A
dimensão da catástrofe não deve impedir que se veja o que tem sido feito apesar
do presidente
Na
luta contra a Covid-19, Bolsonaro tomou o partido de costume —da
irresponsabilidade, da ignorância e da morte. Consagrando a incompetência,
disseminando a mentira, estimulando o egoísmo e nutrindo a discórdia, ele só
fez agigantar a tragédia nacional. Beirando os 220 mil
óbitos, o país tem o perverso privilégio de ser o vice-campeão
mundial na categoria.
Mas a dimensão da catástrofe não deve impedir que se veja o que tem sido feito, à revelia ou a contragosto do presidente, para evitar que a pandemia imponha à nação danos talvez irreparáveis. Graças ao Congresso, um robusto pacote emergencial protegeu os rendimentos dos mais pobres e a capacidade das empresas de produzir e empregar. Segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), o socorro foi o maior e mais amplo da região, contendo o avanço da pobreza e da desigualdade de renda.
Governadores
e prefeitos fizeram o possível para que o SUS pudesse dar conta, com menos ou
mais êxito, da imensa tarefa de atender os cerca de 150 milhões de brasileiros
que dele dependem. O horror de
Manaus não pode asfixiar o fato de o Brasil ser o 12º país em
mortes por 100 mil habitantes —em situação melhor que México, Colômbia,
Argentina e Peru, para não falar de Inglaterra, Itália, EUA, Espanha e França,
segundo o Corona Virus Resource Center, da Universidade Johns Hopkins (EUA).
Finalmente,
graças ao patrimônio científico do Instituto Butantan e da Fiocruz foi possível
fechar acordos de cooperação com empresas estrangeiras, dando a partida ao
inevitavelmente longo processo
de imunização dos brasileiros. Caso único na América Latina,
tais acordos permitirão, a prazo curto, o domínio da técnica de feitura de
vacinas contra a Covid-19 --respiro para o presente e aprendizado para o
futuro.
Estivesse
a cargo de um titular minimamente alfabetizado na matéria, o Ministério da
Saúde teria feito a sua parte, complementando o esforço daqueles institutos com
a importação de vacinas prontas. A situação seria outra, e a angústia, bem
menor.
Governos
subnacionais, no espaço de autonomia que a federação lhes proporciona, bem como
o sistema público de saúde e a capacidade científica construídos ao longo de
décadas, vêm se demonstrando aptos a conter e, em parte, a circunscrever a lava
destrutiva que jorra do centro do poder. Ainda assim, não podem substituir de
todo uma liderança nacional que, além de ser dotada de alguma racionalidade,
infunda ânimo, robusteça a confiança nas instituições, estimule a solidariedade
e restaure o sentimento de união dos cidadãos.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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