quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Carlos Alberto Sardenberg - Falha de governo

- O Globo

No mundo inteiro estão planejando a vacinação. O Brasil? Está pensando no caso

O Ministério da Saúde comprou 23,5 milhões de testes para Covid-19. Recebeu 15,9 milhões e distribuiu aos laboratórios estaduais 8,8 milhões, tudo em números arredondados.

Logo, tem uma sobra, de posse do ministério, de 14,7 milhões (os 23,5 milhões comprados menos os 8,8 milhões enviados aos estados). Dessa sobra, mais ou menos metade está estocada no aeroporto de Guarulhos. A outra metade, comprada da Bio-Manguinhos/Fiocruz, não foi entregue pela simples e boa razão de que há testes prontos e não utilizados.

Dos estocados, 6,7 milhões, quase todos, têm prazo de validade vencendo em dezembro agora e em janeiro de 2021.

Finalmente, foram efetivamente realizados 7,3 milhões de testes até 22 de novembro. Ou seja, há mais testes estocados do que utilizados.

Isso tudo no setor público.

No setor privado, laboratórios e hospitais do Rio e São Paulo registram um aumento de 30% a 50% na demanda por testes. Mais efetivo, o PCR sai por uns R$ 500 — caro, mas acessível com facilidade a quem pode pagar. Não falta. É só ligar e agendar. Paga na hora. Aceita cartão de débito e crédito.

Eis o ponto: quem não tem o dinheiro fica na fila do governo ou simplesmente desiste.

Simples assim: o governo, com sua falha, gera mais desigualdade e mais injustiça.

O Ministério da Saúde solicitou estudos da Organização Pan-Americana da Saúde para pleitear a prorrogação dos prazos de vencimento dos testes estocados. E vai pedir essa ampliação à Anvisa.

Diz ainda o Ministério da Saúde, que a culpa é dos governos estaduais e prefeituras, que não solicitam os testes.

Mas, embora haja mais de 7 milhões de testes em estoque, o diretor de logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, afirmou que a pasta possui apenas cerca de 600 mil kits para fazer a análise dos resultados.

Ou seja, tem 7 milhões de kits para recolher o material e apenas 600 mil para análise. Então, o disponível, na verdade, são apenas 600 mil testes completos.

Tem outra falha de governo em andamento. As vacinas estão quase aí. Várias concluindo a última fase de testes e já preparando pedidos de registro de emergência. Governos no mundo inteiro já estão comprando vacinas — na verdade, comprando o direito, a prioridade de adquirir as vacinas e preparando os complexos planos de vacinação.

O governo brasileiro? Está pensando no caso.

É evidente, também aqui, que laboratórios e hospitais privados vão adquirir as vacinas. De novo, quem puder pagar sai na frente. Ou seja, o governo deixa os mais pobres para trás.

Correção

Na coluna da semana passada, escrevi:

“A Lava-Jato também perdeu. Não se viu nenhum grande portador de votos defendendo fortemente a força-tarefa. Isso foi ruim. Deu mais espaço para o pessoal que está tentando abafar a operação, grupo que inclui ministros do Judiciário, parlamentares do Centrão e da esquerda (para livrar Lula) e a turma de Bolsonaro (procurador Aras à frente).

Se essa turma dominar a cena política, o retrocesso é certo.

Qual a alternativa? Primeiro, uma nova esquerda, sem corruptos. Não custa lembrar que o PSOL foi formado por parlamentares chocados quando ficou clara a corrupção na campanha de Lula.

Se, além de limpa, for uma esquerda mais inteligente e realista em política econômica, melhor — mas aí talvez seja pedir demais.”

Tem um erro grave aí, pelo qual peço desculpas. O PSOL não deixou o PT quando o marqueteiro Duda Mendonça confessou, em CPI, que recebera pagamento pela campanha de Lula em dólares, no exterior.

Ficou marcada uma cena: o choro do deputado Chico Alencar.

Tendo isso na memória, confundi a história. O pessoal que formou o PSOL saiu do PT antes, quando o então presidente Lula aprovou uma pequena reforma da Previdência do setor público.

Mas é só ir ao site do PSOL para verificar que o partido se junta ao PT e ao Centrão no ataque feroz à Lava-Jato.

Tem mais: na plataforma econômica de Guilherme Boulos surgiu a proposta de contratar mais funcionários públicos, numa prefeitura que tem um gasto enorme com pessoal e Previdência.

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