- Valor Econômico
A dramaticidade do cenário requer ações mais fortes e ousadas das autoridades, e é possível tomá-las sem comprometer estruturalmente as contas públicas
A disseminação do coronavírus vai causar um choque violento na economia brasileira neste ano, refletindo a combinação do impacto das medidas de distanciamento social sobre a atividade doméstica e do efeito negativo da pandemia sobre a economia global. O Brasil deverá ter uma recessão no primeiro semestre, com o PIB encolhendo na média do ano - o J.P. Morgan espera uma queda de 1% e o Goldman Sachs, de 0,9%, enquanto o diretor do ASA Bank, Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro e ex-diretor do BNDES, projeta uma retração de 3%.
Esse cenário exige respostas firmes e pouco comuns das autoridades, envolvendo ações do Ministério da Economia, do Banco Central (BC) e dos bancos públicos. Numa situação emergencial como essa, são necessárias medidas extraordinárias, que justificam a elevação temporária dos gastos públicos. É preciso evitar a tentação de aumentar despesas de modo permanente, mas esse risco não pode levar a uma atuação tímida. A atividade vai despencar nos próximos meses, comprometendo especialmente a renda de trabalhadores informais e a receita de micro e pequenas empresas.
Nesse cenário, é importante que essas empresas tenham acesso facilitado a capital de giro, para manter o fôlego no período de confinamento. Os bancos públicos podem ter um papel importante na tarefa, num momento em que há o risco de o crédito privado faltar. Caixa, Banco do Brasil e BNDES têm anunciado linhas de crédito para esse fim, mas é crucial que esse dinheiro chegue de fato aos pequenos empresários.
Permitir que as empresas adiem o recolhimento de mais impostos, como o governo fez com os tributos federais do Simples Nacional, é uma outra opção para dar um alívio financeiro para companhias que podem perder toda - ou quase toda - a receita por algumas semanas ou meses, a depender da extensão das medidas de quarentena.
Outra medida fundamental é garantir renda aos informais. Na semana passada, o Ministério da Economia anunciou que essa parcela dos trabalhadores terá direito a R$ 200 por três meses, benefício que pode atingir de 15 milhões a 20 milhões de brasileiros. A iniciativa vai na direção correta, mas pode ser necessário atingir um número maior de pessoas e elevar um pouco o valor. Acabar com as injustificáveis filas de acesso ao Bolsa Família e aos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também é primordial.
No front monetário, o BC ainda tem munição. Os juros estão baixos para padrões brasileiros, com a Selic em 3,75% ao ano, mas há espaço para a taxa cair mais. O Brasil vive um quadro diferente do observado nos países avançados, onde os juros já estão no chão ou abaixo de zero e os bancos centrais adotam programas de compras de ativos, para manter baixas as taxas de longo prazo. A inflação por aqui segue extremamente comportada, e há possibilidade de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar abaixo de 2,5% neste ano, o piso da banda de tolerância da meta.
Juros mais baixos ainda tiram alguma pressão da dívida pública, que deve ter um ano de alta em 2020. O endividamento bruto tende a voltar a subir como proporção do PIB por causa do tombo da economia e do aumento do déficit primário (receitas menos despesas, sem incluir gastos com juros). No quadro atual, porém, o crescimento da dívida bruta não é grave, ainda que ela esteja em 76% do PIB, um número elevado para mercados emergentes, que têm um endividamento médio na casa de 55% do PIB.
A situação delicada da economia justifica a elevação de gastos e torna a piora fiscal um aspecto secundário, desde que exista o cuidado para não aumentar despesas de modo permanente. Para enfrentar a pandemia, será necessário elevar expressivamente as despesas com saúde - algo que é permitido pelo teto de gastos, o mecanismo que limita o crescimento dos dispêndios não financeiros da União. O teto permite a abertura de créditos extraordinários para gastos como os que terão de ser feitos num quadro de emergência como a atual.
Os próximos meses serão muito complicados para a economia brasileira, a exemplo do que ocorre no mundo. A pandemia de coronavírus causa ao mesmo tempo um choque de oferta e de demanda. A expectativa dominante é que a atividade mergulhe abruptamente e comece a se recuperar alguns meses depois, mas há muita incerteza sobre quando e como vai ocorrer a retomada depois do tombo, que deve se concentrar no segundo trimestre. Fazer o dinheiro chegar a trabalhadores informais e pequenas empresas é talvez o maior desafio, sendo crucial para atenuar o impacto da crise e evitar uma recessão ainda mais forte.
Em texto publicado no blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o economista Samuel Pessôa dá uma outra ideia para enfrentar o problema da enorme queda na atividade econômica no período de maior distanciamento social. Para ele, não faz sentido manter as rendas monetárias inalteradas nesse cenário. Se isso ocorrer, “começará a aparecer um excesso de recursos financeiros frente à produção, que contribuirá para desorganizar a economia”, avalia Pessôa.
“Assim, é irreal que todos os contratos se mantenham inalterados e que todas as rendas se mantenham inalteradas com a produção parada. Aqui podemos imaginar um redutor. Todas as rendas a partir de um piso devem ser cortadas em uma parcela. Todos os salários, inclusive do setor público, e todos os aluguéis. O mesmo aplica-se para as mensalidades escolares e de clubes, por exemplo”, afirma ele. “Juros reais devem ter o mesmo redutor. O mesmo não se aplica às rendas variáveis, lucros e dividendos, pois serão naturalmente reduzidas”. Isso valeria por um prazo curto, enquanto durarem as medidas mais duras de quarentena, segundo Pessôa. Com a adoção da proposta, haveria também uma piora fiscal menos intensa, diz o pesquisador do Ibre/FGV, avaliando que, dada “a excepcionalidade do momento, seria possível encontrar figura jurídica que desse suporte a uma ação dessa natureza”.
A dramaticidade do cenário requer ações mais fortes e ousadas das autoridades, e é possível tomá-las sem comprometer estruturalmente as contas públicas. Demorar para agir com mais determinação poderá ter um custo elevado para a economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário