- Valor Econômico
Desigualdade de renda tende a piorar bastante mais durante períodos de desaceleração do que a melhorar durante períodos de aceleração do crescimento
A taxa de crescimento econômico da América Latina é caracterizada por ser altamente volátil em torno de uma média baixa e por períodos de fortes acelerações e colapsos. O problema é que essas características não são neutras e têm implicações perversas. Isto porque a combinação de baixa persistência com alta descontinuidade do crescimento está associada à maior aversão ao risco, que estimula a especulação e encoraja as empresas a investirem em projetos de menor risco, mas de baixo retorno social. Ademais, pobreza, desigualdade e outros indicadores sociais são bastante sensíveis àquelas características.
De fato, evidências empíricas sugerem que os indicadores sociais melhoram durante períodos de aceleração e pioram durante períodos de desaceleração do crescimento. Ou seja, eles são pro-cíclicos. Mas ainda mais relevante é a reação assimétrica dos indicadores sociais ao ciclo econômico. Indicadores de desigualdade de renda tendem a piorar bastante mais durante períodos de desaceleração do que a melhorar durante períodos de aceleração do crescimento. Condição qualitativamente semelhante ocorre com desemprego, pobreza, miséria, participação do jovem no mercado de trabalho, dentre outros indicadores.
Além do aumento das desigualdades internas, poderemos ver aumento das desigualdades entre países
Esta nefasta relação assimétrica ajuda a explicar por que os indicadores sociais avançaram vagarosamente nas últimas décadas na região. Sugere, também, que, da perspectiva do pobre, tão ou mais importante que crescimento elevado é crescimento sustentado. Simulações sugerem que, tivera a região evitado os mais severos anos de colapso do crescimento das últimas décadas, o PIB per capita seria, hoje, 21% maior; em alguns países, seria substancialmente maior.
Evidências empíricas também apontam que dentre os fatores por trás daquela relação assimétrica estão as debilidades das redes de proteção social, a degradação dos serviços públicos e a piora das condições do mercado de trabalho observados na região durante períodos de colapso. Como os grupos mais vulneráveis são mais dependentes daqueles serviços e da renda do trabalho, então eles são especialmente afetados nos períodos ruins. A concentração de ativos e o limitado acesso dos mais pobres ao mercado de crédito, seguros e outros instrumentos financeiros também ajudam a explicar aquela assimetria. Para além de questões éticas e de direitos, a preocupação com os indicadores sociais também se justifica por ser um dos pilares da prosperidade.
A crise da covid-19, com suas características únicas, terá, provavelmente, efeitos ainda mais adversos nos indicadores sociais. Ademais dos impactos sem precedentes na renda dos informais e dos trabalhadores por conta própria e no rendimento das micro e pequenas empresas, há que se considerar ao menos cinco agravantes.
O primeiro é que vários países da região já enfrentavam deterioração econômica e social ainda antes da pandemia, com cortes nos gastos sociais e aumentos na informalidade, desigualdade e desemprego. O segundo são as limitações orçamentárias dos países para fazer frente aos desafios da pandemia e suas repercussões sociais. O terceiro são as modestas redes de proteção social de muitos países da região. O quarto é que tecnologias de produção, gestão e comercialização poupadoras de mão de obra deverão se popularizar na região a partir da pandemia.
O quinto é que haverá mudança no perfil da “empresa representativa”. Isto porque empresas menos produtivas e mais intensivas em trabalho encolherão ou quebrarão relativamente mais em razão da crise do que empresas mais enxutas e inovadoras. Há que se esperar, portanto, que a piora nos indicadores sociais venha acompanhada de elevado e provavelmente persistente desemprego estrutural.
Muito se avançou na área social desde meados dos anos 2000, mas aquelas conquistas estão agora ameaçadas. Para protegê-las, será preciso considerar ao menos quatro conjuntos de políticas.
Primeiro, ampliar redes emergenciais de proteção social, fortalecer programas de emprego e desemprego e expandir programas de empreendedorismo, capacitação tecnológica e educação profissional. Deve-se, inclusive, considerar a criação de programa de renda básica universal.
Segundo, deve-se apoiar as micro e pequenas empresas viáveis com linhas de crédito e outros instrumentos financeiros e não financeiros que contribuam para que elas mantenham seus funcionários durante a quarentena e sigam em condições de retomar a atividade logo que possível.
Terceiro, implementar políticas que reduzam a elevada exposição dos grupos mais vulneráveis aos períodos de colapso combinadas com políticas que aumentem a sua participação nos benefícios gerados durante períodos de crescimento. Investimentos na melhoria da qualidade e acesso a serviços públicos como saúde, educação, moradia e transporte público são manifestações daquelas políticas.
Quarto, avançar com políticas econômicas que promovam o crescimento sustentado, o que deveria incluir minimizar a exposição da economia a colapsos, com diversificação produtiva e agregação de valor; valorizar políticas fiscal e monetária críveis; atacar grandes constrangimentos ao crescimento, como a baixa produtividade e os gargalos da infraestrutura; e fomentar novas tecnologias, inovações e soluções que aumentem a resiliência, a competitividade internacional da economia e a sua capacidade de gerar novos empregos.
O atual colapso econômico põe em risco não apenas as conquistas sociais, mas, também, os esforços levados a cabo para reduzir as enormes brechas que separam os indicadores sociais dos países da nossa região com os dos países ricos. Ou seja, para além do possível aumento das desigualdades internas, poderemos testemunhar aumento das desigualdades entre países, o que seria um outro grande desastre.
A noite será longa e, por isto, requer esforços decisivos e coordenados que combinem a mitigação dos riscos de deterioração dos indicadores sociais com a otimização e a potencialização de políticas que acelerem a recuperação econômica, fortaleçam as empresas e os mercados e promovam o crescimento sustentado.
*Jorge Arbache é vice-presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina - CAF
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