O Brasil é um país de renda baixa que sustenta uma burocracia cara,
muito além da capacidade de pagamento da sociedade. Entre as dezenas de
desafios que precisarão ser enfrentados no âmbito de uma reforma administrativa
a cada dia mais urgente, o mais eloquente são os supersalários do setor
público. Se já era indecoroso, o aumento do custo da burocracia estatal se
tornou inaceitável para uma economia há muito recessiva, agora devastada pela
pandemia.
Um estudo do Banco Mundial com dados de 2018 estimou que o servidor
brasileiro, que tem estabilidade no emprego, ganhava na média 19% a mais que um
assalariado do setor privado. No governo federal, o ganho de um funcionário
público estava 96% acima da remuneração de um profissional com qualificação e
atividade equivalente no setor privado, bem acima da média de 21% para 53 países.
A desigualdade tende agora a aumentar com o agravamento da crise, perda de
renda e fechamento de empresas.
A principal causa da distorção são os penduricalhos, em geral
adicionados aos salários mais altos. Servidores do governo federal e autarquias
que ganham mais de R$ 9,8 mil mensais — a elite do funcionalismo — receberam em
2019 R$ 5,2 bilhões extras na forma de gratificações, o equivalente ao déficit
do Rio Grande do Sul. Na conta, nem entram militares nem servidores do
Judiciário, Ministério Público e Legislativo, áreas em que os gastos com
pessoal mais crescem.
Há na folha da União três centenas de carreiras. Quem está no topo conta
com ao menos 35 tipos de “vantagens eventuais”. Uma miríade de interpretações
constitucionais ampara nos tribunais a remuneração cumulativa por cargo ou
função. Os penduricalhos resultam nos supersalários tão frequentes nas
carreiras jurídicas. Estima-se que 71% dos magistrados brasileiros estejam no
grupo de servidores com ganhos acima do teto, legitimados por gratificações,
auxílios (moradia, alimentação, viagens) e “toda a sorte de penduricalhos que o
sistema jurídico permite conceber e implantar” — como registrou a comissão
especial da Câmara que no ano passado analisou o tema. São recorrentes casos
como o magistrado de Minas Gerais que, em maio do ano passado, recebeu R$
752.159,39. Apenas R$ 27 mil correspondiam à remuneração básica.
Há três anos o Senado aprovou um projeto para limitar as vantagens
salariais que permitem à elite do funcionalismo ganhar acima do teto. O texto
foi remetido à Câmara, onde o relator, Rubens Bueno (Cidadania-PR), conseguiu
aprovar um substitutivo proibindo União, estados, municípios e entidades
estatais cujo custeio dependa dos orçamentos públicos de sustentar pagamentos
acima do limite. Desde então, aguarda votação. Nesse período, o país empobreceu
— e aumentaram as desigualdades entre quem trabalha nos setores público e
privado.
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