parlamento passarão por um processo forçado de reformatação. Enquanto o Congresso precisará ser mais bem tratado pelo governo, deputados e senadores passarão a ser muito mais cobrados em relação à eficácia - e confiabilidade - no emprego das suas emendas impositivas ao Orçamento. O governo não conseguirá mais condicionar a liberação de emendas à aprovação de projetos de seu interesse. O Brasil passará por uma experiência inédita em sua história.

Parlamentares de todos os partidos sempre quiseram ter maior poder de influência em relação ao Orçamento. No ano passado, aproveitaram que o governo chegara carregando um estandarte com o slogan “Mais Brasil, Menos Brasília” para ocupar rapidamente o espaço que se abria. Transformaram o que poderia ser apenas uma palavra de ordem em um instrumento de fazer política em seus redutos eleitorais.

Ao longo do ano, reduziram a capacidade decisória e de manejo dos recursos públicos do Executivo, transferindo esse poder para suas próprias emendas.

Fizeram isso com prazer. Afinal, o presidente Jair Bolsonaro se aproveitou do desgaste da classe política tradicional para vencer as eleições de 2018 e, mesmo depois de chegar ao Palácio do Planalto, não deixou de achincalhar os partidos e seus dirigentes.

A nomeação de um general para comandar a Secretaria de Governo mostrava a intenção do presidente da República. Foi um claro sinal à classe política da rigidez que passaria a ser aplicada na liberação das emendas parlamentares e nas nomeações de indicados para cargos da máquina federal.

No entanto, logo no início do governo a área técnica do Palácio do Planalto foi percebendo que precisava se preparar para um novo momento político. O ex-ministro da Secretaria de Governo Carlos Alberto dos Santos Cruz escalou servidores com experiência na área orçamentária justamente com o objetivo de fortalecer a interlocução de seu gabinete com o Legislativo.

Quando Santos Cruz deixou o governo, também se foram alguns de seus auxiliares responsáveis pela montagem dessa estrutura. Mas não mudou a percepção, dentro da Secretaria de Governo da Presidência, de que o relacionamento entre o Executivo e os parlamentares seguiria uma nova lógica.

No fim do ano passado deputados e senadores já começaram a perceber uma adaptação no discurso de autoridades do Planalto. Auxiliares do presidente passaram a dizer que querem aproximar os autores das emendas impositivas dos órgãos executores do governo federal, além de construir agendas comuns de políticas públicas entre os Poderes e os diversos entes da federação. Ponderam que o governo federal deve ter um papel mais indutor.

A ideia no Palácio do Planalto é, por exemplo, apresentar aos parlamentares projetos estratégicos já estruturados e que precisam de “patrocinadores”. A Presidência terá que ajudar os ministérios na defesa das ações e dos programas que deveriam ter prioridade no Congresso, para que o Poder Executivo continue conseguindo influenciar a alocação dos recursos das emendas parlamentares ao Orçamento. Tentará também convencer deputados e senadores da necessidade de se discutir normas relativas à regulação de prazos e procedimentos para a execução dessas emendas.

Em outra frente, o governo federal pretende ajudar Estados e municípios com ferramentas de apoio à tomada de decisão. Quer debater padrões e regras de transparência, capacitar servidores locais para fiscalizar a execução das emendas. Esta última iniciativa causou desconforto no Congresso, onde ela é considerada uma forma de as autoridades federais sinalizarem às bases que existe desconfiança em relação ao trabalho feito a partir da capital do país.
Deputados e senadores sabem que precisam mostrar que o Orçamento impositivo é eficaz e não aumentará as brechas para a corrupção.

Líderes asseguram que trabalharão para que as emendas sejam majoritariamente direcionadas para obras estruturantes. Eles têm total consciência de que são esses empreendimentos que podem render mais votos para eles próprios e seus aliados, mas não estão nada dispostos a seguir de forma automática as orientações de seus interlocutores do Executivo. Tampouco aceitarão serem tratados com desdém ou como os suspeitos de sempre.

Uma história é contada por integrantes da cúpula do Congresso para ilustrar o que, se depender deles, não ocorrerá mais a partir deste ano.

Segundo eles, no início do ano passado um determinado deputado federal foi seguidamente ignorado por um ministro de uma área fundamental do governo. Semana após semana o parlamentar pedia para ser recebido por esse ministro, mas o pleito era negado ou a audiência era marcada e logo depois adiada.

Em abril, o jogo mudou. Emissários fizeram chegar ao ministério a informação de que o deputado acabara de se tornar relator do Orçamento de 2020. Como se pode imaginar, o ministro tentou amenizar o mal estar. Mas precisou entrar numa fila para ter acesso ao relator da peça orçamentária.

Os parlamentares acreditam que, depois de retornarem do recesso, nunca mais precisarão peregrinar pela Esplanada dos Ministérios pedindo atenção às suas bases eleitorais. Esperam que os ministros e seus secretários passem a disputar as salas de espera distribuídas pelos corredores e gabinetes do Congresso, em busca de verbas para os projetos de suas pastas.

Essa situação nunca ocorreria se um presidente com outro discurso e outra forma de se relacionar com o Parlamento tivesse sido eleito. Se algo sair errado, contudo, será inevitável que ocorra uma grande pressão sobre o Congresso para que as regras de execução do Orçamento sejam novamente alteradas. A partir de agora, finalmente o Parlamento passa a exercer uma das principais funções para o qual foi criado, que é definir as prioridades do Orçamento.

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