- Folha de S. Paulo
Nem o uso de pseudônimos sustenta mais sua narrativa
O personagem Jair Bolsonaro já não dá mais conta do enredo que o roteirista Jair Bolsonaro criou para sua vida.
Para contar essa história inacreditável, é preciso agora recorrer ao Airton, ao Rafael e ao 05. Depois há o trabalho de convencer o espectador e um ministro do STF-- de que os três são mesmo pseudônimos.
Até a pandemia, a fórmula do roteiro vinha se segurando: era tirar da cartola alguma historinha lateral e emendar na anterior. Agora já não funciona. Bolsonaro tentou pautar uma discussão sobre aborto, mas só os espectadores mais atentos de suas redes e alguns militantes do WhatsApp perceberam.
A caneta mágica do filho Carlos, fundamental no caminho até o Planalto, tem menos tinta. A popularidade nas redes dá sinais de queda. Bolsonaro já se repete no vexame de ser um raríssimo chefe de Estado com posts classificados de fake news pelas plataformas. Em perfis onde antes se liam defesas do presidente, hoje se veem pedidos para que não abra a boca.
Até porque cada vez que o faz cria um novo alvo para as edições Tomahawk do Jornal Nacional, que justapõem as falas contraditórias de Bolsonaro em som e imagem claríssimos para um público imenso.
E o personagem se desmente sem ter tempo de trocar a gravata. O que ele fala na rampa do Planalto perde a validade minutos depois, na porta do Alvorada —foi assim quando tentou explicar a surpresa do ministro da Saúde com o decreto para reabrir academias e salões de beleza.
A reação imediata ao presidente é não acreditar. Sua versão sobre a tal reunião com os ministros muda a cada dia. A última tirada foi dizer que não vai ter mais reunião ministerial, e isso vale até a próxima reunião ministerial.
O personagem Bolsonaro e o roteirista Bolsonaro fracassaram. O primeiro embutiu o descrédito como parte de si. O segundo parece sentir, finalmente, que o enredo fugiu de suas mãos.
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