- O Globo / O Estado de S. Paulo
Os americanos estão revendo a sua história para mudá-la
‘Mansfield Park” foi o terceiro livro da romancista inglesa Jane Austen. Publicado em 1814 , foi considerado por alguns sua obra mais madura e por outros a mais chata. Para o crítico Edward Said, foi a mais típica. Said a escolheu como exemplo para a tese, incluída no seu livro “Culture and imperialism”, que detonava a ideia da neutralidade moral das metrópoles diante dos horrores cometidos nas suas colônias. Para Said, não havia distância entre o claro mundo de Jane Austen e o mundo sombrio dos seus domínios, dos escravos tratados como bichos, dos nativos escravizados e das guerras sujas entre impérios.
Pensei em Jane Austen ao ler que no Museu de História Natural de Nova York iriam tirar uma estátua de Theodore Roosevelt, que está lá há anos. Não confundir o Teddy Roosevelt com o Franklin Roosevelt: os dois eram quase que opostos. Theodore, 26º presidente dos Estados Unidos, era um homem de ação, um caçador beirando o folclórico, e chegou a personificar a política agressiva do seu país com relação a nós aqui em baixo. Franklin foi o homem do New Deal, o programa de recuperação econômica que tirou o país da Grande Depressão com forte intervenção do Estado em planos sociais, e que salvou o capitalismo americano dele mesmo.
Theodore Roosevelt não foi exatamente um herói nem da direita nem da esquerda ou um símbolo de qualquer outra espécie. Na estátua de bronze, de tamanho natural, Theodore vem a cavalo, imponente, seguido por duas figuras a pé, um índio e um negro.
Para entender o banimento do monumento, é preciso vê-lo como o Edward Said viu “Mansfield Park”, não com outros olhos, mas com olhos de outro mundo. Os americanos estão revendo a sua história para mudá-la. Estátuas de líderes na guerra perdida da Secessão e bandeiras usadas na mesma derrota não podem mais ser ostentadas desafiadoramente, como eram. Hoje o índio e o negro que seguem atrás do Theodore significam outra coisa, outros tempos. Outros mundos. Teddy só teve o azar de entrar no meio da transformação.
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