Sim,
a China pode nos atingir com as consequências negativas desse tipo de agressão
grosseira, gratuita e infantil como a do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O
agronegócio precisa se mexer, porque é o alvo. Basta que a China queira fazer
um gesto de boa vontade em relação ao governo Biden e passe a redirecionar sua
compra de soja para lá. Ou que invista em países que substituam pelo menos em
parte as exportações brasileiras de alimentos. Uma pequena redução já nos
afetará.
Essa
é a visão de um diplomata experiente que vê com perplexidade os movimentos sem
eira nem beira da nossa política externa. A palavra dura também cabe na
diplomacia, mas só deve ser usada com algum propósito bem definido. Nada da
política externa do governo Bolsonaro tem rumo. Uma política biruta.
Um analista bem próximo ao governo Bolsonaro que, contudo, discorda da tendência que tem tomado a política externa, explica a raiz do problema. O verdadeiro chanceler é o assessor internacional Filipe Martins, um jovem sem qualquer qualificação para a ascendência que tem sobre assunto tão relevante. “O Ernesto é um maria vai com as outras”, explicou esse analista. De fato, o atual ministro só mostrou seu fervor de extrema-direita durante a campanha presidencial, criando um blog para se alavancar para o cargo. Uma vez lá, passou a aceitar todo tipo de interferência e se coloca subserviente aos ditames tanto de Eduardo Bolsonaro quanto de Filipe Martins, um fanático olavista, sem qualquer experiência no ramo.
A
mensagem postada pelo filho do presidente era tão absurda que foi apagada
depois. Eduardo Bolsonaro estava fazendo mais um ato explícito de vassalagem ao
governo de Donald Trump, que está nos seus dias finais. Como foram muitas
outras agressões dele, de Araújo, do próprio presidente, a embaixada chinesa
reagiu falando que o deputado está solapando as relações entre os dois países.
E disse que ele deveria “evitar ir longe demais” para não “arcar com as
consequências negativas”.
A
China é o nosso maior parceiro comercial, um dos maiores investidores. Mesmo
que não fosse, não há razão alguma para que se dê ao filho do presidente o
direito de ofender qualquer país na hora que decide postar algo nas redes
sociais.
A
relação Estados Unidos e China vai passar por um outro momento agora com a
posse de Joe Biden. Pode vir a ser até mais tensa do que antes. Com Trump,
havia escaramuças intempestivas, ataques via Twitter, idas e vindas. Com Biden,
haverá mais estratégia na disputa que continuará existindo entre as duas
potências. Mas, uma carta no baralho chinês, em qualquer contexto, será sempre
a de aumentar as compras de soja e de outras commodities agrícolas no mercado
americano. Nesse caso, o agronegócio exportador brasileiro pagará a conta. Se
os empresários não se insurgirem, se acharem que basta resmungar, estarão mais
vulneráveis.
Em
artigo publicado ontem no “New York Times”, o analista David Leonhardt disse
que o governo Trump foi um presente para a China. “Ele antagonizou aliados que
estavam também preocupados com o crescimento da China, em vez de construir uma
coalizão com Japão, Europa, Austrália e outros.” Foi, segundo ele, citando um
professor chinês da London School, um “presente estratégico para a China”. De
fato, nesta hora poente de Trump no poder, a China fechou um acordo, no último
dia 15, com um grupo de 15 países asiáticos, inclusive o Japão, considerado o
maior acordo de livre comércio do mundo. Trump havia retirado os Estados Unidos
da Parceria Transpacífica, costurada por Barack Obama, para estabelecer com
vizinhos da China um acordo de comércio. A China aproveitou o erro de Trump e
fez seu próprio tratado. Esse episódio mostra como a diplomacia é um jogo para
profissionais. Amadores acabam atirando sempre no próprio pé.
Biden, em artigo publicado na revista “Foreign Affairs”, disse que os Estados Unidos precisavam ser “duros” com a China. Com Biden, os Estados Unidos voltam ao multilateralismo, mas a rivalidade com os chineses continuará. Só que, ao mesmo tempo, na área comercial e econômica, há uma simbiose entre os dois países, ao contrário do que havia na bipolaridade da Guerra Fria. Diante de relação tão complexa, cabe ao Brasil não tomar partido, porque a missão da política externa brasileira é defender os interesses brasileiros.
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