Não se pode dizer que surpreende a nova estocada do bolsonarismo contra o Congresso
O presidente Jair Bolsonaro precisa esclarecer, sem meios termos, que não apoia a convocação de uma manifestação em sua defesa e contra o Congresso Nacional, feita por seus apoiadores. Os cidadãos são livres para se manifestar contra quem bem entenderem, mas um presidente da República não é um cidadão comum e não pode permitir que seu nome seja usado para alimentar um protesto contra os demais Poderes constituídos. Se aceitar essa associação, ou, pior, se incentivá-la mesmo indiretamente, Bolsonaro estará corroborando as violentas críticas que esses apoiadores, em claro movimento golpista, estão fazendo contra o Congresso, tratado nas redes sociais bolsonaristas como “inimigo do Brasil”.
Ao distribuir a seus contatos no WhatsApp uma das virulentas peças de propaganda da manifestação convocada para o próximo dia 15 de março, o presidente ajudou a disseminar a mensagem, o que equivale a chancelá-la. Bolsonaro disse que apenas distribuiu a mensagem a “algumas dezenas de amigos, de forma reservada”, como se o caso pudesse ser resumido a uma comunicação de caráter pessoal. Mas tudo o que diz um presidente da República, em razão de sua proeminência política, tem enorme poder de influenciar os rumos do País, razão pela qual seu apoio tácito a um protesto contra o Congresso, mesmo que manifestado apenas a um punhado de simpatizantes, configura óbvio abuso de poder, pois incita ilegítima pressão popular sobre o Legislativo.
Não se pode dizer que surpreende a nova estocada do bolsonarismo contra o Congresso, com a anuência do presidente da República. “Eu respeito as instituições, mas eu devo lealdade apenas a vocês, povo brasileiro”, discursou Bolsonaro em agosto do ano passado. “Povo brasileiro”, parece claro, é o nome que Bolsonaro dá a seus seguidores – que, segundo o próprio presidente, são “35 milhões em minhas mídias sociais”. É a estes que Bolsonaro jura lealdade, embora tenha sido eleito para governar a Nação dentro das normas democráticas.
O menosprezo de Bolsonaro pelo Congresso – onde esteve por quase três décadas como deputado – foi reafirmado diversas vezes na campanha eleitoral e depois de sua posse como presidente. Em maio de 2019, distribuiu pelo WhatsApp um texto de teor golpista, segundo o qual o País é “ingovernável” sem os “conchavos” políticos, em alusão à necessidade de negociação com o Congresso, e que, sendo assim, “o presidente não serve para nada”. Na ocasião, Bolsonaro disse que contava “com a sociedade” para “juntos revertermos essa situação” – um óbvio apelo direto ao “povo” contra as instituições.
Assim, o presidente parece procurar construir um regime populista de inspiração militar, bem ao gosto dos saudosos da ditadura e que faz lembrar o governo do general Velasco Alvarado no Peru (1968-75), que hostilizava os partidos por considerá-los parte do sistema oligárquico que dizia combater em nome do “povo”. Anos depois do fracasso da experiência peruana, o coronel Hugo Chávez implantou na Venezuela uma versão do “populismo militar” cujos resultados estão à mostra. Esse não é um modelo a ser imitado.
Ante a escalada bolsonarista, autoridades dos demais Poderes reagiram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, retratado como um porco em uma das mensagens a respeito da manifestação do dia 15, disse que cabe às autoridades “dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional”. O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes afirmou que “a harmonia e o respeito mútuo entre os Poderes são pilares do Estado de Direito, independentemente dos governantes de hoje ou de amanhã”.
Fazem bem o Congresso e o Supremo em se manifestar de modo sereno, mas firme, sobre o comportamento do presidente e de seus seguidores. Também fez bem o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, que criticou o uso de fotografias de militares na convocação dos protestos contra o Congresso, que ele qualificou de tentativa “grotesca” de confundir o Exército com o golpismo bolsonarista. A despeito disso, é muito provável que os bolsonaristas continuem a testar os limites da democracia – e portanto cabe às instituições impedir que eles consigam ir além das bravatas.
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