Bolsonaro opera em modo eleição e discorda de quaisquer programas que possam lhe subtrair votos
Bem a seu estilo, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou em público as ideias que vinham pululando ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, e fulminou de vez o Renda Brasil, natimorto substituto do Bolsa Família.
Concentrado na reeleição desde seu primeiro dia no cargo, Bolsonaro ficou estarrecido com a engenharia financeira da equipe econômica para obter dinheiro para o programa de renda básica bolsonarista: congelamento das aposentadorias e do salário mínimo por dois anos e revisão dos benefícios de prestação continuada (idosos miseráveis e carentes com deficiências).
“Até 2022, no meu governo, está proibida a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família. E ponto final”, esbravejou Bolsonaro, ao vislumbrar o naufrágio de sua popularidade caso fossem aplicadas as fórmulas do “laboratório do doutor Silvana” da Economia. Não há recursos para o Renda Brasil, e o ministro Paulo Guedes tenta colocá-lo de pé com recursos de outros programas sociais.
No primeiro esboço de Guedes, ceifavam-se o abono salarial, o seguro defeso e a Farmácia Popular. Em 25 de agosto, o presidente, irritado, declarou que o Renda Brasil estava “suspenso” porque ele não queria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”. A bronca em público levou Guedes a dizer que levara um “carrinho” do presidente - uma entrada muito dura. Ontem, o presidente disse que às pessoas que pensam em congelar a renda dos aposentados ele só poderia “dar um cartão vermelho” - a expulsão. Guedes tentou tirar de letra e afirmou que o cartão não era para ele. “A resposta do presidente foi política, correta”, disse. Mas o desgaste é evidente.
As trombadas frequentes entre o populismo de Bolsonaro e o liberalismo sem amarras de Guedes eram previsíveis e tendem a se agudizar. A convivência de ambos os programas tende ao fracasso. Empresários que elogiam Guedes se espantaram ao ver o governo reagir ao aumento dos preços dos alimentos com a cobrança de planilhas de supermercados e de fornecedores. Guedes reagiu, mas Bolsonaro deixou claro que dera aval à iniciativa.
O presidente já tinha se estranhado antes com os reajustes da Petrobras, defendido perdão de dívidas para igrejas e assegurado aumento de gastos para a Defesa em um orçamento penurioso. Após ressuscitar a reforma administrativa, que arquivara, Bolsonaro exigiu que valesse só para os novos ingressantes no serviço público, jogando seus efeitos para as calendas.
A pandemia pregou uma peça em Guedes, ao colocá-lo no improvável papel de formulador de programas sociais, algo muito distante de suas preocupações - e das de Bolsonaro. Sua primeira investida foi para dissolver programas que não eram focados, no que tinha pelo menos a concordância de vários especialistas na área. O presidente discordou. A equipe econômica resolveu então cortar a maior rubrica de despesas, a da previdência, congelando em termos nominais as aposentadorias e o salário mínimo, dois pilares consagrados da melhoria da distribuição de renda no país - em um orçamento todo indexado à inflação.
O choque de realismo bolsonarista sobre Guedes o deixa sem muita margem de manobra. O presidente não quer reformas, muito menos lidar com os problemas que dela decorrem, não quer cortes ou remanejamentos em programas sociais, mesmo que façam sentido, e não quer mexer em privilégios, diante de receitas em queda, gastos em disparada e aceleração da dívida. Bolsonaro decidiu deixar tudo como está e aposentar um programa social que talvez servisse de marca a seu governo.
Bolsonaro opera em modo eleição e discorda de quaisquer programas que possam lhe subtrair votos. Uma ala de seu governo percebe isso e pretende dinamitar o teto de gastos, cuja sustentação torna-se cada vez mais difícil sem apoio político explícito do presidente. A cartada de Guedes é ressuscitar a CPMF, revigorando as receitas públicas e quebrando a rigidez do teto.
Defensores do teto aceitam sua flexibilização combinada a aumento de impostos. Politicamente, isto abriria espaço para gastos eleitorais.
Flertar com uma crise fiscal, porém, traz riscos sérios. Isso tornaria insustentável a manutenção de juros baixos, o maior incentivo ao crescimento na praça. O aumento da arrecadação e o teto flexibilizado desincentivariam as reformas. O governo tentaria fazer um jogo de imobilismo controlado, com o apoio do centrão, podando o ativismo de Guedes - com ele dentro ou fora do governo.
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