Irresponsável tolerância – Editorial | O Estado de S. Paulo
É simplesmente inadmissível a conduta do diretor da Força Nacional de Segurança Pública, coronel Aginaldo de Oliveira, apoiando os policiais militares (PMs) que se amotinaram no Ceará. Enviado pelo governo federal para garantir o policiamento e a ordem pública no Estado durante a ilegal greve de policiais militares, o coronel Oliveira dividiu palanque com as lideranças do movimento e elogiou a atuação dos amotinados. “Os senhores se agigantaram de uma forma que não tem tamanho. É o tamanho do Brasil que vocês representam”, disse o diretor da Força Nacional, não por acaso oficial superior da amotinada PM do Ceará.
Durante a assembleia dos amotinados no domingo passado, o coronel Oliveira discursou ao lado do principal líder do movimento, o ex-deputado federal Cabo Sabino, e do advogado dos policiais grevistas, o coronel Walmir Medeiros. “Só os fortes conseguem atingir os seus objetivos. E vocês estão resistindo, vocês estão atingindo objetivos”, disse Oliveira. “Acreditem: vocês são gigantes, vocês são monstros, vocês são corajosos. Demonstraram isso ao longo desses 10, 11, 12 dias em que estou aqui, dentro deste quartel, em busca de melhorias para a classe, que vão conseguir.” Como se fosse um líder sindical, o diretor da Força Nacional bradou: “Vamos conseguir. Sem palavras para dizer o tamanho da coragem que vocês têm e estão tendo ao longo desses dias”.
O apoio do diretor da Força Nacional aos grevistas é manifestamente ilegal. Não cabe a policial militar fazer greve. “Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”, diz a Constituição. Entre os crimes contra a autoridade e a disciplina militar, o Código Penal Militar destaca o motim. A reunião de militares ou assemelhados para atuar contra a ordem recebida do superior, recusar a obediência, assentir em recusa conjunta de obediência ou ocupar estabelecimento militar “em desobediência à ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar” recebe pena de reclusão de quatro a oito anos, “com aumento de um terço para os cabeças”.
Ao fim do movimento elogiado pelo diretor da Força Nacional, 230 policiais militares foram afastados de suas funções por 120 dias e respondem a processos administrativos. Os agentes poderão ser expulsos da corporação. No entanto, receberam o elogio do coronel Oliveira.
A greve policial no Ceará foi um grave atentado à ordem pública. Durante o motim, que durou 13 dias, foram registrados 220 assassinatos, o maior número para o mês de fevereiro dos últimos cinco anos. A paralisação dos policiais militares exigiu a atuação de 2,8 mil homens do Exército e da Força Nacional tanto em Fortaleza como nas cidades do interior, para reforçar a segurança nas ruas.
É estarrecedor, portanto, o elogio do diretor da Força Nacional aos amotinados. Ainda mais absurda, no entanto, é a atitude do governo federal, mantendo-o no cargo, como se a conduta do coronel Oliveira não tivesse nada de anormal. Casado com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que apoia o presidente Jair Bolsonaro, o coronel Oliveira é subordinado ao secretário nacional de Segurança Pública, general Theophilo Gaspar de Oliveira.
A nota da Força Nacional sobre o episódio manifesta irresponsável tolerância com o desrespeito à lei e à população. “Seu comandante, que é membro da Polícia Militar, fez um discurso interno para os policiais, parabenizando-os pelo fim da paralisação e por não condicioná-lo à exigência de benefícios, como a anistia.” A missão da Força Nacional de Segurança Pública é prover ordem e paz, e não apoiar amotinados.
O coronel Aginaldo de Oliveira deve ser afastado imediatamente da chefia da Força Nacional e cobrado por sua atitude irresponsável. De outro modo, o governo federal, aí incluído o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, contribuirá acintosamente para a continuidade da nefasta conivência do poder público com a ilegalidade, que tanto mal causa ao País.
Política versus baderna – Editorial | O Estado de S. Paulo
Há duas semanas, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou em primeiro turno, com 57 votos favoráveis e 31 contrários, o projeto de reforma da previdência do Estado proposto pelo governo de João Doria (PSDB). Ontem, a maioria dos deputados paulistas aprovou o projeto em segundo turno por placar ainda mais elástico: 59 a 32.
A aprovação final do projeto era dada como certa. Não se esperavam mudanças substantivas entre uma votação e outra. A Alesp já mostrara responsabilidade ao deliberar sobre o tema, vital para a higidez das finanças de São Paulo. Este cuidado pôde ser observado na primeira votação, em 18 de fevereiro (ver editorial A nova previdência paulista, publicado em 20/2/2020).
O que houve de diferente entre um turno e outro foi a violência dos protestos realizados pelos servidores estaduais insatisfeitos com as mudanças no regime de aposentadoria. A Tropa de Choque da Polícia Militar precisou conter os mais exaltados, que invadiram a Alesp quebrando portas, janelas e mobílias, lançando bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral tanto nos corredores da Casa Legislativa como nas ruas e avenidas no entorno do Palácio 9 de Julho, tomadas por grupos de manifestantes que não conseguiram entrar no plenário.
O estopim para a baderna foi a decisão do presidente da Alesp, Cauê Macris (PSDB), de antecipar a sessão extraordinária para votação em segundo turno da reforma previdenciária para a manhã de ontem. Em geral, as sessões extraordinárias ocorrem à noite, mas isto não é mandatório. O PT, que lidera uma frente de oposição ao governo João Doria no Legislativo, viu no ato do presidente da Alesp uma “artimanha para acelerar a votação da PEC”. Ato contínuo, lideranças do partido convocaram servidores às pressas para dar início aos protestos que acabaram em confusão e quebra-quebra.
A acusação feita pelo PT não tem respaldo no Regimento Interno da Alesp, que determina que as sessões extraordinárias sejam “realizadas em dias ou horas diversos dos prefixados para as ordinárias. (A sessão extraordinária) É composta somente de Ordem do Dia, com duração prevista de duas horas e trinta minutos, admitindo-se prorrogação máxima por igual prazo”. As sessões ordinárias, realizadas nos dias úteis, têm início às 14h30. A convocação feita por Macris, como se vê, não foi irregular. Ainda que fosse, caberia aos descontentes interpor recurso, e não convocar manifestantes às pressas para fazer valer por meio da força e da baderna sua oposição à decisão tomada.
A aprovação da reforma da previdência de São Paulo é um exemplo da importância da boa articulação política entre o Executivo e o Legislativo para levar adiante projetos de interesse público. É bom lembrar que João Doria foi eleito governador em 2018 ao mesmo tempo que a bancada de seu partido, o PSDB, encolheu 47% na Alesp, caindo de 19 deputados na legislatura anterior para os 9 da atual legislatura. Ou seja, sem que houvesse entendimento entre o governo estadual e parlamentares de outras legendas que, ao fim e ao cabo, votaram pela aprovação da reforma, São Paulo não poderia contar com uma economia de R$ 32 bilhões em dez anos.
Não obstante a violência, meio de protesto usual entre os que têm a visão distorcida sobre o funcionamento de uma democracia, e a força do lobby dos servidores públicos, a reforma da previdência de São Paulo foi aprovada porque a insustentabilidade do atual regime restou evidente para aqueles que não fecham os olhos diante da realidade e pensam, como se espera de parlamentares ciosos de seu papel, nos impactos presentes e futuros de suas decisões.
O País há muito carece do resgate da política e do bom diálogo como as únicas formas de lidar com temas de relevância pública. A Alesp foi palco de muitas confusões no passado recente. Mas no que concerne à deliberação de um projeto vital para o Estado, como é a PEC da reforma da previdência, deu exemplo.
Guerra econômica ao coronavírus – Editorial | O Estado de S. Paulo
Começou a batalha de governos, bancos centrais (BCs) e organizações internacionais para conter os danos do coronavírus na saúde pública e na atividade econômica. Em reunião extraordinária, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) cortou 0,5 ponto da taxa básica de juros. Mais cedo, ministros e autoridades monetárias do Grupo dos 7 (G-7) se haviam comprometido a enfrentar de forma coordenada os efeitos da epidemia. Um dia antes, dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial haviam anunciado ação conjunta para socorrer países afetados pelo surto, com atenção especial aos mais pobres e mais vulneráveis. Ontem, o Fundo decidiu que sua reunião de primavera será virtual, para evitar aglomerações. Antes do meio-dia no Brasil, ontem, presidentes do Fed, do Banco Central Europeu (BCE) e do Banco da Inglaterra, entre outros, já se haviam manifestado sobre a nova ameaça e prometido enfrentá-la com todos os meios disponíveis.
Mobilização semelhante só havia ocorrido, neste século, quando eclodiu a crise financeira de 2008. Os estragos na economia mundial teriam sido muito mais severos, naquela ocasião, sem a ação conjunta contra a quebradeira iniciada nos Estados Unidos e logo espalhada por dezenas de países.
A cooperação foi relaxada há alguns anos, enquanto se enfraquecia a ordem multilateral, mas a nova ameaça global parece haver reavivado a noção do interesse comum. A ação de maior impacto nos mercados, até agora, foi a redução dos juros básicos americanos à faixa de 1% a 1,25%. Mas os dirigentes do BCE, Christine Lagarde, do Banco da Inglaterra, Mark Carney, e do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, já haviam declarado seu engajamento na luta contra os efeitos econômicos e sociais do coronavírus.
Horas antes da teleconferência dos ministros e autoridades monetárias do G-7, no entanto, o BC da Malásia já havia reduzido sua taxa básica de 2,75% para 2,50%, o menor nível desde 2010, para animar a economia e torná-la menos vulnerável ao surto epidêmico.
Na França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, prometeu políticas especiais para atenuar os efeitos econômicos da epidemia. Empresas em dificuldades poderão ser beneficiadas com adiamento da cobrança de impostos e com financiamentos concedidos por meio de um banco estatal de desenvolvimento. “Nossa responsabilidade”, explicou, “é garantir que o impacto seja tão limitado quanto possível.”
As ações desenvolvidas em cada país, embora ditadas pelas condições locais, poderão ter efeito além das fronteiras. Se tiverem potencial para limitar os estragos causados pela epidemia, poderão reduzir o contágio internacional dos problemas econômicos. Além disso, o afrouxamento das políticas monetárias, na linha, por exemplo, já decidida pelo Fed, poderá afetar positivamente as condições internacionais de financiamento, proporcionando fôlego a governos e ao setor empresarial.
Mas a ação mais importante para as economias mais vulneráveis deverá ser a do FMI e do Banco Mundial. “Usaremos nossos instrumentos o mais amplamente possível, incluindo financiamento de emergência, aconselhamento político e assistência técnica”, prometeram a diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva, e o presidente do banco, David Malpass. As instituições dispõem, lembra o comunicado, de meios para ajuda rápida. A nota relaciona linhas de crédito e ações emergenciais para apoio a países necessitados. Vários meios foram usados no socorro a países afetados por desastres naturais – terremoto no Equador, por exemplo – e por epidemias, como o surto de ebola em vários países africanos.
O corte de juros americanos, comentou-se no mercado, cria oportunidade para mais uma redução no Brasil. Se levar a sério essa ideia, o BC poderá aplicar a política recém-sugerida a países como o Brasil pela OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Falta saber se as autoridades econômicas brasileiras também estão preocupadas com os efeitos do coronavírus.
É a reforma? – Editorial | Folha de S. Paulo
MP amplia contratação temporária de servidores sem concurso e suscita dúvidas
Esperava-se uma iniciativa emergencial para reforçar o atendimento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas a medida provisória 922, editada na segunda-feira(2), foi muito além disso.
A norma baixada pelo governo Jair Bolsonaro estende a diversas atividades administrativas a possibilidade de contratação de servidores em caráter temporário, incluindo aposentados, sem concurso. Não por acaso, a MP despertou especulações sobre seus objetivos.
Os casos em que a gestão federal pode recrutar mão de obra sem as formalidades usuais, por “excepcional interesse público”, estão listadas em uma lei de 1993.
No texto, já modificado em outras ocasiões, citam-se hipóteses como calamidades públicas e censos demográficos, além de outras mais pontuais, como serviços do Hospital das Forças Armadas.
Desta vez, criam-se ao menos oito novas possibilidades de contratação de servidores temporários, entre elas obras e serviços de engenharia, pesquisa e desenvolvimento de produtos e serviços, redução de passivos processuais ou de volume de trabalho acumulado.
A MP ainda reduz as exigências de divulgação dos processos seletivos simplificados (que substituem os concursos públicos nesses casos) e os torna dispensáveis em um número maior de situações.
Diante de regras tão abrangentes, não tardou a suspeita de que a medida representa, na prática, uma primeira etapa da reforma da administração pública que o governo há meses promete enviar ao Congresso na forma de proposta de emenda constitucional.
A tese foi negada pela área econômica, mas a MP de fato contempla diretrizes do redesenho do serviço público em estudo —em particular, flexibilização da estabilidade do funcionalismo, desburocratização e redução de custos trabalhistas e previdenciários.
Enquanto o Planalto reluta em enfrentar essa batalha política, os gastos com pessoal, já elevados para os padrões internacionais, seguem crescendo acima da inflação, e o Orçamento se mantém congelado em termos reais.
Nas regras atuais, as únicas opções para economizar nessa rubrica são evitar reajustes e deixar de substituir servidores que morrem, aposentam-se ou mudam de área.
De resto, a MP 922 suscita preocupação por abrir larga margem para admissões de funcionários sem concurso público, cujo impacto ainda se mostra incerto. Trata-se de norma que implica o risco de desmandos e merece análise aprofundada por parte do Congresso.
Tempestade de descaso – Editorial | Folha de S. Paulo
Chuva provoca calamidades em SP, RJ e MG, sem que autoridades tenham respostas
Uma das mais sórdidas rotinas brasileiras, pelo que evidencia de atraso socioeconômico e descaso do poder público, a catástrofe que se repete a cada temporada de chuvas em diversas regiões do país causa mais uma vez mortes e desabrigo entre aqueles empurrados pela desigualdade para moradias precárias em locais de alto risco.
Seja na várzea dos rios imundos de São Paulo, seja em Minas Gerais ou nos morros da Baixada Santista e do Rio, o espetáculo trágico e revoltante se encena pontualmente.
Há sem dúvida situações climáticas que impõem adversidades de grande vulto a quem precise conter seus efeitos danosos —e existem sinais de que casos extremos vão se tornando mais frequentes com as mudanças causadas na atmosfera pela ação humana.
Antes de culpar as chuvas impiedosas pelos desastres, contudo, é imperioso reiterar uma causa que, infelizmente, há muito se conhece, sem que providências efetivas sejam tomadas para saná-la.
Trata-se da inépcia de governantes e demais autoridades em promover políticas habitacionais de largo alcance e em conter a ocupação de áreas de risco.
É espantoso que ainda se ouçam no Brasil tentativas de atribuir às populações que vivem em condições miseráveis a responsabilidade direta pela situação. Foi o que insinuou, por exemplo, em abjeta declaração, o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos).
“As pessoas gostam de morar ali perto dos talvegues [linha mais baixa de um vale por onde escorre a água da chuva e das nascentes] para gastar menos tubo e colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo. Essas áreas são muito perigosas”, disse o alcaide carioca, cuja gestão, em final de mandato, vai escorrendo para o esgoto da política.
O cenário que se observa é devastador e exige pronta e eficaz atuação dos diversos níveis de governo para ao menos minimizar o desamparo e conter novos óbitos.
Deveria ser desnecessário apontar que ainda mais relevante é estar preparado para as tempestades dos próximos anos, mas o descaso parece imune à experiência.
Sindicalização na PM tem de ser combatida – Editorial | O Globo
Pelo fato de o presidente Bolsonaro ter nas polícias um curral eleitoral, esta politização ficou mais perigosa
O motim de policiais militares no Ceará chegou ao fim sem que fosse concedida uma inconcebível anistia. Mas aumentou o tamanho do problema que o Estado tem para descontaminar os quartéis da intoxicação que vem sendo causada por políticos em busca de votos num curral de eleitores armados.
O mais conhecido é o presidente da República, Jair Bolsonaro. Há outros, vários egressos da PM, que souberam usar de trampolim movimentos como este para entrar em Casas legislativas. Inclusive em Brasília.
Policiais em greve desrespeitam a Constituição, e mesmo assim governos vêm há tempos convivendo com atos ilegais, insuflados por sucessivas anistias, inclusive aprovadas no Congresso. O monstro foi cevado com essas concessões até atingir uma dimensão que assusta.
O motim no Ceará, em que policiais mascarados repetiram traficantes, ordenando o fechamento do comércio, não pode ser esquecido pelas autoridades. Deve servir-lhes de um forte alerta. Quando o próprio diretor da Força Nacional, convocada para atuar no estado, coronel Antônio Aginaldo de Oliveira, do Ceará, chama os soldados amotinados de “gigantes” e “corajosos”, algo vai muito mal no campo das hierarquias e do cumprimento da lei.
A chegada de Bolsonaro ao Planalto parece ter aumentado a fermentação sindical nos quartéis, que hoje veem no Planalto um aliado. Percepção confirmada pela resistência do presidente da República a ampliar a vigência do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no Ceará. Ele terminou estendido em uma semana. Mas em nove dias de falta de policiamento nas ruas, houve 241 assassinatos.
O presidente disse que em seu governo as GLOs não durarão para sempre. E se for preciso mantê-las em vigor por um prazo longo, como no Rio de Janeiro, onde a intervenção federal teve de durar quase 11 meses? O seu novo ministro da Casa Civil, general Braga Netto, que comandou com eficiência a atuação das tropas na cidade e no estado, pode explicar-lhe a importância da GLO. Ficou muito visível a intenção do presidente da República de ficar ao lado dos amotinados, forçando o governador Camilo Santana, não por acaso do PT, a aceitar incabíveis reivindicações como a anistia. Que não foi concedida, felizmente.
Só mesmo a postura de Bolsonaro simpática à greve pode explicar o malabarismo do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, de confirmar que motim é ilegal, portanto, um crime, mas acrescentar que os policiais não eram criminosos. Tortuoso.
Surgiu de maneira mais clara um problema de alto potencial de gravidade: o Planalto já demonstrou que o seu principal inquilino se mantém na política rasteira do baixo clero, preocupado em atender as corporações que o apoiam. Mesmo indo contra a Constituição.
Com Bolsonaro no Planalto, os Poderes da República precisam estar atentos para exercer sua autonomia garantida na Constituição.
É urgente a elaboração de um plano nacional contra as chuvas – Editorial | O Globo
Não se pode continuar ignorando que fenômenos extremos estão cada vez mais frequentes no país
Nos últimos dias, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo mostraram mais uma vez que estão despreparados para enfrentar as tempestades de verão, que se mostram cada vez mais frequentes e destruidoras. Na Baixada Santista, as fortes chuvas de ontem causaram deslizamentos de terra em Santos, São Vicente e Guarujá, matando 18 pessoas, entre elas dois bombeiros que participavam das ações de resgate. E o número de vítimas pode ser maior, à medida que existem 30 desaparecidos. Na madrugada de domingo, o aguaceiro que desabou sobre a capital fluminense e a Baixada provocou ao menos quatro mortes e deixou cerca de 5 mil pessoas desalojadas ou desabrigadas. No Espírito Santo, mais de 500 moradores de 13 municípios tiveram de deixar suas casas em consequência das recentes enxurradas.
Em Guarujá, Santos e São Vicente, no litoral paulista, choveu em 12 horas mais que o volume esperado para o mês inteiro. No Rio, não foi diferente. Num único dia, registrou-se a quantidade prevista para março. No inicio do mês passado, a enxurrada que paralisou a cidade de São Paulo foi a mais forte dos últimos 37 anos. Pode-se tentar ignorar os efeitos das mudanças climáticas, mas eles estão aí, traduzidos em cenas dramáticas de inundações e deslizamentos mostrados pelas TVs quase diariamente. Vidas perdidas, casas destruídas, carros arrastados aos montes para dentro de rios, como se fossem de brinquedo. Não estamos diante de fenômenos excepcionais, mas do “novo normal”, como dizem especialistas.
O que parece claro é que não se pode mais fingir que o problema não existe. É impossível impedir que esses fenômenos aconteçam, mas é plenamente viável preparar as cidades para o impacto das tempestades, objetivando preservar vidas e reduzir danos. Nesse sentido, questão primordial são as moradias em áreas de risco, como encostas e margens de rios, muitas vezes fruto de ocupação irregular. Pesquisa do IBGE e do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) estimou que 8 milhões de brasileiros vivem em locais suscetíveis a enchentes ou deslizamentos.
É urgente a elaboração, pelo governo federal, de um plano nacional contra chuvas, em conjunto com estados e municípios. Mapear áreas de risco, remover famílias que habitam os locais mais vulneráveis, construir habitações em regiões seguras, estabelecer obras e medidas de prevenção e criar protocolos de emergência são iniciativas fundamentais. Há que ser um plano de Estado, para que não fique atrelado a um ou outro governo. Tragédias não respeitam o calendário político.
Risco sobe e faz Fed antecipar e intensificar corte de juros – Editorial | Valor Econômico
Os juros foram reduzidos para dar um choque de confiança
O Federal Reserve americano deu ontem o mais contundente sinal de que os bancos centrais agirão como puderem para conter o risco de uma recessão global, que se tornou agora um cenário possível. Como ocorreu na recessão anterior, provocada pela crise financeira de 2008, o Fed antecipou-se a sua reunião ordinária, de 18 de março, e cortou 0,5 ponto percentual dos fed funds, para a faixa de 1% a 1,25%. Os demais bancos centrais não têm muita margem de manobra para agir. Pesados os riscos, o presidente do Fed, Jerome Powell, preferiu enfrentar os efeitos nocivos do coronavírus antes que qualquer indicador os apontasse.
Com o número de infectados aumentando em direção aos 100 mil, em 77 países - e novos casos diminuindo na China - parece claro que os estragos na economia mundial, em que o setor de serviços tem preponderância (somam dois terços do PIB dos países ricos), serão intensos e se estenderão por mais alguns meses, até que a epidemia seja contida. O número de mortos começou a crescer nos EUA, que se preparam para um aumento rápido do contágio no país e para os distúrbios econômicos dele decorrentes.
O Fed indicou que apesar dos “fundamentos da economia americana permanecerem fortes”, eles não deverão mais continuar assim. O sentimento de confiança do consumidor tende a se erodir e a economia deve se retrair a partir do patamar de 2% de crescimento que tem mantido. Parte dos investidores apontou que a rápida mudança de atitude do Fed significa que ele enxergou riscos maiores do que os mercados estão precificando, e as bolsas americanas voltaram a tombar.
A eficácia de mais cortes de juros será agora testada. Há quem acredite que o instrumento é inapropriado para uma epidemia e enfrentar o duplo choque vindo da China: o da oferta, que danificou a cadeia global da produção de eletrônicos e informática, e o de demanda, que paralisa os serviços, com restrição a viagens, quarentenas etc. O afrouxamento monetário estreou após uma crise financeira aguda, enquanto que a crise que o coronavírus provoca não tem essa característica. E as quedas espetaculares das ações nos EUA não podem ser qualificadas assim. Elas anteciparam que a performance das empresas sofrerá com a epidemia, e sua magnitude foi potencializada pela clara sobrevalorização dos mercados acionários.
Powell disse ontem que a política monetária “não consertará uma cadeia de suprimentos quebrada”, nem “reduzirá a taxa de infecção”. Os juros foram reduzidos para dar um choque de confiança e para amenizar o aperto das condições financeiras que virá com a esperada redução do consumo, especialmente nos serviços, à medida que o vírus se espraiar pelos Estados Unidos. Como outros analistas apontaram, o impacto mais relevante será o choque de demanda, cuja vítima serão as pequenas e médias empresas, que formam a maior parte do tecido do setor de serviços e que perderão capacidade de pagar dívidas pela retração das receitas, além da confiança do consumidor.
Possivelmente, será preciso fazer mais do que reduzir os juros para que o Fed abrevie esses impactos do coronavírus. Os investidores, porém, já vislumbram corte de mais 0,5 ponto percentual no juro, fazendo a taxa voltar à que era em janeiro de 2016, quando o banco iniciou a normalização monetária. Por enquanto, o Fed decidiu que o melhor caminho é agir sobre as expectativas em deterioração.
Os demais bancos centrais do mundo desenvolvido estão em maus lençóis. O Banco Central Europeu pouco pode fazer além do que vem fazendo - mantém juros negativos de 0,5% e um programa de compra de títulos de € 30 bilhões mensais. O Banco do Japão calibra juros negativos ou perto do zero e foi muito mais longe que o Fed e o BCE na política de afrouxamento monetário. Não conseguiu tirar a economia japonesa da estagnação nem produzir inflação. O Banco da Inglaterra, com taxa básica estacionada há muito em 0,75%, tampouco pode ir muito longe na direção dos cortes.
Na China, o número de pessoas que se recuperaram do ataque do vírus é maior que o de novos infectados há uma semana. Há mais atividade econômica e o governo espera que ela esteja perto da normalidade no fim do mês. O vírus e os distúrbios que deixam em seu rastro estão ainda se espalhando. Coreia do Sul é um dos novos epicentros do contágio na Ásia, o Irã, no Oriente Médio e a Itália, na Europa. Os EUA são o mais recente elemento da cadeia de propagação nas Américas. Dificilmente sairá ileso - e há dúvidas se o Fed conseguirá diminuir os prejuízos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário