- Folha de S. Paulo
Derrubar Bolsonaro ajudaria ou atrapalharia o combate à epidemia?
Na história mundial do presidencialismo, ninguém mereceu tanto sofrer impeachment quanto Jair Bolsonaro. Em seu ano e poucos meses de governo, conspirou abertamente contra a democracia e contra a imprensa livre, fez guerra à ciência e aos pobres, rebaixou a Presidência como ninguém.
Enquanto escrevo, sabota abertamente a política de isolamento implementada pelos governadores e defendida por técnicos de seu próprio ministério. Prefere uma contagem de corpos alta a uma economia fraca que prejudique sua reeleição. A economia vai desabar de qualquer jeito. A contagem de corpos ainda pode subir muito.
Isso quer dizer que Bolsonaro será, ou deve ser impedido no momento atual? Depende, porque ninguém sabe direito que tipo de disputa política é possível ou desejável em tempos de pandemia.
O bolsonarismo está claramente declinando. Os panelaços, a debandada de direitistas chocados com a demência presidencial, a rebelião dos governadores, o desespero do agronegócio diante dos ataques contra a China, tudo isso sugere que Bolsonaro cairia se as pessoas pudessem ir às ruas.
Mas não podem. O impeachment dependeria de um jogo de bastidores —com parlamentares, membros da elite e militares. Não é um jogo fácil, mas já há ventos soprando para esse lado. A história mostra que, se precisar derrubar, acha-se um jeito. A questão fundamental, entretanto, é outra: derrubar Bolsonaro ajudaria ou atrapalharia o combate à epidemia?
Em termos práticos: enquanto Bolsonaro for presidente, conseguiremos colocar a máquina federal a favor de quem está trabalhando para salvar vidas? Se for possível, que seja feito. Se não for possível, Bolsonaro tem que sair.
Guerras e epidemias são testes para as nações. Há muitos brasileiros se mostrando à altura do momento. Governadores de todos os partidos, dos conservadores Doria e Witzel ao comunista Flávio Dino, estão trabalhando para salvar vidas.
Economistas ortodoxos e heterodoxos, intelectuais de esquerda e de direita, demonstram uma rara convergência de propostas: é preciso aproveitar o tempo comprado pelo isolamento para equipar o sistema de saúde, usar o BNDES para converter fábricas em produtoras de equipamento médico, gastar dinheiro para sustentar brasileiros que precisem ficar em casa, organizar os setores que não puderem parar.
Há grandes divergências políticas entre essa turma toda, mas elas devem ficar para depois da crise. É hora de todo mundo baixar a bola. Nosso problema atual é que as duas coisas que podem nos ajudar —impeachment e política anticíclica— seriam muito mais fáceis de fazer se não tivessem sido utilizados erroneamente na década passada.
Foram dez anos em que todo mundo fez tudo errado, por motivos que os historiadores desvendarão. Ninguém aqui tem direito à marra. Estamos todos devendo. Vamos para a sala de reunião de cabeça baixa e com atitude humilde para pensar em uma saída.
Os bolsonaristas conseguem fazer isso? Conseguem, ao menos, ficar quietos enquanto fazemos isso? Conseguem sair da frente e deixar que a máquina federal seja disponibilizada para esse esforço? Se não conseguirem, vão ter que sair da sala. Não adianta ter um governo cheio de militares que não apareça para ajudar na hora de organizar uma economia de guerra.
*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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