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Cerco à rede clandestina de Fake news
Há quase um mês, quando uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, o país foi dormir sob o risco de acordar em meio a uma crise institucional.
À época, auxiliares do presidente Jair Bolsonaro avançaram pela madrugada reunidos com ele para demovê-lo do propósito de desrespeitar a ordem do ministro. Na manhã do dia 30, à saída do do Palácio da Alvorada, Bolsonaro contou ainda exaltado a devotos que o aclamavam:
– Tirar numa canetada, desautorizar o presidente da República… Quase tivemos uma crise institucional, quase, faltou pouco. Eu apelo a todos que respeitem a Constituição. Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes. Não é essa forma de tratar o chefe do Executivo.
O risco de desatar uma crise institucional esteve nos cálculos feitos, ontem, por Bolsonaro depois de outra decisão do ministro que ele não está disposto a engolir – a de autorizar a operação da Polícia Federal contra suspeitos de alimentarem uma rede de distribuição de falsas notícias.
Pela manhã, visitou o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, que se recupera de uma cirurgia. Reclamou da nova decisão de Alexandre de Moraes. Depois, orientou Augusto Aras, Procurador-Geral da República, para que se manifestasse contra a operação policial.
À tarde, consultou a respeito os ministros militares que o cercam, e também o vice-presidente, e obteve o apoio deles para adotar uma postura de confronto com o Supremo. À noite, enquanto seu filho Eduardo falava que “o momento de ruptura” está próximo, Bolsonaro advertia no Twitter:
– Ver cidadãos de bem terem seus lares invadidos é um sinal que algo de muito grave está acontecendo com nossa democracia. Estamos trabalhando para que se faça valer o direito à livre expressão em nosso país. Nenhuma violação desse princípio deve ser aceita passivamente!
No início da madrugada de hoje, também no Twitter, o ministro André Mendonça, da Justiça, que antes criticara a decisão de Alexandre de Moraes, anunciou:
– Ingressei [com um pedido de habeas corpus] perante o Supremo. A medida visa garantir liberdade de expressão dos cidadãos. De modo mais específico do ministro Abraham Weintraub e demais pessoas. Também visa preservar a independência e o respeito entre os poderes.
Alexandre de Moraes intimou Weintraub para depor no inquérito que apura a ofensa que ele fez aos ministros do Supremo. Na reunião ministerial de 22 de abril passado, ele chamou os ministros de ladrões que deveriam ser presos. Bolsonaro não quer que Weintraub deponha.
Após conversar com o presidente, Weintraub sentiu-se à vontade para postar duas mensagens no Twitter. A primeira:
– Hoje foi o dia da infâmia, VERGONHA NACIONAL, e será lembrado como a Noite dos Cristais brasileira. Profanaram nossos lares e estão nos sufocando. Sabem o que a grande imprensa oligarca/socialista dirá? SIEG HEIL!
A Noite dos Cristais foi como ficou conhecido o massacre de judeus na Alemanha em 9 de novembro de 1938 levado a cabo por forças paramilitares nazistas. Sieg Heil é uma expressão alemã que significa “viva a vitória”, também muito utilizada pelos nazistas.
Na segunda mensagem, o ministro da Educação disse que cresceu escutando que familiares seus foram perseguidos pelo nazismo e como a polícia hitlerista entrava na casa dos inimigos do regime. E arrematou:
– Nesse momento sombrio, digo apenas uma palavra aos irmãos que tiveram seus lares violados: LIBERDADE”.
Os tais irmãos de Weintraub são deputados do PSL, empresários que se cotizaram para financiar protestos de rua contra o Congresso e o Supremo, e blogueiros encarregados de espalhar falsas notícias e comentários para destruir reputações de adversários políticos do governo.
Os lares dessa gente não foram violados. Os agentes federais apreenderam por lá computadores, celulares e documentos para instrução de processo. De resto, um presidente autoritário, que manda jornalista calar a boca, não convence quando posa de defensor da democracia.
O pavor de Bolsonaro é que as investigações possam chegar aos seus filhos – especialmente a Carlos, o vereador, responsável pela comunicação digital do governo, um dos integrantes do que se tornou conhecido como o “gabinete do ódio”, com sede no Palácio do Planalto.
Confissão de culpa
O que interessa ao Supremo
Fake News nada tem a ver com liberdade de expressão. Uma coisa é você fazer uma crítica impiedosa e até injusta contra quem quer que seja, pessoa ou instituição. Outra bem diferente é você, sabendo muito bem o que faz, criar uma notícia falsa e passá-la adiante. Ou recebê-la, sabendo que é falsa, e passá-la adiante.
O inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal não está interessado em descobrir quem cria notícia falsa e a repassa. Está interessado na máquina de fabricação e de distribuição em larga escala de notícias falsas, impulsionadas por robôs, e destinadas a destruir a reputação de ministros da Corte. É o que está em questão.
O Supremo quer saber também quem financia manifestações de rua consideradas antidemocráticas, e sua relação com os que de modo organizado disseminam notícias falsas nas redes sociais. Os bolsonaristas sempre negaram que façam isso. Mas sua reação à operação da Polícia Federal é uma deslavada admissão de culpa.
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