quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Coisas demais no plano de ‘big bang’ verde-amarelo – Editorial | Valor Econômico

A primeira CPMF foi embalada em nobre objetivo, custear a saúde, que continua até hoje subfinanciada

O presidente Jair Bolsonaro não tem programa social, nunca se preocupou com isso e agora terá um para aproveitar oportunidades. Não apresentou proposta de reforma tributária, e, fora das discussões avançadas no Congresso, sugere uma redentora contribuição sobre transações que, afinal, permitiria ir além do bem-sucedido Bolsa Família e desonerar a folha de pagamentos - um “Big Bang” para evitar a implosão do governo por performances ultrajantes de Bolsonaro, que se recusa a explicar por que Queiroz depositou R$ 89 mil na conta de Michelle.

Com a melhoria da perspectiva eleitoral do presidente, descoberta por acaso com o pagamento do auxílio emergencial - o triplo do valor considerado justo pelo ministro Paulo Guedes -, gesta-se desta vez mais um plano que poderia pavimentar o caminho para a reeleição de Bolsonaro. Como outros planos de ocasião, é um ajuntamento de propostas que ficaram pelo meio do caminho e nunca foram executadas.

Haverá um Pró-Brasil, um Renda Brasil, uma Carteira Verde e uma Casa Verde Amarela e essa prodigalidade patrioteira convive com a realidade singela da pindaíba fiscal - não há dinheiro para eles. É importante ampliar o Bolsa Família e rearrumar a rede de proteção social, de forma a torná-la mais eficaz e abrangente. Mas a motivação eleitoral não é boa conselheira. A improvisação e a pressa trazem o risco de que pouca coisa do que será anunciado será cumprido, ou até mesmo nada.

Guedes se acostumou a anunciar objetivos mirabolantes que não se consumam - como o trilhão de reais que viriam da privatização, ou outro trilhão de reais com a venda de imóveis da União. Seu estilo de “tudo ao mesmo tempo agora” se revelou infrutífero e empecilho às reformas, apesar de ele ser favorável a elas e o presidente, não.

Bolsonaro nunca teve preocupações sociais, mas seu pendor populista agora lhe diz que os R$ 247 do programa de renda mínima sugerido por Guedes é pouco dinheiro. O ministro da Economia tampouco gastou muito tempo no assunto até a pandemia. E não tem interesse em apresentar um plano social sem acoplá-lo a uma ampla desoneração da folha de pagamentos - nos empregos na Carteira Verde Amarela assim como nas vagas que serão a “porta de saída” imaginada para o Renda Brasil.

A desoneração também cumpre papel fundamental no Pró-Brasil para os empregos ofertados com até, provavelmente, 1,5 salário mínimo. Acima desta faixa, ainda não definida, a contribuição previdenciária patronal cairia de 20% para 15% ou 10%. No meio disso tudo, haveria mudança da faixa de isenção do Imposto de Renda, de R$ 1,9 mil para R$ 3 mil e o fim do IPI para a linha branca.

Da forma anunciada, os planos de Guedes tem mais a cara de uma reforma tributária do que de plano social, para o qual ademais serão remanejados recursos já existentes para o Bolsa Família, abono salarial e seguro defeso. O ministro só tem um coelho na cartola desde sempre, a velha CPMF, modernizada, que supriria ao menos R$ 120 bilhões para tantos projetos díspares e verde-amarelos. A pré-condição para tudo acontecer é a contribuição, que deveria constar da reforma tributária que o governo ficou de apresentar há meses e nunca o fez de todo.

Há dois bons projetos de reforma tributária no Congresso. A situação inicial da reforma é inédita. Governadores, que sempre fugiram dela, e parlamentares estão interessados em realizá-la. Aguardam o Executivo que, ao contrário do passado, retarda suas propostas. Na semana passada, havia indícios de que o governo desistira da reforma, que para ele se encerraria na fusão modificada de PIS-Cofins. A reforma do governo é a CPMF.

Há lógica no ativismo do governo. Populista, quer embrulhar a necessária extensão da rede de proteção social na inexorabilidade de um imposto regressivo como a CPMF. Com a bandeira social pretende angariar apoio de parlamentares, que desdenhou até anteontem. Partes do apressado plano necessitam da aprovação de maioria absoluta do Congresso, como para extinguir o abono salarial e criar a CPMF.

As desonerações em série propostas eliminam fontes de financiamento do déficit previdenciário, que ficará na dependência de um imposto genérico não desenhado para esse fim. É possível defender a CPMF para prover a emergência fiscal criada pela resposta à pandemia. É uma discussão séria que prescinde de subterfúgios. A primeira CPMF foi embalada em nobre objetivo, custear a saúde, que continua até hoje subfinanciada.

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