É
inadmissível que cinco ministros do STF tenham votado para dizer que ‘vedar’
significa ‘não vedar’.
A
consolidação democrática é um processo de fortalecimento de instituições e
aprofundamento da cultura democrática. Essa consolidação é alcançada quando a
democracia se torna tão legítima que passa a ser muito improvável que suas
instituições sejam golpeadas. Seja por militares ou por civis.
É
difícil definir quando um país consolidou sua democracia. A literatura definia
o Chile antes de Pinochet como exemplo de democracia consolidada. Idem para a
Venezuela antes de Hugo Chávez e o Brasil antes de Bolsonaro. Três imensos
enganos.
O
erro brasileiro foi resultante da não desagregação dos componentes que formam
um regime democrático. O foco de análise deixaria de ser apenas o componente
eleitoral. A ênfase passaria a ser na contemplação de como as diferentes
instituições de uma democracia funcionam. Há avanços — como nas eleições —, mas
também existem retrocessos institucionais no Brasil. Portanto, é preciso
distinguir governo democrático de regime democrático. Regime é um conceito mais
amplo. Envolve instituições que não são submetidas ao crivo eleitoral. Como o
STF.
É inadmissível que cinco ministros do STF tenham votado para dizer que “vedar” significa “não vedar”. Menos mal que o “golpe branco” foi evitado, mas o placar deveria ter sido 11 a zero. Ou melhor, o assunto não precisaria nem ter sido aceito para discussão. Lembrando que, em setembro de 2020, a senadora Rose de Freitas apresentou Proposta de Emenda à Constituição para permitir a reeleição dos presidentes do Senado e da Câmara. O STF parece não querer ser apenas o guardião da Carta Magna, mas o próprio Constituinte. Vale a pena essa Corte funcionar nestes moldes?
As
estrepolias não são de hoje. Nelson Jobim, quando foi constituinte, alterou o
texto da futura Constituição de 1988 sem o conhecimento de seus pares. Isso não
o impediu de se tornar ministro da Justiça e, posteriormente, ministro e
presidente do STF. Há leis no Brasil, mas inexiste um governo da lei (Estado de
Direito). Duas das características do Estado de Direito se encontram
parcialmente ausentes: previsibilidade e igualdade perante a lei. Vige no país
um pluralismo jurídico assimétrico. O que prevalece são pequenos grupos com amplos
poderes vis-à-vis uma massa de indivíduos desorganizados e impotentes. Estes,
quando se unem, como vimos, são capazes de virar um placar adverso.
A
doutrina do equilíbrio entre os Poderes afirma ser ele essencial para a
democracia. Qualquer instituição, desde o complexo Estado moderno até uma
pequena empresa, precisa ter tanto funções claramente definidas como regras
respeitadas. É preocupante, para não dizer vergonhoso, que cinco ministros do
STF sejam capazes de tergiversar sobre um claro texto constitucional. Em
especial, o relator Gilmar Mendes, que foi capaz de escrever um relatório de
mais de 60 páginas. Exemplo de malemolência jurídica. Esse ministro preside a
comissão de juristas que elabora o anteprojeto de um Código de Processo
Constitucional.
Sem
esquecer que o ministro Lewandowski já havia rasgado a Constituição ao conferir
direitos políticos à “impichada” presidente Dilma Rousseff. E que dizer dos
ministros Toffolli e Moraes, que tanto jactam-se de lutar pela defesa da
democracia brasileira, contudo votaram por dilacerar a Carta Magna? O voto de
Kassio Nunes, candidato de Bolsonaro, retratou o desejo presidencial: reeleição
sim de Alcolumbre, mas não de Maia. Outras instituições estão envolvidas neste
lamentável evento. Tanto a Procuradoria-Geral da República como Advocacia-Geral
da União limitaram-se a dizer que era uma questão interna do Congresso. E a OAB
guardou circunspecto silêncio. Com esse tipo de elite fica mais fácil entender
João Guimarães Rosa quando mencionou sofrer de “cansaço de esperança”.
*Jorge Zaverucha é doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago e professor titular da UFPE
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