- O Globo
Bolsonaro alimenta a fuga de capitais do Brasil, pela capacidade inesgotável de produzir crises. Real é a moeda que mais perde valor
O presidente Jair Bolsonaro eleva o risco de investir no Brasil. A crise da saúde, as turbulências diárias que ele cria, os ataques às instituições democráticas, tudo tem sido colocado na balança pelo investidor estrangeiro, que sairá desta crise com uma desconfiança ainda maior sobre a economia brasileira. O real é a moeda que mais se desvaloriza este ano e ontem o dólar bateu novo recorde nominal. O grau de investimento ficou mais distante, com a perspectiva negativa na nota de crédito do governo pela agência Fitch. O risco-país saiu de 100 para 350 pontos de dezembro para cá. O que diferencia o Brasil de outros emergentes é a capacidade do presidente Jair Bolsonaro de produzir crises políticas constantes.
O dólar disparou 47% este ano, em relação ao real, saindo de R$ 4,01 no dia 31 de dezembro para R$ 5,90 no fechamento de ontem. Na média, explica a economista-chefe do banco Ourinvest, Fernanda Consorte, a valorização sobre as moedas de países exportadores de commodities está em torno de 15%. Ou seja, há um fator de risco que diferencia o Brasil de outros emergentes.
— Tem a recessão da pandemia, que é comum a todos. A queda dos juros, também, porque o BC brasileiro reduziu a Selic, mas outros países também baixaram. O que só existe no Brasil é o componente político. É a queda de braço do executivo com o Congresso, do governo federal com estados e municípios. A demissão do Mandetta, agora do Sergio Moro — explica Consorte.
Em geral, essa é a avaliação feita entre os economistas, a de que o presidente em si, com sua inesgotável capacidade de criar conflitos, até dentro de sua própria administração, é um ponto desfavorável num momento em que há um nítido movimento de aversão ao risco. Com tantas incertezas, o capital corre para título americano, ouro, moedas fortes e sai de mercados emergentes. Para fugir do Brasil há uma razão a mais: o presidente faz uma direção temerária do país em meio a uma pandemia e uma recessão. Houve muita saída de capital externo, principalmente da bolsa, desde o começo do governo, quando ficou claro que ele continuava apostando na polarização extrema. Esse movimento se acentua este ano. No pregão da segunda-feira, saíram R$ 711 milhões, maio já está negativo em R$ 4 bilhões e no ano a saída é de R$ 73 bilhões. A bolsa subiu no ano passado, mas impulsionada basicamente por investidores locais.
Para haver a volta do investimento, só se ocorresse o cenário de retomada da agenda de reformas, com mais protagonismo dos presidentes da Câmara e do Senado, como no ano passado. Outro cenário seria o início de um processo de impedimento do presidente Jair Bolsonaro, que traria instabilidade no curto prazo, mas que poderia desanuviar o ambiente à frente.
— Alguma coisa vai ter que mudar depois da pandemia. Do contrário, não haverá investimento externo. A saída mais extrema, que seria o impeachment, balançaria as estruturas no curto prazo, mas o país passou por isso recentemente e deu certo. Talvez o mercado se acalme porque não será um evento novo — disse Consorte.
A agência Fitch, que na última semana colocou a nota da dívida soberana sob viés negativo, chamou de “volátil” a relação do Executivo com o Congresso e afirmou que esses “constantes atritos” reduziram a previsibilidade econômica e as perspectivas de reformas. A dívida bruta do governo vai disparar com os gastos emergenciais para lidar com a crise, e isso significa que o esforço fiscal terá que ser maior do que o projetado no início do governo Bolsonaro. As denúncias de interferência na Polícia Federal, feitas pelo ex-ministro Sergio Moro, “contaminaram” ainda mais o ambiente político, na visão da Fitch.
A imprensa internacional tem feito corrosivos comentários sobre a presidência de Jair Bolsonaro. O jornal “Washington Post”, em editorial, apontou Bolsonaro como o pior gestor da pandemia. A revista “Economist” chegou a falar em “insanidade” do presidente brasileiro. Uma das mais renomadas revistas científicas do mundo, a “Lancet”, escreveu que Bolsonaro é uma ameaça ao combate à Covid-19. O “Financial Times”, em editorial, falou que Bolsonaro está em processo de autodestruição. Toda essa exposição negativa do presidente brasileiro afeta a escolha do local para se investir. O risco Bolsonaro pesa sobre o próprio Brasil.
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