quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Fabio Graner - Esquenta debate sobre volta à austeridade

- Valor Econômico

Equipe econômica considera que espaço fiscal é quase inexistente

Em meio às discussões crescentes sobre o rumo da política fiscal brasileira nos próximos meses, acaba de sair do forno o livro “Economia Pós-Pandemia”. O material joga lenha na fogueira desse debate ao fazer um ataque frontal ao teto de gastos e à ideia da atual equipe econômica de voltar, no início de 2021, à austeridade para controlar a trajetória de endividamento do país.

Organizado pelos economistas Esther Dweck, Pedro Rossi e Ana Luiza de Oliveira, todos de corte heterodoxo, o livro discute não só a questão conjuntural sobre a política fiscal e seus diversos impactos na economia, mas também temas estruturais e de longo prazo. Entre eles, a interação da arquitetura de gastos públicos e tamanho do Estado com os problemas crônicos do país, como racismo e desigualdades social e de gênero.

Outrora tido como inimigo pela esquerda, o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) é citado no livro para corroborar a tese de que o Brasil não deveria partir para uma contração fiscal da ordem de 8% do PIB, que está sendo contratada para o próximo ano. Embora o organismo internacional tenha feito a ressalva de que países com alto endividamento têm menos espaço de ação, a direção proposta realmente é em uma linha contrária à austeridade no curto prazo, o que desagradou parte da equipe econômica.

“[A austeridade]” é anacrônica porque nega o papel da política fiscal como indutora do crescimento e do emprego em um momento de grave crise econômica, destoando do debate internacional e até de instituições como o FMI. E cruel pois agrava as desigualdades de gênero, raça e classe e representa um retrocesso na garantia de direitos humanos”, dizem os autores na abertura do livro.

O pressuposto do material é que a agenda proposta pelo ministro Paulo Guedes e sua equipe, que tem forte apoio do mercado financeiro e de grande parte dos economistas de linha ortodoxa, vai na contramão da necessidade de reconstrução econômica após o choque gerado pela pandemia. E travaria as possibilidades de construção de um país “mais justo”.

“As regras fiscais devem garantir a atuação estabilizadora da política fiscal ao longo do ciclo econômico... Essa atuação é absolutamente funcional para a sustentabilidade fiscal, entendida como estabilização da dívida pública”, dizem. A mensagem é que a questão da dívida pública precisa ser atacada também pela ótica do crescimento econômico, que seria prejudicado pela volta à austeridade econômica.

Em um dos capítulos, os economistas Julia Braga e Franklin Serrano tentam mostrar que não haveria razões para preocupações exacerbadas com a trajetória da dívida. Lembram que o processo de alta nesse indicador ocorreu de forma generalizada no mundo e aponta que o “novo patamar não significa necessariamente que esta vai assumir uma trajetória explosiva ao longo do tempo”.

“O grande perigo no momento não é, portanto, o Estado gastar e se endividar demais. Dada a gravidade da crise e a impossibilidade de os gastos do setor privado liderarem a recuperação neste momento, o perigo real é fazer de menos: sair do Estado de Emergência e manter regras fiscais restritivas como o teto de gastos, o que desperdiçaria essa janela de oportunidade e tornaria inviável esta reconstrução”, dizem.

Já Esther Dweck, ex-secretária de Orçamento Federal, aponta que o teto de gastos segue uma lógica equivocada de redução do Estado. Ela calcula que a despesa per capita do país vai passar de R$ 6,3 mil em 2017 para R$ 5,9 mil em 2026, comprometendo a prestação de serviços e o combate à desigualdade. “O Brasil gasta por cidadão menos da metade da média da OCDE, sendo até um terço do gasto por países com Estados de bem-estar social desenvolvidos”, diz.

Para Pedro Rossi há um “terrorismo fiscal” que visa inibir a busca de alternativas e o livro tenta enfrentar isso. Ao Valor ele admitiu que as “convenções” do mercado financeiro em favor da austeridade representam uma restrição, por sua capacidade de desestabilizar os preços dos ativos. Mas acredita que no longo prazo a volatilidade se dissipa. Além disso, explica, o governo tem mecanismos para atuar e conter movimentos de fugas de capitais e de lidar com eventual dificuldade de rolagem de dívida, aceitando juros mais altos, por exemplo. Ele lembra que, mesmo com o repique recente, os juros de longo prazo estão em patamares baixos.

Na equipe econômica, contudo, a resistência a uma política fiscal menos restritiva em 2021 é grande. Embora já se admita a possibilidade de ter que prorrogar o auxílio emergencial por alguns meses, essa ideia é vista como preocupante em um país “superendividado”. Por isso, se tiver que fazer, a intenção é que seja em tamanho menor, como revelou o Valor.

Segundo uma fonte da Economia, o espaço para política anticíclica está praticamente esgotado, e seu eventual uso terá um custo social maior. Esse interlocutor aponta ainda que o teto de gastos não é uma restrição em si e, se for necessário agir em segunda onda da covid-19, a regra oferece a saída do crédito extraordinário. Mas, diz, a questão é a capacidade de o país se endividar mais, que parece ter ficado muito restrita como mostram o encurtamento dos prazos e a alta dos juros.

Outro interlocutor do governo reforça que o plano é sim voltar à normalidade, mas que, se houver necessidade (uma segunda onda acompanhada de medidas de isolamento), é possível gastar entre 1% e 2% do PIB a mais do que o previsto para 2021. Isto levaria o déficit do ano que vem para cima de 4% do PIB.

Criador do Observatório Fiscal do Ibre/FGV, o ex-secretário de Política Econômica Manoel Pires disse em evento promovido pela Associação Keynesiana Brasileira que o teto de gastos é uma regra “inviável” e que, em meio à pandemia, o país vai ter que discutir uma nova regra fiscal. Ele admite que essa mudança deve ter um custo e que o caminho é encontrar um mecanismo que sinalize sustentabilidade de longo prazo e com alguma flexibilidade de curto prazo.

Ao Valor Pires reconheceu que o governo tem um desafio complexo à frente. De um lado precisa endereçar a questão de curto prazo, como renovar ou não, e em que termos, o auxílio emergencial. De outro, precisa dar sinalização de longo prazo para a sustentabilidade fiscal.

Fica a torcida para que Guedes consiga resolver essa equação com o menor custo econômico e social possível para o país.

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