quinta-feira, 14 de maio de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

• Bolsonaro desdenha vídeo que pode comprometê-lo – Editorial | Valor Econômico

O presidente está isolado e inimizou-se com os demais Poderes

Só a divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, ou um pronunciamento do ministro Celso de Mello, é capaz de deixar claro o que exatamente nela disse o presidente Jair Bolsonaro. Há diversas nuances sobre seu teor e poucas sobre o que aconteceu no encontro - um espetáculo de baixarias, ao qual o presidente e muitos de seus ministros se entregam com volúpia. Bolsonaro vem acumulando ilegalidades, o Supremo Tribunal Federal já tem três inquéritos que podem comprometê-lo, a seus filhos ou todos. O mais recente, sobre a saída de Sergio Moro e a troca do comando da Polícia Federal poderá ou não pôr fim a sua carreira no Executivo.

Os espectadores que viram no vídeo evidências devastadoras contra Bolsonaro, atribuem a ele o desejo, expresso com toda as letras, de proteger sua família de eventuais embaraços com a Polícia Federal. “Não vou esperar foderem com alguém da minha família”, teria dito o presidente, em um dos pontos áureos de um discurso no qual cobrou acesso a relatórios da inteligência da PF para não ser “surpreendido” por investigações. O presidente também ameaçou de demissão quem se colocasse em seu caminho, inclusive ministros.

As ações de Bolsonaro desde o início do capítulo da PF são uma linha reta. Desde agosto de 2019, tentou mudar a direção da superintendência do Rio, sem outra explicação a não ser que “o Rio é meu Estado”. A PF do Rio não investiga as rachadinhas envolvendo o gabinete do então deputado Flavio Bolsonaro, mas personagens que se cruzavam com ele, em especial milicianos. Familiares de alguns deles foram empregados por Flavio.

O presidente apressou-se e voltou à carga depois que o STF abriu um inquérito para investigar “fake news”, do qual membros da PF participam operacionalmente, e, depois, outro, para apurar o financiamento das manifestações contra a democracia, das quais o próprio presidente da República tornou-se assíduo frequentador. Em nenhum deles Bolsonaro é investigado, mas o das “fake news” aponta na direção de Carlos Bolsonaro, seu irmão Eduardo e o “gabinete do ódio” do Planalto.

Bolsonaro forçou a saída de Moro da Justiça, nomeou um amigo da família, Alexandre Ramagem, para o comando da PF, mas foi barrado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Bolsonaro esbravejou, mas retirou a indicação e nomeou outro delegado da PF, indicado por Ramagem, cujo ato inaugural foi trocar o comando da superintendência do Rio de Janeiro. À sua maneira, dando pontapés nas instituições, Bolsonaro obteve o que queria.

Depois, para intimidar e desgastar o STF, o presidente organizou uma esdrúxula passeata de empresários até o Supremo, onde foi recebido pelo presidente do tribunal, Dias Toffoli, fazendo lives sem pedir autorização ao anfitrião, defendendo, com apoio de sua entourage, o fim do isolamento social, tudo ao som de notas fúnebres, como a das “mortes de CNPJs” e “empresas na UTI”. Pouco depois, o país somava mais de 10 mil mortes (CPFs).

Enrascado no caso da PF, Bolsonaro, que se desdiz com facilidade, apegou-se à duplicidade das palavras. A “proteção” a que se refere no vídeo, segundo ele, diz respeito à segurança física de sua família. Só o vídeo pode aclarar se isso não passa de mais uma esperteza tosca, de Bolsonaro, com a qual pretende se livrar de eventual acusação de vários crimes.

Três crises simultâneas não parecem constranger o presidente, que ainda encontra tempo e energia para revogar portarias do Exército que obrigavam a identificação de cartuchos, em mais um de seus decretos que tem a finalidade de facilitar a proliferação de armas e dificultar a identificação de usuários. As milícias objetivamente têm seu trabalho facilitado com isso. Mas não só. Começa a surgir o embrião de grupos paramilitares de bolsonaristas fanáticos que portam armas. É um dos subprodutos mais perigosos da campanha do presidente contra as instituições e de suas pregações a favor da ditadura militar.

Bolsonaro crê que descobriu o caminho certo para seguir com seu trabalho destrutivo: unir-se ao centrão, bando de partidos que reúne condenados e investigados pela Lava-Jato. Ao jogar fora promessas de campanha, em nome de velhas companhias, faz opção preferencial pela sobrevivência no poder. Ela está longe de assegurada. É da natureza do centrão ser infiel e o Judiciário está atento a seus passos e aos de seus filhos encrenqueiros. Bolsonaro está isolado e inimizou-se com os demais Poderes. Julgar que a pandemia pode evitar um processo de impeachment é mais uma aposta de alto risco. Pelo conjunto da obra, pode perdê-la.

• O Brasil precisa saber – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se é verdade que o tal registro não revela nenhuma irregularidade cometida pelo presidente, como Bolsonaro diz e repete, então nada deveria obstar sua publicidade voluntária e imediata

É imprescindível que o inteiro teor do vídeo da reunião do presidente Jair Bolsonaro com seu Ministério em 22 de abril seja tornado público. E essa iniciativa deveria partir não de uma ordem judicial, e sim do próprio presidente, certamente o maior interessado no esclarecimento dos fatos; afinal, se é verdade que o tal registro não revela nenhuma irregularidade cometida pelo presidente, como Bolsonaro diz e repete, então nada deveria obstar sua publicidade voluntária e imediata.

“Vocês vão se surpreender quando esse vídeo aparecer”, disse Bolsonaro. A Nação mal pode esperar para ser surpreendida. Por ora, os brasileiros conhecem apenas a versão fornecida por alguns dos espectadores do referido vídeo, exibido para procuradores da República, investigadores da Polícia Federal (PF) e o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, autor de denúncias contra o presidente e que citara a tal reunião como evidência de suas acusações. E a versão dessas testemunhas não surpreende ninguém: segundo algumas delas, Bolsonaro deixou claro que queria interferir na chefia da Superintendência da Polícia Federal no Rio para proteger sua família, que, segundo ele, estaria sendo “perseguida” pela PF. Tudo isso permeado por palavrões, gritaria, desrespeito e ameaças de demissão - ou seja, um dia comum na Presidência de Jair Bolsonaro.

Surpreendente, mesmo, seria se o vídeo mostrasse um chefe de governo equilibrado, consciente da função que desempenha e reverente em relação não apenas à liturgia do cargo, mas aos princípios básicos da República que preside - aquela em que ninguém, por mais poderoso que seja, pode se considerar acima da lei. Como até mesmo os camisas pardas que veneram Bolsonaro sabem a esta altura que isso é impossível, o único interesse no vídeo é verificar se o presidente realmente cobrou do então ministro Sérgio Moro que fizesse mudanças na Polícia Federal com o intuito de blindar seus filhos e amigos, enrolados com a Justiça - o que, segundo Moro, o motivou a pedir demissão do Ministério da Justiça.

Enquanto o vídeo não vem à luz na sua integralidade, para que se possa verificar o contexto de cada declaração, será a palavra de Bolsonaro - que nega tudo - contra a das testemunhas, e é ocioso discutir em quem se deve acreditar neste momento. O fato, por ora, é que há grossas suspeitas de que o presidente pode ter cometido delitos em série, e a divulgação do vídeo certamente ajudará a mostrar onde está a verdade.

Até que isso aconteça, é preciso muita prudência. A falta dela quase derrubou um governo, o do presidente Michel Temer, vítima de um escândalo irresponsável criado a partir da interpretação equivocada - maldosa até, pode-se dizer - de um diálogo dele com o empresário Joesley Batista, em 2017. Quando o diálogo afinal se tornou público, percebeu-se que nada havia ali que comprometesse o presidente a ponto de interromper seu mandato.

Espera-se que o procurador-geral da República, Augusto Aras, aja com a responsabilidade que faltou a Rodrigo Janot quando este, na condição de procurador-geral, fez as denúncias contra Michel Temer movido pelo desejo incontido de criminalizar toda a classe política, a começar pelo presidente.

Assim, o procurador Augusto Aras deve se ater exclusivamente às evidências e solicitar quantas diligências forem necessárias para ter um quadro completo. Se as provas forem frágeis, como afirma Bolsonaro, então o caso obviamente não pode seguir. Entretanto, se houver razões para levar adiante as investigações e oferecer uma denúncia contra o presidente, Augusto Aras - indicado para o cargo por Bolsonaro - deve fazê-lo, com a independência que a Constituição garante ao Ministério Público.

Processar e eventualmente cassar um presidente da República não é uma brincadeira inconsequente. É a mais séria das decisões políticas num regime presidencialista, razão pela qual é preciso ter sólidos argumentos para consumá-la. A incivilidade e o despreparo do presidente Bolsonaro, por mais que envergonhem o País, não são motivos para isso. Advocacia administrativa, prevaricação, obstrução da justiça, coação, falsidade ideológica e crime de responsabilidade são.

• Triste Brasil – Editorial | O Estado de S. Paulo

Em termos rasteiros, Bolsonaro exige a volta à normalidade sem esboço de um plano responsável

Enquanto o sr. Jair Bolsonaro finge (e mal) ser um presidente da República preocupado com o destino de todos os brasileiros, e não só com o dele e o dos que estão no seu círculo afetivo, o Brasil ultrapassou a marca de 12 mil mortos por covid-19 no início desta semana. Já são quase 178 mil casos confirmados da doença no País, fora a subnotificação.

Em vez de demonstrar empatia e juízo diante de um quadro tão desolador, Bolsonaro reforçou sua opção pela afronta e pela irresponsabilidade. Sem apresentar à Nação qualquer planejamento seguro para a retomada das atividades econômicas, o presidente tornou a vociferar contra governadores que mantêm a quarentena em seus Estados e exigiu, em termos rasteiros, a imediata volta ao trabalho. “O povo tem de voltar a trabalhar. Quem não quiser trabalhar que fique em casa, porra. Ponto final”, disse Bolsonaro à saída do Palácio da Alvorada na manhã de ontem, para delírio da meia dúzia de apoiadores que batem ponto no local.

Autoridades em saúde pública alertam que o ritmo de crescimento do número de óbitos por covid-19 no Brasil é bastante similar ao dos EUA, país que hoje lidera o triste ranking de vítimas fatais do novo coronavírus, com mais de 83 mil mortos. A continuar assim, não é improvável, dizem os especialistas, que o Brasil iguale ou até ultrapasse essa nada honrosa posição, a depender das medidas de combate à pandemia que sejam adotadas no País. A partir da confirmação do primeiro óbito (26/2), o País levou 74 dias para atingir a marca de 10 mil mortes. Os EUA, 73 dias. Embora esta diferença de apenas um dia seja desprezível, conta em desfavor do Brasil o fato de o primeiro óbito nos EUA ter ocorrido mais de um mês antes (22/1). Ou seja, ao que parece, o novo coronavírus matou mais rápido aqui do que lá, por uma série de razões.

De acordo com uma projeção feita pelo Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME, na sigla em inglês) da Universidade de Washington, o País deverá chegar a agosto com quase 90 mil mortos em decorrência da covid-19, caso o porcentual de cidadãos que se mantêm em isolamento não aumente. Independentemente dos números projetados, que variam a depender da instituição e da metodologia, é dever do Estado, em todas as esferas de governo, e da sociedade agir, cada um na medida de suas responsabilidades, para evitar que as projeções mais funestas se tornem realidade.

É chocante ver ruas País afora apinhadas de gente, como se um vírus potencialmente mortal não estivesse em franca disseminação. Municípios que decidiram flexibilizar as regras de isolamento observaram um salto no número de casos de covid-19. Não é hora de relaxar. Mínimos descuidos podem ser fatais. “Estou vendo governadores ameaçarem a população com lockdown (bloqueio total). Isso é um absurdo”, reclamou o presidente Bolsonaro. Não é, caso as medidas adotadas até agora pelos governos locais para preservar a saúde das pessoas e a capacidade de atendimento do sistema público de saúde se mostrem ineficazes.

O País já vive as agruras das crises sanitária e econômica sem precedentes na história recente. Incapaz de ajudar, por má vontade e incompetência, Bolsonaro ainda atrapalha ao adicionar ao quadro uma crise política e federativa. O presidente ameaçou processar os governadores e prefeitos que insistem em ser responsáveis e ignoram os decretos inconsequentes que brotam do Palácio do Planalto. A autonomia dos entes federativos para tomar as ações necessárias ao combate à pandemia foi reconhecida pelo STF.

O continente americano ultrapassou a Europa em número de casos confirmados de covid-19. Os EUA têm 1,4 milhão de infectados. O Brasil, quase 178 mil. Os dois países representam 85% dos casos registrados nas Américas. Tamanha concentração de casos não é coincidência. Tanto Donald Trump como Jair Bolsonaro, este praticamente um ventríloquo daquele, desde o primeiro momento desdenharam do potencial ofensivo do novo coronavírus e fazem de tudo para sobrepor seus interesses particulares ao interesse público. Mal ou bem, os EUA já passaram pela fase mais crítica da pandemia. Triste Brasil.

• A necessária voz dos empresários – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ela pode ser decisiva no enfrentamento da escalada de ameaças e afrontas à Constituição

É enorme o desafio dos empresários diante da pandemia do novo coronavírus. Nos últimos dois meses, o cenário econômico mudou completamente, e não foi apenas em relação ao curto prazo. Além das dificuldades presentes, tem-se à frente um longo horizonte de obstáculos e incertezas, a suscitar muitas preocupações no empresariado.

Além da pandemia, há outra circunstância a exigir, neste momento, atenção especial dos empresários - a escalada de ameaças e afrontas à Constituição e às instituições pelo presidente Jair Bolsonaro. Não há dúvida de que é completamente desumano ter de enfrentar, ao mesmo tempo, essas duas crises, a da covid-19 e a instaurada por Jair Bolsonaro. Mas, a despeito de toda perplexidade quanto à irresponsabilidade do presidente, o fato é que as duas crises são reais e ambas têm potencial de provocar enormes estragos.

Alguns têm a impressão de que pouco se pode fazer para remediar a destemperança do presidente Bolsonaro. Segundo essa lógica, o melhor que cada empresário poderia fazer agora é dedicar-se aos seus negócios. Ainda que atraente, o raciocínio é equivocado. O momento exige a participação de todos, também dos empresários, na busca de solução para a crise nacional.

Em primeiro lugar, a crise político-institucional afeta diretamente a retomada da economia. Cuidar de uma crise e descuidar da outra é dar margem para a permanência das duas, a econômica e a política. São muitas as evidências que apontam para a correlação entre um adequado funcionamento das instituições, dentro da lei, e o desenvolvimento econômico. Não há possibilidade de um dinâmico ambiente de negócios sem segurança jurídica ou estabilidade institucional.

Mas talvez o principal óbice para a participação dos empresários seja a ideia de que pouco podem contribuir na seara político-institucional. Trata-se de um engano. A classe empresarial pode ser decisiva no enfrentamento da escalada de ameaças e afrontas à Constituição que partem do presidente Jair Bolsonaro. O tema merece reflexão.

No estudo de trajetórias autoritárias em diferentes países, é comum constatar a ausência de um empresariado capaz de se opor aos objetivos liberticidas dos golpistas de plantão. Em relação à Venezuela, por exemplo, é recorrente a constatação de que porcentual expressivo da atividade econômica (setor do petróleo, principalmente) estava sob domínio estatal. Tivesse a iniciativa privada uma maior participação no PIB venezuelano, certamente Hugo Chávez enfrentaria maior resistência ao realizar seus planos ou até mesmo seu intento teria fracassado.

Obviamente, a questão não é só assegurar um porcentual de participação da iniciativa privada na atividade econômica, como se isso impedisse por si só o avanço autoritário. É preciso que tal relevância se faça valer na vida pública. E isso se alcança fortalecendo, nos meios empresariais, o consenso em torno do Estado Democrático de Direito e manifestando, de forma clara e inequívoca, a necessidade de respeitar a Constituição.

A voz dos empresários tem profunda ressonância na vida política e institucional do País. O regime democrático coloca os candidatos eleitos em situações de especial poder e visibilidade. Tenham ou não condições de exercer a contento a função, os detentores de cargos políticos são investidos de grande poder. Por um período determinado, o voto, no regime democrático, alça algumas pessoas a uma situação de destaque. Ao mesmo tempo, é imprescindível que elas estejam conscientes dos limites do cargo que postulam ou ocupam. Podem muito, mas não podem tudo - e aqui a voz do empresariado pode fazer diferença, ao lembrar que há limites. Por maiores que sejam suas limitações cognitivas, um presidente da República não toma certas liberdades quando sabe que a classe empresarial não tolera abusos contra as instituições e disso faz saber a opinião pública.

Diante das atitudes do presidente Bolsonaro, não é difícil perceber a necessidade de que a voz dos empresários se faça ouvir. Ao contrário do que muitas vezes o marxismo difundiu, não há desenvolvimento econômico, social e institucional de um país sem a participação responsável do empresariado. Assim se constrói o Brasil, cada um exercendo seus deveres cívicos.

• Reunião fatídica – Editorial | Folha de S. Paulo

Impõe-se divulgação na íntegra de vídeo a fim de esclarecer conduta de Bolsonaro

A apuração acerca das circunstâncias da saída de Sergio Moro do governo Jair Bolsonaro envolve, até aqui, uma batalha de versões.

O ex-ministro da Justiça forneceu mensagens de aplicativos para ajudar a montar seu relato de que o presidente quis exercer ingerência política na Polícia Federal.

Apontou duas circunstâncias em que o fato poderia ser aferido: a reunião ministerial de 22 de abril, antevéspera de seu pedido de demissão, e o encontro dele com ministros militares no dia seguinte.

O vídeo que registrou a reunião mencionada mobiliza agora as atenções de Brasília. Bolsonaro ensaiou divulgá-lo e depois recuou, alegando questões de segurança nacional debatidas na gravação.

Talvez elas existam, mas o que se vazou a respeito da peça sugere um pouco de tudo: ministros do Supremo Tribunal Federal sendo ameaçados, ofensas a governadores e à China, palavrões à mancheia.

No ponto central, até onde se pôde apurar, está uma fala de Bolsonaro sobre a intenção de mudar a chefia da Polícia Federal no Rio —e, se necessário para tal, de trocar o diretor ou Moro— para cuidar de interesses de seus filhos e amigos.

O vídeo foi assistido pela Procuradoria-Geral da República, porém ainda não liberado pelo condutor do inquérito, o ministro do Supremo Celso de Mello. À gravação foram juntados depoimentos de envolvidos no enredo e também dos três generais citados por Moro.

Na visão deles, o ex-ministro se equivocou. Bolsonaro se referiu à segurança de sua família no Rio, que seria responsabilidade do Gabinete de Segurança Institucional. “Eu não falo Polícia Federal. Falo sobre segurança da família e meus amigos”, afirmou o presidente.

À parte o fato de que não é atribuição do GSI cuidar de amigos do chefe de Estado, a defesa do Planalto se ampara numa questão interpretativa —Moro teria entendido errado o que foi dito na reunião.

Os generais palacianos corroboraram a versão de Bolsonaro, mas disseram que a PF foi, sim, tema da reunião, segundo Augusto Heleno (GSI) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). O mandatário correu a dizer que o último havia se enganado.

Impõe-se, em tal cenário, a pronta divulgação integral do vídeo, a despeito de constrangimentos políticos para o governo, a fim de dirimir, perante a sociedade, as dúvidas quanto à conduta do presidente na ocasião. Do ponto de vista jurídico, o inquérito ainda terá mais dados e testemunhos a considerar.

As negativas de Bolsonaro, de todo modo, destoam de seus atos. Afinal, ele fez exatamente o que Moro antecipou na saída do governo, ao trocar o diretor-geral e o superintendente da unidade fluminense da Polícia Federal.

• É preciso haver eleição – Editorial | Folha de S. Paulo

Cumpre trabalhar desde já para que pandemia não comprometa a sucessão municipal

Preocupações legítimas e casuísmos inaceitáveis se misturam no debate em torno de um eventual adiamento, em razão da pandemia do coronavírus, das eleições municipais marcadas para outubro.

Na segunda categoria estão teses que chegam a defender a extensão dos mandatos dos atuais prefeitos e vereadores até 2022, quando seriam unificados os prazos dos pleitos para todos os cargos eletivos, em todos os níveis de governo.

Argumentos nesse sentido incluem, além das incertezas quanto à disseminação da Covid-19 nos próximos meses, uma suposta racionalização do processo eleitoral e até a contaminação das políticas sanitárias por estratégias de campanha dos atuais mandatários.

Esta última possibilidade foi aventada em março pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, durante exposição a prefeitos. Dada a visibilidade de que dispunha o então auxiliar de Jair Bolsonaro, foi a proposta mais comentada de adiamento das eleições, embora nem de longe a única.

De lá para cá, felizmente, a discussão amadureceu com a diluição das teses mais esdrúxulas, e a hipótese de adiamento por longo período se tornou menos provável.

Longe de proporcionar alguma ordem, a coincidência de disputas nacionais, estaduais e municipais resultaria, isso sim, num caos informativo para os votantes. Mais importante, porém, é o respeito à duração do mandato dos atuais incumbentes —um contrato básico num regime democrático.

Restam os problemas concretos e nada desprezíveis a serem enfrentados. Alguns deles, como o risco de aglomeração em convenções partidárias e os testes das urnas eletrônicas, já foram abordados em entrevista à Folha pelo ministro Luís Roberto Barroso, que assume no próximo dia 26 a presidência do Tribunal Superior Eleitoral.

Barroso admite a possibilidade de algum atraso, mas preferencialmente por não mais que algumas semanas e sem afetar a renovação de mandatos em 1º de janeiro de 2021. Para tanto, especialistas entendem que seria necessária uma emenda à Constituição.

Nesse caso, outras opções podem ser viáveis, como sufrágios por dois ou mais dias, para minimizar as filas. Como a maior parte das forças políticas parece convergir para esse entendimento, cumpre trabalhar desde já para assegurar eleições que, mesmo realizadas em condições excepcionais, preservem a normalidade democrática.

• Bolsonaro na difícil busca por uma saída – Editorial | O Globo

Versão inverossímil do que disse o presidente na reunião de ministros reflete a gravidade da situação

A contestação feita pelos ministros militares do Planalto do entendimento de Sergio Moro, e de pessoas que também assistiram à exibição anteontem do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, não acaba com as dificuldades de Bolsonaro diante da acusação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública de que ele o pressionou a fazer mudanças na Polícia Federal de interesse pessoal, até chegar ao ponto de demiti-lo e também o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.

A desconfiança de que, para proteger o presidente, foi construída a versão do suposto mal-entendido sobre o que disse Bolsonaro na reunião terá de ser confrontada com a íntegra da gravação, a ser liberada ou não pelo ministro do STF Celso de Mello, que preside este inquérito. Ajudará na busca da verdade se a liberar. A defesa que os ministros militares Braga Netto, da Casa Civil; Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo; e Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), fazem de Bolsonaro choca-se com a lógica e o transcorrer dos fatos depois daquela reunião, a começar pelas demissões de Moro e de Valeixo.

Este vídeo é a prova com a qual Moro quer fundamentar a acusação de uma grave ação patrimonialista de Bolsonaro para poder usar um braço importante de segurança do Estado em benefício próprio e do seu governo. Nem mesmo os choques entre o ex-juiz e o ex-capitão eram desconhecidos. Sabia-se da intenção do presidente de afastar o delegado Maurício Valeixo do cargo de diretor-geral da PF e/ou de mudar o superintendente da Polícia no Rio de Janeiro — “meu estado”. 

Foi feita uma troca no Rio em comum acordo entre Bolsonaro, Moro e Valeixo, saindo Ricardo Saadi, entrando Carlos Henrique Oliveira. Mas Bolsonaro continuou querendo no Rio e na cúpula da PF um delegado com quem ele pudesse “interagir”. As pressões continuaram — o que também era acompanhado pela imprensa—, até o presidente não aguentar mais e, na reunião de 22 de abril, anunciar que poderia afastar Valeixo e Moro. Assim foi entendido, mas testemunhas do presidente usam a palavra “segurança” dita por Bolsonaro para garantir que a irritação do presidente era com a guarda pessoal dele e da família. Mas os ministros Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno citaram a PF nos depoimentos que prestaram.

Sobre Ramos, Bolsonaro esclareceu que ele se “equivocou”, e não foi contestado pelo general. Os ministros militares não contestam o presidente, mas foram Moro e Valeixo que saíram do governo, e não Augusto Heleno, do GSI, que responde pela segurança do presidente e de parentes próximos. Acredite quem quiser na versão de conveniência. Diante da incoerência, Bolsonaro se esquiva.

Já se testemunhou a criação de embustes. Um deles, o “empréstimo” de US$ 3,7 milhões supostamente obtido pelo presidente Collor no Uruguai para campanha eleitoral. Era “lavagem” de dinheiro das propinas de PC Farias. Nunca se acreditou na “Operação Uruguai”, e Collor terminaria cassado. Devem-se guardar as diferentes peculiaridades históricas dos dois casos.

• Fraudes na pandemia expõem a degradação das compras públicas – Editorial | O Globo

Órgãos de controle precisam acompanhar dispensas de licitação para evitar saques ao Estado

No país do mensalão, do petrolão e de tantos outros escândalos superlativos em que os cofres públicos são saqueados sem dó, não deveria ser surpresa a descoberta da que pessoas inescrupulosas estão se aproveitando das compras emergenciais na pandemia para roubar. Mas, mesmo considerando a corrupção endêmica que assola o país há anos, essa prática criminosa assume proporções dantescas, diante das mortes de mais de 13 mil brasileiros pela Covid-19, muitos tendo perdido a vida antes mesmo de ter acesso a um atendimento digno, para ter chances de sobreviver.

Com pouco mais de dois meses de pandemia, os casos de roubalheira já começam a pipocar por todo o país. Operações policiais realizadas em diferentes estados têm trazido à tona dados estarrecedores. No Rio de Janeiro, que concentra o segundo maior número de vítimas pela Covid-19 — já são mais de 18 mil infectados e 2.050 mortos —, a operação Mercadores do Caos, da Polícia Civil e do Ministério Público, já prendeu cinco pessoas. São acusadas de fraudar compras emergenciais de mil respiradores, no valor de R$ 183 milhões. Entre os presos, estão o ex-subsecretário estadual de Saúde Gabriell Neves e o sucessor, Gustavo Borges.

Na semana passada, policiais foram às ruas em quatro estados (Rio, São Paulo, Mato Grosso e Santa Catarina) para cumprir 35 mandados de busca e apreensão contra membros de uma quadrilha suspeita de fraudes na compra de 200 respiradores para Santa Catarina. Em abril, o governo pagou R$ 33 milhões pelos aparelhos, que seriam utilizados em leitos de UTI, mas a encomenda não chegou. O secretário de Saúde que autorizou o negócio, Helton de Souza Zeferino, pediu exoneração.

Esses são apenas alguns exemplos, há muitos outros. Produtos comprados por preços bem acima dos de mercado, respiradores que não chegaram, ou que vieram, mas estão fora das especificações e não podem ser usados etc. Na verdade, a situação de calamidade pública em decorrência da pandemia impõe que os governos façam compras e contratações emergenciais, ou seja sem licitação. E disso, infelizmente, se aproveitam os saqueadores do dinheiro público. Uma demonstração da degradação ética a que se chegou neste mundo de compras do Estado. O fato positivo é que os órgãos de controle e as polícias estão agindo.

Se não há vacina contra desvios de dinheiro público, o único remédio é o acompanhamento dessas compras pelos órgãos de controle, como o MP. Pessoas que tiram proveito de situações trágicas, como a atual, precisam ser processadas e punidas exemplarmente. É a única forma de desestimular esses crimes inomináveis, que envergonham qualquer sociedade civilizada.

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