- O Globo
O ministro Paulo Guedes atacou a imprensa, ou seres incorpóreos, pela confusão que ele mesmo criou. Como sempre, deu uma interpretação do comportamento do presidente que o absolve de tudo e culpa outros. Falou de fatos que ninguém está discutindo. “Você, com 51 milhões de desempregados, quer dar aumento de 20%, 30% do salário mínimo?” perguntou Guedes sem ninguém entender a que ele se referia. Disse que o cartão vermelho não é para ele. Aí quem ficou com a cabeça pendurada foi o secretário Waldery Rodrigues. Esse é o método Paulo Guedes de fugir da frigideira: terceiriza a culpa, apresenta uma interpretação própria dos eventos, faz uma declaração sem sentido, apresenta um número absurdo.
Os fatos: desde que a equipe econômica decidiu criar o Renda Brasil, os economistas do governo saíram à procura de receita para a proposta. Anunciaram o programa antes de formatá-lo. Depois saíram enfileirando ideias. Algumas, muito ruins. O que não está na mesa do Ministério já foi despachado para o Congresso para ver se cola nos relatórios que o senador Márcio Bittar (MDB-AC) está preparando. O grande problema é que tudo é falado como se o plano estivesse consolidado, e a discussão, amadurecida internamente. Várias vezes pessoas da equipe disseram que uma das propostas era usar o dinheiro do abono salarial. Depois que Bolsonaro fulminou a tese, dizendo que não se pode “tirar dos pobres para dar para os paupérrimos”, não apareceu o pai da ideia.
Ontem os jornais trouxeram dois estudos que estavam, sim, sendo discutidos: congelar as aposentadorias e pensões e reduzir o gasto com o Benefício de Prestação Continuada (BPC). O presidente atacou os dois, disse que de nada sabia, e que daria cartão vermelho a quem dissesse. O que fez Paulo Guedes? Culpou a imprensa. Disse que os jornalistas estavam fazendo ilações, ligando pontos desconexos. “Como a primeira página de todos os jornais diziam que ia tirar dinheiro dos idosos, dos frágeis e vulneráveis, ele repetiu o que disse antes”. E mais adiante: “Não é possível que você abra os jornais e todas as manchetes são de que querem tirar o dinheiro dos pobres, querem assaltar os pobres para dar aos mais pobres ainda”. Primeiro, as manchetes não foram essas e sim as medidas que de fato estavam sendo estudadas. Segundo, essa é a frase do presidente.
Era uma vez um superministro. Paulo Guedes perde diariamente uma batalha porque serve não a um projeto econômico, mas sim a um projeto político que tem três elementos: a reeleição, o populismo e o autoritarismo. Por isso, a área econômica vem se enfraquecendo. Ontem foi apenas mais um dia em que o presidente em vez de demonstrar sua discordância em discussões internas levou-as a público queimando seus auxiliares e se fazendo de bonzinho. “É gente que não tem um mínimo de coração ou entendimento de como vivem os aposentados no Brasil”, disse Bolsonaro, presidente de um governo que fez a reforma da previdência preservando privilégios das categorias que ele protege.
A área de Guedes vem sendo comida pelas bordas. Foi o que se viu na briga do arroz na semana passada. O intervencionismo do ministro da Justiça, André Mendonça, teve o apoio do presidente, que disse ter autorizado a notificação aos supermercados. A reação do Ministério da Economia foi entregue a um dos secretários.
Semanas atrás, ministros, como Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas, defenderam diretamente junto ao presidente o aumento de gastos para obras, como se esse assunto pudesse ser decidido sem aprovação do Ministério da Economia. Ministros militares também vão diretamente ao presidente ou ao Congresso. Agora passarão a ser maioria na Junta Orçamentária, e eles têm várias demandas e projetos que significam aumento de despesas. Quando o presidente é constrangido a seguir o ministro da Economia, como no veto ao perdão às igrejas, para evitar “um quase certo processo de impeachment”, Bolsonaro em seguida pede que derrubem o veto e diz que vai mandar um projeto para ampliar a isenção tributária delas.
Paulo Guedes está pensando em ideias que também vão dar confusão, como não corrigir os gastos com educação e saúde. “Indexação não protege ninguém”, disse ele. Só que é prudente que ele explique melhor o efeito prático de “desindexar, desvincular e desobrigar”, antes do próximo cartão vermelho.
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