- Folha de S. Paulo
É necessário organizar a economia em bases ambientalmente sustentáveis
Os grandes jornais brasileiros publicaram nesta terça (26) manifesto de página inteira assinado por 81 organizações sindicais do empresariado. Com o título “No meio ambiente, a burocracia também devasta”, mesmo os poucos signatários com algum compromisso com medidas ambientalmente sustentáveis terminam por dar pleno apoio às ações do Ministério do Meio Ambiente.
O texto ambíguo acaba sendo um endosso mal disfarçado à proposta vocalizada pelo seu titular, Ricardo Salles, durante a espantosa reunião ministerial de 22 de abril. A certa altura, como se viu, ele propôs aproveitar o momento em que as atenções da imprensa e da opinião pública estão voltadas para o enfrentamento da Covid-19 a fim de passar “a boiada”, de modo a acabar de vez com o que resta das normas de proteção ambiental atropeladas na sua gestão.
Tomado por seu valor de face, o argumento de que a regulação ambiental trava o desenvolvimento já foi enunciado inumeráveis vezes. Agora, repete, com estudada ambiguidade e linguagem fluente, a visão antediluviana que recheia a retórica e preside as ações do governo Bolsonaro na matéria e afirma a incompatibilidade entre respeito ao meio ambiente e progresso econômico.
De fato, enquanto aqui se rumina como passar a boiada, lá fora a preocupação é bem outra. Da revista britânica The Economist, baluarte do liberalismo, ao provável candidato democrata à Presidência dos EUA, o moderado Joe Biden, da chanceler democrata-cristã da Alemanha, Angela Merkel, ao político trabalhista inglês Ed Milliband, o que está hoje em pauta é como aproveitar a íngreme reconstrução que se seguirá à pandemia para caminhar rumo a uma economia de baixo carbono.
A proteção do patrimônio ambiental e da biodiversidade é apenas um aspecto do debate mais amplo sobre os estímulos e incentivos que os governos podem proporcionar para obter mudanças na matriz e no consumo energéticos, nos meios e sistemas de transporte, na produção de alimentos, na construção de casas, fábricas e escritórios, entre tantas outras coisas. Para tudo isso, o apoio à ciência e à inovação tecnológica são indispensáveis. A organização da economia em bases ambientalmente sustentáveis constitui a essência do que vem sendo chamado “Green New Deal”.
Tudo isso passa longe do liberalismo primário de Paulo Guedes, do desenvolvimentismo tacanho dos generais, do antiambientalismo predatório do boiadeiro Salles. Eles não servem mais nem aos negócios, muito menos ao país. Divorciados do mundo, nos fazem correr o risco de que as fronteiras continuem fechadas para nós bem depois da epidemia.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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