Equipe
econômica considera que espaço fiscal é quase inexistente
Em
meio às discussões crescentes sobre o rumo da política fiscal brasileira nos
próximos meses, acaba de sair do forno o livro “Economia Pós-Pandemia”. O
material joga lenha na fogueira desse debate ao fazer um ataque frontal ao teto
de gastos e à ideia da atual equipe econômica de voltar, no início de 2021, à
austeridade para controlar a trajetória de endividamento do país.
Organizado
pelos economistas Esther Dweck, Pedro Rossi e Ana Luiza de Oliveira, todos de
corte heterodoxo, o livro discute não só a questão conjuntural sobre a política
fiscal e seus diversos impactos na economia, mas também temas estruturais e de
longo prazo. Entre eles, a interação da arquitetura de gastos públicos e
tamanho do Estado com os problemas crônicos do país, como racismo e
desigualdades social e de gênero.
Outrora
tido como inimigo pela esquerda, o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI)
é citado no livro para corroborar a tese de que o Brasil não deveria partir
para uma contração fiscal da ordem de 8% do PIB, que está sendo contratada para
o próximo ano. Embora o organismo internacional tenha feito a ressalva de que
países com alto endividamento têm menos espaço de ação, a direção proposta
realmente é em uma linha contrária à austeridade no curto prazo, o que
desagradou parte da equipe econômica.
“[A austeridade]” é anacrônica porque nega o papel da política fiscal como indutora do crescimento e do emprego em um momento de grave crise econômica, destoando do debate internacional e até de instituições como o FMI. E cruel pois agrava as desigualdades de gênero, raça e classe e representa um retrocesso na garantia de direitos humanos”, dizem os autores na abertura do livro.
O
pressuposto do material é que a agenda proposta pelo ministro Paulo Guedes e
sua equipe, que tem forte apoio do mercado financeiro e de grande parte dos
economistas de linha ortodoxa, vai na contramão da necessidade de reconstrução
econômica após o choque gerado pela pandemia. E travaria as possibilidades de
construção de um país “mais justo”.
“As
regras fiscais devem garantir a atuação estabilizadora da política fiscal ao
longo do ciclo econômico... Essa atuação é absolutamente funcional para a
sustentabilidade fiscal, entendida como estabilização da dívida pública”,
dizem. A mensagem é que a questão da dívida pública precisa ser atacada também
pela ótica do crescimento econômico, que seria prejudicado pela volta à
austeridade econômica.
Em
um dos capítulos, os economistas Julia Braga e Franklin Serrano tentam mostrar
que não haveria razões para preocupações exacerbadas com a trajetória da
dívida. Lembram que o processo de alta nesse indicador ocorreu de forma
generalizada no mundo e aponta que o “novo patamar não significa
necessariamente que esta vai assumir uma trajetória explosiva ao longo do
tempo”.
“O
grande perigo no momento não é, portanto, o Estado gastar e se endividar
demais. Dada a gravidade da crise e a impossibilidade de os gastos do setor
privado liderarem a recuperação neste momento, o perigo real é fazer de menos:
sair do Estado de Emergência e manter regras fiscais restritivas como o teto de
gastos, o que desperdiçaria essa janela de oportunidade e tornaria inviável
esta reconstrução”, dizem.
Já
Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento Federal, aponta que o teto de gastos
segue uma lógica equivocada de redução do Estado. Ela calcula que a despesa per
capita do país vai passar de R$ 6,3 mil em 2017 para R$ 5,9 mil em 2026,
comprometendo a prestação de serviços e o combate à desigualdade. “O Brasil
gasta por cidadão menos da metade da média da OCDE, sendo até um terço do gasto
por países com Estados de bem-estar social desenvolvidos”, diz.
Para
Pedro Rossi há um “terrorismo fiscal” que visa inibir a busca de alternativas e
o livro tenta enfrentar isso. Ao Valor ele
admitiu que as “convenções” do mercado financeiro em favor da austeridade
representam uma restrição, por sua capacidade de desestabilizar os preços dos
ativos. Mas acredita que no longo prazo a volatilidade se dissipa. Além disso,
explica, o governo tem mecanismos para atuar e conter movimentos de fugas de
capitais e de lidar com eventual dificuldade de rolagem de dívida, aceitando
juros mais altos, por exemplo. Ele lembra que, mesmo com o repique recente, os
juros de longo prazo estão em patamares baixos.
Na
equipe econômica, contudo, a resistência a uma política fiscal menos restritiva
em 2021 é grande. Embora já se admita a possibilidade de ter que prorrogar o
auxílio emergencial por alguns meses, essa ideia é vista como preocupante em um
país “superendividado”. Por isso, se tiver que fazer, a intenção é que seja em
tamanho menor, como revelou o Valor.
Segundo
uma fonte da Economia, o espaço para política anticíclica está praticamente
esgotado, e seu eventual uso terá um custo social maior. Esse interlocutor
aponta ainda que o teto de gastos não é uma restrição em si e, se for
necessário agir em segunda onda da covid-19, a regra oferece a saída do crédito
extraordinário. Mas, diz, a questão é a capacidade de o país se endividar mais,
que parece ter ficado muito restrita como mostram o encurtamento dos prazos e a
alta dos juros.
Outro
interlocutor do governo reforça que o plano é sim voltar à normalidade, mas
que, se houver necessidade (uma segunda onda acompanhada de medidas de
isolamento), é possível gastar entre 1% e 2% do PIB a mais do que o previsto
para 2021. Isto levaria o déficit do ano que vem para cima de 4% do PIB.
Criador
do Observatório Fiscal do Ibre/FGV, o ex-secretário de Política Econômica
Manoel Pires disse em evento promovido pela Associação Keynesiana Brasileira
que o teto de gastos é uma regra “inviável” e que, em meio à pandemia, o país
vai ter que discutir uma nova regra fiscal. Ele admite que essa mudança deve
ter um custo e que o caminho é encontrar um mecanismo que sinalize sustentabilidade
de longo prazo e com alguma flexibilidade de curto prazo.
Ao Valor Pires reconheceu que
o governo tem um desafio complexo à frente. De um lado precisa endereçar a
questão de curto prazo, como renovar ou não, e em que termos, o auxílio
emergencial. De outro, precisa dar sinalização de longo prazo para a
sustentabilidade fiscal.
Fica
a torcida para que Guedes consiga resolver essa equação com o menor custo
econômico e social possível para o país.
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