Os
principais freios à política externa de Bolsonaro vêm da iniciativa privada
É
preciso um pouco de paciência, mas a força dos interesses privados brasileiros
está conseguindo impor severos limites aos rompantes de política externa do
governo Jair Bolsonaro. A “linha” externa foi basicamente subordinar-se a Donald Trump,
um erro grotesco do ponto de vista “técnico” de diplomacia e um exemplo já
clássico de como a cegueira ideológica conduz a decisões que são pura
estupidez.
O agronegócio foi o primeiro a gritar contra a gratuita hostilização de parceiros comerciais no Oriente Médio e na Ásia, seguido de perto por setores modernos industriais e do mundo financeiro em relação a políticas ambientais. Os mais novos grupos a entrar no “vamos dar uma segurada” são de setores tecnológicos ligados a telecomunicações e infraestrutura, preocupados com o dano que a hostilidade à China possa trazer a investimentos no 5G.
Especialmente no agro “tecnológico” – aquele que colocou o Brasil como uma superpotência na produção de grãos e proteínas – a postura externa do governo Bolsonaro é vista com consternação e abertamente criticada. O racha já chegou à relação entre entidades que representam os variados grupos desse setor. Aqueles apelidados de “ruralistas”, e identificados com a soja e a pecuária “primitiva”, continuam apegados à noção de que, sendo o Brasil um campeão na produção de alimentos, não importa o que aconteça ou o que se diga, o mundo continuará comprando aqui.
Mas
coligação de peso é a que passa pelos bancos, grandes indústrias (química, por
exemplo), instituições financeiras (plataformas de investimentos), empresas de
ponta no setor digital (aplicação de inovação digital na agricultura, por
exemplo), serviços e varejo de massa (por suas ligações com o exterior). Elas
se entendem como parte de grandes cadeias internacionais, o que significa levar
em grande consideração o que vai pela cabeça de massas de consumidores – e as
preocupações de acionistas idem.
Estabeleceram
com o presidente do Conselho da Amazônia, o general Hamilton
Mourão, uma espécie de interlocução que se faz notar, por exemplo,
na maneira como o vice-presidente reagiu ao anúncio de Biden de que retornaria
aos acordos do clima de Paris – mais uma vez, a voz de Mourão é abertamente
dissonante em relação à de Bolsonaro. Aliás, na cabeça dos executivos desses
grupos a vitória de Joe Biden é vista como uma excelente oportunidade de,
pelo menos, restaurar parte das cadeias produtivas globais. E fala-se da China com
bem menos hostilidade política.
Nenhum
desses dirigentes admite em conversas particulares enxergar qualquer vantagem
no isolamento internacional a que as posturas de política externa de Bolsonaro
levaram o País, e simplesmente ignoram o que diz o governo. Olham para os
acordos de comércio recentemente assinados na Ásia (abrangendo 30% do PIB
mundial e alguns países “ocidentais” como a Austrália, por exemplo) e examinam
em grupos nutridos de análise da situação internacional como não perder o bonde
(mais um).
Nesse
sentido, a anunciada adesão do Brasil à iniciativa americana de “rede limpa”
(clean network), que exclui a chinesa Huawei do 5G brasileiro, foi considerada
prematura e desnecessária também por militares envolvidos em programas de
Defesa – e que não viram na dedicação de Bolsonaro a Trump qualquer vantagem
prática em termos de acesso a tecnologias sensitivas (notadamente nos setores
nucleares e de mísseis) tradicionalmente bloqueadas por governos americanos,
democratas ou republicanos.
Qual o resultado de tudo isso: será o retorno às deliberações multilaterais (incluindo o acordo de Paris), a moderação na resposta às críticas à política ambiental, mais cuidado no trato com parceiros comerciais importantes na Ásia e Oriente Médio e a reiteração (bem antiga, já) aos que controlam tecnologias de Defesa de que somos internacionalmente “adultos e responsáveis”. Em outras palavras, é deixar a área externa do governo, incluindo filhos, assessores e alguns ministros de Bolsonaro, falando sozinhos.
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