quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Carlos Alberto Sardenberg - Falta confiança

- O Globo

Única atitude cabível do presidente Bolsonaro seria desautorizar publicamente a campanha pela manifestação de 15 de março, claramente um ataque ao Congresso

Chefes de Estado até podem tentar, mas não têm vida privada. Ou seja, não serve como justificativa, muito menos como desculpa, o presidente Bolsonaro dizer que transmitiu mensagens ofensivas ao Congresso e ao Supremo aos seus grupos privados de WhatsApp.

Também não adianta dizer que não havia referência explícita ao Legislativo e ao Judiciário na mensagem retransmitida. Todo mundo vê a atividade dos grupos ligados a Bolsonaro e a enorme quantidade de mensagens espalhadas com ataques, sim, e ofensas aos demais poderes da República.

As reações do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a do decano do STF, Celso de Mello, revelam não apenas preocupação, mas até mesmo uma certa surpresa. Será que é isso mesmo?

Ou seja, a única atitude cabível do presidente Bolsonaro seria desautorizar publicamente a campanha pela manifestação de 15 de março, claramente um ataque ao Congresso. Rodam por aí as mensagens que opõem militares aos “políticos do passado”. Não basta o presidente dizer, em privado, que não tem nada a ver com isso.

O objetivo só pode ser o de tumultuar. Se for para aprovar reformas, como se aprovou a da previdência, então o movimento deveria ser o contrário. Dizem os bolsonaristas que o Congresso só funciona na base do dinheiro — e como o capitão não quer pagar, o que resta?

E está errado. Ou a reforma da previdência foi comprada ou imposta pelas ruas?

E outra: a reforma tributária, essencial para a retomada da economia, está mais adiantada no Congresso do que no Planalto.

E por fim: a inflação está baixinha, os juros são os menores da história do real, o crédito está voltando, o crédito da casa própria está abaixo dos 10% ao ano, Paulo Guedes dá shows nos mercados internacionais — e por que os investimentos e o consumo não decolam?

A resposta só pode ser uma: falta de confiança. No capitão e na turma dele.

Nas mãos dos médicos

É como se a bolsa brasileira estivesse atrasada. Enquanto os mercados desabavam na segunda e terça de carnaval, a gente aqui estava ou na farra ou no descanso. Ontem, foi o dia de tirar o atraso. Algumas das principais bolsas internacionais, Nasdaq e a de Londres, por exemplo, fechavam no positivo, mas sem zerar as fortes perdas dos primeiros dias da semana. Assim, a queda de 7% da Bovespa apenas equilibrou com as perdas globais.

“Apenas” — é claro, é modo de dizer. Para quem tem dinheiro lá, foi muito. E logo agora quando cada vez mais brasileiros investem em ações para tentar ganhar algo mais do que as modestíssimas taxas de juros.

Paciência. É aprendizado, como sempre se diz. Bolsa é risco e, não raramente de um fator tão externo ao mundo econômico, como um vírus chinês. Claro, um fator externo que se torna risco econômico.

Nos últimos dias, na medida em que o Covid-19 foi se espalhando pela Ásia e Europa, as companhias começaram a alertar para perdas futuras. Por exemplo: bares e restaurantes fecharam na China, e a Diageo perdeu vendas de uísque e cerveja. Uma queda estimada nos lucros em torno de 200 milhões de libras esterlinas.

A Apple já havia avisado que faltariam peças para montar os iPhones. Companhias aéreas mantiveram aviões nos pátios.

Em 2002, quando ocorreu a SARS, a China representava 4% do PIB mundial. Hoje, já passa dos 16% — quatro vezes mais, prejuízos muito maiores. Especialmente para o Brasil, que tem na China seu principal freguês.

Também é verdade que nas epidemias anteriores, a economia mundial recuperou-se muito rapidamente. Consumo e produção voltaram rapidamente a níveis pré-crise.

A questão, portanto, é de tempo. Se médicos e cientistas encontrarem logo vacinas e/ou tratamentos mais eficazes, controlando a epidemia, as coisas podem se ajeitar com danos reduzidos. Mas quanto tempo? Por quanto tempo os bares ficarão fechados na China.

Além disso, ao mesmo tempo em que os chineses começam a controlar o problema — reduzindo o ritmo de transmissão da doença — outros países estão começando a batalha.

Resumo da ópera: máximo cuidado sanitário agora, coordenação global e torcer para que os cientistas resolvam o problema.

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