- Globo
Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos
Num passado não muito distante, o Brasil conviveu com um procurador que se destacava por engavetar a maioria dos pedidos de investigação sobre malfeitos federais. Ele era tão eficiente nessa tarefa que ganhou o apelido de Engavetador-Geral da República. Trata-se de Geraldo Brindeiro, nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995 e reconduzido ao posto outras três vezes. Nos seus oito anos de mandato, engavetou 242 inquéritos, arquivou outros 217 e aceitou apenas 60 de 626 denúncias a ele oferecidas. Foram beneficiados 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros. Quatro processos contra FHC também foram parar na gaveta de Brindeiro.
Hoje, estamos no limiar de ver surgir no cenário nacional um outro operador de gavetas e arquivos. Augusto Aras pode se tornar um Arquivador-Geral no inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal contra o presidente Jair Bolsonaro, embora obviamente possa surpreender. Assim como Brindeiro, Aras não estava na lista tríplice que é oferecida ao presidente como balizadora para a indicação. Quando a lista foi instituída, em 2001, Brindeiro ficou em sétimo lugar na eleição da Associação Nacional dos Procuradores da República, mas mesmo assim foi nomeado por Fernando Henrique. Embora se tratasse de uma recondução, o fato é que a lista não foi respeitada. Aras sequer concorreu para a vaga na eleição e ainda assim foi nomeado por Bolsonaro.
Deve-se dizer a favor de Aras que ele não engavetou o pedido do PDT de abertura de inquérito contra Bolsonaro e o encaminhou ao STF, que pelo ministro Celso de Mello autorizou sua abertura. Todos os seus movimentos até aqui seguiram o rito normal esperado de um procurador-geral. O perigo, entretanto, mora logo ali na frente. Terminada a fase de inquérito, Aras decidirá se apresenta ou não denúncia contra o presidente da República. Se ele não denunciar Bolsonaro, o caso é arquivado, mesmo que esteja repleto de provas e evidências de que um crime foi cometido.
Pelo que se apurou até aqui, não resta dúvida de que o presidente Jair Bolsonaro demitiu Sergio Moro e Maurício Valeixo porque queria interferir na Polícia Federal, receber informações privilegiadas, e acima de tudo proteger “familiares e amigos”. A desculpa inventada de última hora, de que ele se referia à segurança dos filhos, não cola em ninguém, a não ser na turma mais chegada ao capitão. Mas vai que cola em Aras. Será no momento em que escrever sua decisão, depois de terminado o inquérito, que Augusto Aras escolherá como vai querer ser retratado pelos livros de história. Pode se alinhar no panteão onde já estão Aristides Junqueira e Sepúlveda Pertence ou figurar na galeria de Geraldo Brindeiro.
O que não se falou
Sabe-se já sobejamente o que se falou na reunião ministerial do dia 22 de abril no Palácio do Planalto, e não precisaríamos voltar a ela não fosse por um detalhe. O que disseram os ministros técnicos quando ouviram as barbaridades que saíam da boca do capitão e de alguns de seus ministros mais aguerridos? Como o ministro Paulo Guedes, por exemplo, reagiu quando Bolsonaro disse que queria sim proteger seus filhos e amigos da sanha da PF? Ele falou alguma coisa ou ficou calado? E a ministra da Agricultura, Tereza Cristina? Ela expressou algum espanto quando Abraham Weintraub, da Educação, pediu cadeia para os ministros do STF? Ficou ruborizada?
Será que o astronauta Marcos Pontes, ministro da Ciência, Tecnologia e Etc, mostrou indignação quando sua colega Damares Alves disse que Bolsonaro deveria mandar prender também prefeitos e governadores que determinaram isolamento social? Ou ficou rindo quietinho em seu canto? Não vou perguntar sobre o ministro da Saúde, Nelson Teich, porque este devia estar dormindo. Mas, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, reagiu quando o chanceler Ernesto Araújo chamou o coronavírus de “comunavírus”, culpando a China pelo seu surgimento? Em política, calar e consentir são sinônimos.
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