- Folha de S. Paulo
É difícil justificar é que a fé seja imune a impostos enquanto setores mais essenciais à vida são onerados
Depois da pejotização, a religiosização. Se a bancada da Bíblia e o presidente Jair Bolsonaro, agora atuando como um quinta-coluna contra o Ministério da Economia, tiverem êxito em seu intento de prover ainda mais vantagens tributárias a igrejas, poderemos assistir a um movimento de transformação de empresas em organizações religiosas, parecido com aquele que levou celetistas a se tornarem empresários.
Criar uma religião é um procedimento cartorial simples e barato. Como confessei aqui ainda outro dia, eu próprio já montei a minha, consubstanciada na Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, com a qual tive acesso ao jardim das delícias tributário.
Dado que meu intuito era apenas mostrar quão fácil é a religiosização, limitei-me a fazer uma aplicação financeira de valor simbólico sem pagar impostos. Mas, se desse o salto de fé completo, poderia ter me livrado de IRPJ, ISS, IPVA, IPTU e, em alguns estados, até do ICMS embutido nas contas de luz, telefone e TV a cabo.
A única coisa de que não dava para escapar eram contribuições sociais, como CSLL e Cofins, e previdenciárias. É isso que está prestes a mudar, nem que seja via PEC. Ao que tudo indica, junto virá o perdão das dívidas passadas.
Até acho que imunidade tributária conferida a cultos fez sentido no passado. Era um jeito de evitar que o Estado criasse embaraços às religiões não oficiais impondo-lhes impostos especiais. Não penso, porém, que essa lógica ainda subsista. O poder público não tem mais condições de criar taxas que atinjam só minorias religiosas.
Nos dias de hoje, o que me parece difícil justificar é que a fé seja imune a impostos enquanto setores muito mais essenciais à vida, como alimentação e saúde, são às vezes pesadamente onerados. Já passa da hora de fazer prevalecer o princípio da solidariedade tributária, pelo qual todos pagam para que os impostos sejam menores para todos.
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