A
altiva disposição do eleitor de renovar o Congresso em 2018 não merece ser
convertida numa degradante vassalagem
As eleições legislativas de 2018 proporcionaram um fato inédito. Velhos nomes da política não foram eleitos, ao mesmo tempo que muitos novos candidatos conseguiram uma cadeira no Congresso. Tão logo se encerrou a apuração dos votos, o fenômeno ficou evidente. Mesmo com um sistema eleitoral cheio de defeitos, o eleitor tinha conseguido promover uma contundente renovação da Câmara e do Senado.
De
fato, os números das eleições legislativas de 2018 são impressionantes. Mais de
50% dos membros da Câmara e 85% dos eleitos para as vagas no Senado eram de
novatos na política ou de políticos que estavam fora e voltaram.
Naturalmente,
o “novo” não é necessariamente sinônimo de benéfico para o País. Mas aí está
outro importante aspecto das eleições de 2018. O eleitor não apenas promoveu
uma renovação inédita do Congresso, como essa renovação transmitiu uma
orientação clara para os parlamentares eleitos. Cansada das velhas práticas
políticas, a população queria uma profunda renovação não apenas de nomes, mas
principalmente de costumes e práticas políticas.
Nas
urnas de 2018, o eleitor estabeleceu um novo patamar moral e cívico para a
política. O que havia sido tolerado por tantos anos, às vezes por décadas, já
não deveria mais ser permitido. Não haveria mais tolerância, por exemplo, para
transformar a atividade parlamentar em balcão de negócios. Os escândalos do
mensalão e do petrolão tinham mostrado, com abundância de detalhes, os males
que a corrupção da política causa ao País.
Todo esse impressionante cenário de 2018, tão próprio da democracia – o eleitor manifestando com o voto o que deseja para o País –, não pode ser esquecido às vésperas das eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Um Congresso eleito com tamanha taxa de renovação e chamado a renovar os costumes políticos não pode se esquecer de sua origem. Em outras palavras, não cabe a um Congresso minimamente fiel à vontade das urnas de 2018 eleger os dois candidatos do Palácio do Planalto para as presidências das duas Casas.
Basta
ver, por exemplo, que Arthur Lira (Progressistas-AL), condenado em segunda
instância por improbidade administrativa, só tomou posse como deputado federal
em 2019 em razão de liminar do Tribunal de Justiça de Alagoas. Parece ser uma
troça com os anseios da população por uma nova moralidade pública alçar, pouco
mais de dois anos depois, o deputado alagoano à presidência da Câmara.
Além
disso, os dois candidatos do Palácio do Planalto colocam-se a uma grande
distância de qualquer compromisso com as reformas, outra grande pauta das
eleições de 2018. As recentes manifestações de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco
(DEM-MG) mostram disposições bem mais modestas. Mais do que mudanças
legislativas estruturantes, o que suas respectivas campanhas anunciam é um eficaz
sistema de atendimento de interesses.
Mas
há ainda outro aspecto mais dramático. As eleições para as presidências da
Câmara e do Senado colocam à prova a própria autonomia do Congresso, enquanto
Poder independente em um Estado Democrático de Direito. Com os seus votos,
deputados e senadores não apenas escolherão os nomes que vão presidir a Câmara
e o Senado, respectivamente. Eles definirão a identidade do Congresso perante o
Executivo nos próximos dois anos.
De
alguma forma, esse é o principal aspecto da relação entre a vontade da
população e as eleições deste ano para as duas Casas legislativas. Nas urnas de
2018, o eleitor condenou a tentativa das administrações petistas de subjugar o
Legislativo aos mandos do Executivo por meio do mensalão e do petrolão. Agora,
há o risco de que parlamentares eleitos por essa mesma disposição moralizadora
venham a instaurar uma nova servidão no Congresso, tornando-o submisso ao
Palácio do Planalto – ou um órgão subalterno para cumprir as vontades de
Bolsonaro.
A
altiva disposição de renovar a política de 2018 não merece ser convertida numa
das mais degradantes vassalagens que se conhece na política – o Legislativo que
se aniquila perante o Executivo. A Venezuela trilhou esse caminho.
Hora de prestar contas – Opinião | O Estado de S. Paulo
Eduardo
Pazuello é um desastre, mas ele tem um chefe que nele manda e ao qual obedece.
A trágica gestão do general intendente Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde não poderia passar incólume pelo crivo de instituições republicanas dignas da designação, como a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Caso abrissem mão de suas prerrogativas constitucionais, ambas se apequenariam pela omissão diante da atuação periclitante de um ministro da Saúde que, além de não entender da área sob sua responsabilidade, como o próprio já admitiu, age de forma livre e consciente contra o bem-estar e a saúde da população. Mas, para o bem do País, tanto a PGR como o TCU agiram.
No
caso da PGR, talvez a contragosto, mas isto já não importa. Se fez o que fez
para proteger o presidente Bolsonaro de suas responsabilidades, tal recurso não
será eficaz por muito tempo. Fato é que o procurador-geral da República,
Augusto Aras, viu-se compelido a tomar uma atitude contra um membro do primeiro
escalão do governo federal, algo raro, tal é o descalabro da assim chamada
“gestão” do intendente na pasta da Saúde. Aras pediu ao Supremo Tribunal
Federal (STF), e o ministro Ricardo Lewandowski autorizou, a abertura de
inquérito para apurar se houve omissão de Pazuello na crise que matou dezenas
de pacientes de covid-19 por falta de oxigênio nos hospitais de Manaus (AM). O próximo
passo é a intimação do ministro da Saúde para prestar depoimento na Polícia
Federal (PF). É de um possível crime que se está falando.
Em
seu arrazoado, Augusto Aras apontou para a “possível intempestividade” nas
ações do ministro da Saúde a fim de evitar a morte por asfixia dos pacientes de
covid-19 na capital amazonense, para onde o ministro se transferiu – sem data
para voltar – desde que passou a ser investigado. No dia 8 de janeiro, o
Ministério da Saúde admitiu ao STF que não havia cilindros de oxigênio
suficientes para atender todos os doentes de Manaus. E nada foi feito, ao que
parece. Dias depois, com o sistema de saúde manauara em colapso e cidadãos
morrendo afogados no seco, a pasta começou a coordenar o envio de cilindros de
oxigênio à cidade. Para 51 pessoas, a ajuda veio tarde.
As
agruras do intendente não se limitam à esfera criminal. O ministro Benjamin
Zymler, do TCU, determinou que o Ministério da Saúde preste informações à Corte
de Contas sobre o uso de vultosos recursos públicos na compra, fabricação e
distribuição de cloroquina e de hidroxicloroquina para “tratar” pacientes
diagnosticados com covid-19. Como já foi sobejamente demonstrado por
autoridades sanitárias do Brasil e do exterior, tais medicações têm a mesma
ação contra o novo coronavírus que uma xícara de chá de boldo. Ou seja,
nenhuma.
Desde
o início da pandemia, os relatórios de acompanhamento da gestão federal da
crise sanitária elaborados pelo TCU são o retrato mais bem acabado da inépcia
do presidente Jair Bolsonaro e de seus auxiliares diretos. Desta vez, a área
técnica da Corte de Contas apontou uma série de ilegalidades no uso de recursos
públicos para promoção de medicamentos sem eficácia contra a covid-19.
Mesmo
sem qualquer validação científica, recentemente o intendente Pazuello promoveu
um festim da cloroquina em Manaus, não só ele mesmo se convertendo em
garoto-propaganda, como despachando para a capital amazonense um grupo de
médicos com esta finalidade, ao custo de R$ 4,2 mil cada um deles. O Ministério
da Saúde também empregou dinheiro público para desenvolver um aplicativo – o
“TrateCov” – que receitava cloroquina até para bebês com febre.
A
conduta absolutamente irresponsável e repreensível do ministro da Saúde no
curso da maior emergência sanitária que já se abateu sobre o País na história
recente passa a ser objeto de escrutínio das instituições de controle.
Não
se pode perder de vista em nenhum momento que o intendente Pazuello é um
desastre, mas ele tem um chefe que nele manda e ao qual obedece. Ao que parece,
cegamente. Jair Bolsonaro, mais cedo ou mais tarde, também haverá de ser
responsabilizado por suas ações e omissões na tragédia que ajudou a construir.
Contas externas continuam seguras – Opinião | O Estado de S. Paulo
Saldos
permanecem confortáveis e a crise pouco afetou o total de reservas.
O buraco de US$ 12,52 bilhões nas contas correntes de 2020, o menor em 13 anos, é um claro reflexo da crise econômica provocada pela pandemia: com o baixo nível de produção e de consumo, despencaram as compras de produtos estrangeiros e os gastos com viagens e outros serviços internacionais. As exportações de mercadorias diminuíram de US$ 225,82 bilhões em 2019 para US$ 210,67 bilhões no ano passado, mas o tombo das importações foi maior, de US$ 185,35 bilhões para US$ 167,44 bilhões. Com isso, o saldo da balança comercial de bens aumentou, em um ano, de US$ 40,47 bilhões para US$ 43,23 bilhões. O déficit em transações correntes equivaleu a 0,87% do Produto Interno Bruto (PIB). Um ano antes o rombo havia correspondido a 2,70% do valor produzido pela economia. Os dados são do Banco Central (BC).
Houve,
como tem sido normal há muitos anos, dinheiro de sobra para cobrir o déficit,
porque ingressaram US$ 34,17 bilhões de investimento direto, soma
correspondente a 2,38% do PIB. Esse volume foi o menor desde 2010, quando
entraram US$ 45,06 bilhões. No ano anterior o saldo – diferença entre o
recebido e o remetido – chegou a US$ 50,70 bilhões, o quádruplo do
contabilizado em 2020.
A
diferença é em parte explicável pela crise internacional. Investimentos
estrangeiros diminuíram, de modo geral, nos países emergentes. Mas os donos e
administradores do capital também reagiram à política ambiental do presidente
Jair Bolsonaro, incompatível com os padrões observados por vários grupos
investidores. Isso foi explicitado por alguns desses grupos.
Com
a crise, a conta mensal de transações correntes foi fechada em azul várias
vezes. O déficit de US$ 5,4 bilhões em dezembro ocorreu depois de oito meses
com resultados positivos, uma sequência altamente improvável em outros anos.
Igualmente incomum foi a redução, em 2020, do buraco na conta de serviços, onde
aparecem receitas e despesas com fretes, viagens, seguros e aluguéis de
equipamentos, entre outros itens.
O
déficit em serviços diminuiu de US$ 35,07 bilhões em 2019 para US$ 19,92
bilhões no ano passado. Especialmente notável foi a redução do déficit em
viagens, de US$ 11,60 bilhões para US$ 2,35 bilhões. No Brasil, como na maior
parte do mundo, o transporte aéreo foi um dos setores mais afetados pela
pandemia e um dos mais necessitados de socorro oficial.
A
economia global encolheu 3,50% em 2020, segundo a nova estimativa do Fundo
Monetário Internacional (FMI), divulgada na terça-feira. A contração foi de
4,90% nas economias avançadas e de 2,40% nas emergentes e em desenvolvimento.
Na zona do euro a atividade diminuiu 7,20%. Na China, a recuperação foi rápida
e o PIB acabou superando por 2,30% o do ano anterior.
A
reação chinesa contribuiu para o bom desempenho das exportações do agronegócio.
Essas exportações foram decisivas para o saldo final do comércio de mercadorias.
A conta foi fechada com superávit 6,82% maior que o de 2019. Com esse aumento e
com resultados menos negativos nas contas de serviços e de rendas, as
transações correntes foram fechadas com saldo ainda confortável.
Somados
todos os componentes das contas externas, o impacto no estoque de reservas
internacionais foi muito moderado. O Brasil encerrou 2020 com reservas de US$
355,62 bilhões. Em relação a dezembro de 2019 houve perda de apenas US$ 1,60
bilhão. Em maio, depois do impacto inicial da crise, o valor chegou a US$
339,32 bilhões, mas a recuperação foi rápida. O saldo final seria suficiente
para liquidar com sobra a dívida externa bruta, correspondente a US$ 307,58
bilhões. Não se incluem nessa dívida as operações intercompanhias nem os títulos
negociados no mercado interno.
O
ano terminou com o setor externo em boas condições. A conta de mercadorias
continuou superavitária, o volume de reservas ficou quase estável e a dívida
externa se manteve moderada. Não se esperam problemas, se o agronegócio
continuar superando os problemas de imagem causados pela política ambiental e
pela desastrosa diplomacia do presidente Jair Bolsonaro.
Com falta de vacinas, é preciso reforçar prevenção do contágio – Opinião | O Globo
Alheio
à disparada do número de infectados e mortos, país corre o risco de virar uma
grande Manaus
O
Programa Nacional de Imunização contra a Covid-19 avança ao ritmo de
conta-gotas. Depois dos dois milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca
importadas de forma atabalhoada da Índia, o governo anunciou a compra de mais
um lote de 10 milhões, que deverá desembarcar no Brasil até 8 de fevereiro. A
chegada de 5.400 litros do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA), da China,
prevista para os próximos dias, permitirá que o Instituto Butantan produza mais
8 milhões de doses da CoronaVac.
Somados
aos 10 milhões de doses já produzidas, teríamos um total de 30 milhões. Que não
são suficientes nem para as os grupos prioritários, que somam 77 milhões e
demandam 154 milhões de doses. Por ora, a produção prevista de 100 milhões de
doses da vacina Oxford/AstraZeneca pela Fiocruz, no primeiro semestre, ainda é
uma esperança, devido ao atraso na matéria-prima. Mesmo que chegue nos próximos
dias, como se espera, o cronograma já está comprometido.
O
fracasso retumbante no plano de imunização da dupla Bolsonaro & Pazuello,
no momento em que a segunda onda avança pelo Brasil, deveria ensejar uma
preocupação maior com as medidas de prevenção ao coronavírus. Salvo exceções,
não é o que se vê no país. A começar pelo presidente da República, que abomina
a máscara, a ponto de causar constrangimento entre assessores. Não está
sozinho. Cenas de praias lotadas, aglomerações em bares, bailes e festas
clandestinas mostram que o país segue em sentido oposto ao aumento preocupante
de infectados e mortos — na maior parte dos estados, os números estão em alta
ou estabilizados em patamares elevados.
Mesmo
quando tomam decisões corretas, os governos agem tardiamente. Só agora o país
decidiu proibir voos vindos da África do Sul, devido a uma nova variante mais
contagiosa do Sars-Cov-2. Manaus, que enfrenta o caos, só acordou para as
medidas mais severas de restrição quando a situação já estava totalmente fora
de controle.
Num
país onde há gente morrendo por falta de oxigênio, chama a atenção o discurso
do novo presidente do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, desembargador
Carlos Eduardo Contar. Ao tomar posse no dia 22, criticou o “irresponsável,
covarde e o picareta da ocasião” que prega o “fiquem em casa”. E se referiu ao
trabalho da imprensa na pandemia como “esquizofrenia e palhaçada midiática
fúnebre”. Palavras que revelam um misto de ignorância e descaso.
Acumulam-se
cadáveres, acumulam-se também os erros e trapalhadas do governo. Enquanto isso,
a vacinação em massa ainda demora. O que reforça ainda mais a necessidade de
prevenir o contágio para que o Brasil não vire uma grande Manaus. Seria o pior
cenário, é verdade, mas, no que se refere à pandemia, já se viu que, no governo
Bolsonaro, o pior não parece ter limites.
Paes acerta ao pôr ordem na casa e corrigir erros da gestão anterior – Opinião | O Globo
Prefeitura
cancela samba em julho, anuncia negociação com Linha Amarela e prepara projeto
para o Centro
Depois
de quatro anos da gestão desastrosa de Marcelo Crivella, que culminou com a
prisão do então prefeito, acusado de manter um “QG da propina” dentro do
governo, é natural que as primeiras ações do prefeito Eduardo Paes sejam no
sentido de arrumar a casa, que ainda sente os efeitos da passagem turbulenta do
último inquilino do Palácio da Cidade.
Não
é tarefa fácil em meio a uma pandemia de Covid-19 que atinge o Rio de forma
brutal — a cidade tem uma das maiores taxas de mortalidade do país. E diante de
um cenário de recursos escassos — parte dos servidores ainda não recebeu o
décimo terceiro salário. Mas, de modo geral, as primeiras iniciativas neste
primeiro mês de novo governo apontam na direção da sensatez.
Uma
delas é suspender o carnaval previsto para o meio do ano. Devido à pandemia, a
maior festa popular do Rio, que pelo calendário oficial ocorreria de 12 a 16 de
fevereiro, já fora cancelada por Crivella, a exemplo do que fizeram cidades
como São Paulo, Salvador e Recife. Algumas escolas de samba queriam que os
desfiles fossem transferidos para julho. Num momento em que a segunda onda de
Covid-19 se alastra de forma preocupante, e a vacinação patina, não faria o
menor sentido.
O
governo restabelece o bom senso também no imbróglio da Linha Amarela, encampada
por Crivella com objetivos político-eleitoreiros. Em entrevista ao GLOBO, a
secretária de Transportes, Maína Celidonio, disse que pretende cumprir o
contrato, embora queira negociar com a concessionária a retomada do pedágio em
valor menor (antes da suspensão da cobrança pela Justiça a tarifa era de R$
7,50). Ela acredita que o impasse poderá estar equacionado antes dos cem dias
de governo.
É
louvável também o projeto para requalificar o Centro, transformado num bairro
fantasma pelos efeitos nefastos da pandemia, que esvaziou os escritórios do
coração financeiro da cidade. A ideia é propor mudanças na legislação para
estimular a construção de moradias numa área que dispõe de ótima infraestrutura
urbanística. Evidentemente, trata-se de ação de longo prazo, mas é necessário
começar de imediato.
Pandemia
fora de controle, cidade quebrada e economia anêmica não formam um cenário
animador, é verdade. Até por isso, é preciso racionalidade, qualidade que
estava em falta na administração municipal. Claro que hoje o maior desafio para
o prefeito é abrir novos leitos de Covid-19 — o número atual ainda não é
suficiente — e conduzir o programa de imunização, mesmo com uma vacinação
incipiente. É urgente conter os números vergonhosos da pandemia no Rio. Mas,
paralelamente, vai-se arrumando a casa. Pelo tamanho da desordem, o trabalho há
de ser longo.
Dobrar o alcance – Opinião | Folha de S. Paulo
Há
boas razões para adiar 2ª dose de vacinas contra Covid e atingir mais pessoas
O
pior cenário para o debate sobre postergar ou não a segunda dose das vacinas
contra a Covid-19 seria vê-lo capturado pela polarização. A saúde pública não
pode perder tempo com mais picuinhas entre os governos federal e paulista em
tema que exige decisão rápida e amparada na ciência.
A
Prefeitura de São Paulo decidiu que usará
todas as 368,3 mil unidades de imunizante recebidas até esta
quarta-feira (27) para vacinar pela primeira vez pessoas do grupo prioritário.
Em comunicado, a Secretaria Municipal da Saúde informa que as segundas doses
serão ministradas só com o preparado de futuras remessas.
O governo do
estado cogita o mesmo e pressiona o Programa Nacional de
Imunização a alterar o protocolo, ampliando o prazo do reforço para 28 dias ou
mais. Argumenta-se que, na Turquia, intervalos maiores entre doses da Coronavac
induziram eficácia até maior que os 50,4% anunciados aqui.
Diante
da escassez de vacinas, fruto da incúria do governo Jair Bolsonaro —que chega
ao acúmulo de retardar a
resposta sobre o interesse em 54 milhões de doses adicionais do
produto do Butantan—, existem sem dúvida boas razões em favor da postergação.
Não
faria sentido manter metade do ínfimo estoque na prateleira quando há mais
vacinas por chegar; melhor imunizar o máximo de pessoas já e adiar por pouco
tempo a segunda dose.
O
repique da epidemia, de volta ao patamar de mil mortes diárias, o advento de
uma mutação que parece tornar o coronavírus mais transmissível, talvez mais
letal, e a perspectiva de colapsos hospitalares constrangem autoridades a tomar
medidas ousadas. Assim já decidiu o Reino Unido, e outros países estudam seguir
o exemplo.
No
caso da vacina Covishield, da iniciativa AstraZeneca/Oxford, há evidência
científica de que o prazo entre doses pode ser de até 120 dias.
Dos
testes clínicos realizados com o imunizante da Sinovac/Butantan, não foram
publicados resultados para avaliar qual o grau de proteção proporcionado pela
primeira dose, embora o comando do Butantan mostre confiança.
Além
disso, percalços até aqui ocorridos na importação de matéria-prima sugerem
cautela ao contar com a chegada de novos suprimentos em tempo para o reforço.
O
problema no Brasil ainda é a quantidade insuficiente de vacinas. O foco de
todos os governos —federal, estaduais e municipais— deve permanecer em
contratar mais unidades e acelerar a vacinação, que começa ainda lentamente. A
postergação da segunda dose, de objetivos meritórios, deve ser encarada como
paliativo.
Rotina italiana – Opinião | Folha de S. Paulo
Em
crise agravada por vírus, país pode trocar de governo pela 10ª vez desde 2000
Um
dos países mais acossados pela pandemia de Covid-19, a Itália se vê agora
também diante de um arriscado impasse político desencadeado pela renúncia de
Giuseppe Conte do posto de primeiro-ministro.
Não
que o país não esteja acostumado a desarranjos dessa natureza —desde 2000,
contavam-se nada menos que nove mudanças de governo. Desta feita, porém, a
crise sanitária adiciona consideráveis desafios às lideranças italianas.
Com
60 milhões de habitantes, a Itália registra mais de 85 mil mortos pela doença,
números que perfazem uma das maiores taxas globais de óbitos por milhão, e
precisará, em meio à tribulação institucional, coordenar não só a imunização de
sua população como também os toques de recolher e os esforços de recuperação
econômica.
Reside
na pandemia, aliás, a raiz da renúncia de Conte. Na semana passada, o ex-premiê
Matteo Renzi inesperadamente retirou do governo seu pequeno partido de
centro-esquerda —e com ele o apoio da maioria do Senado.
Renzi
justificou sua decisão como uma forma de protesto contra a resposta do país à
Covid-19. Ele ainda acusa a administração de isolar o Parlamento, centralizando
as decisões sobre onde alocar os mais de € 200 bilhões em fundos de recuperação
que a Itália deve receber da União Europeia.
Dentre
as cartas à mesa do presidente, Sergio Mattarella, responsável por organizar o
processo de sucessão, a opção pela permanência de Conte é a menos traumática.
Político
mais popular da Itália, o premiê ainda conta com o apoio firme dos outros
partidos de sua coalizão. Para se manter no cargo, porém, terá de reacomodar os
interesses de Renzi ou angariar o apoio de senadores independentes ou do centro
político.
Se
Conte fracassar, Mattarella terá de apresentar um candidato alternativo capaz
de montar uma coalizão viável. Caso também isso falhe, só restará ao presidente
a solução mais complexa e explosiva: dissolver o Parlamento e antecipar as
eleições, expediente que, segundo pesquisas recentes, tende a beneficiar partidos
da direita radical nacionalista.
Seja
qual for o desfecho, a crise italiana é mais um exemplo de agruras recentes
vividas por países desenvolvidos que adotam o regime parlamentarista. Também os
casos de Israel, Reino Unido, Espanha e Bélgica demonstram que tal sistema nem
sempre garante na prática a adaptação mais suave a crises e a governabilidade
que, em teoria, deveria favorecer.
Os riscos de uma vacinação rápida ou de sua ausência – Opinião | Valor Econômico
A
pandemia não foi vencida e uma política monetária frouxa será mantida pelo
tempo necessário
A
criação de vacinas e o início de imunização em massa em muitos países trouxe
alívio e preocupações. A perspectiva da volta ao crescimento econômico sem as
fortes amarras da covid-19 tornou-se concreta, levando os mercados financeiros
a reavaliar os preços dos ativos para cima em decorrência do fim dos
constrangimentos à recuperação. Por outro lado, a vacinação, como dificilmente
deixaria de ser, ocorre com gargalos nas compras, na distribuição e, pior, em
meio a uma segunda onda da pandemia que obrigou a lockdowns em várias partes do
mundo, inclusive EUA e Europa. Esses obstáculos mal entraram no radar dos
mercados em alta e essa dissonância é um dos fatores de risco de instabilidades
financeiras futuras, alerta o Fundo Monetário Internacional na atualização de
seu Relatório de Estabilidade Financeira Global.
Em
seu Perspectivas da Economia Mundial, o Fundo elevou a taxa de expansão global,
para 5,5% neste ano, puxada por China e Estados Unidos. Mas advertiu sobre os
rumos do combate ao coronavírus, que em suas previsões só estará perto da
vitória, com diminuição drástica da propagação da covid-19, no fim de 2022. Até
lá, coisas ruins podem acontecer. Dificuldades de fornecimento e atrasos no
calendário de vacinação se tornaram concretos nos Estados Unidos e na Europa,
além do Brasil. As rápidas mutações do vírus podem em algum momento tornar
inúteis ou reduzir muito a eficácia das vacinas existentes.
Os
dois lados da equação trazem ameaças. Se a imunização demorar mais tempo,
enquanto os vírus seguem mudando, a recuperação econômica dependerá, segundo o
FMI, do apoio contínuo das políticas monetárias e fiscais. Essa perspectiva é a
base do rali dos mercados e da alta dos ativos, em especial das ações, e sua
reversão traria turbulências financeiras destrutivas. Por outro lado, o sucesso
do combate à pandemia, especialmente nos EUA, traz consigo a possibilidade de
aumento das taxas de juros de longo prazo e aperto nas condições financeiras,
em um ambiente em que os ativos estão superavaliados e países, empresas e
consumidores em geral possuem dívidas recordes.
Para
o Fundo, “há um senso de complacência permeando os mercados financeiros (...)
com visões uniformes sobre seu comportamento, o que aumenta os riscos de
correção de preços”. Uma reviravolta na trajetória da taxa de juros, diante dos
níveis muito baixos em que se encontra, seria “particularmente perniciosa se o
aperto interagir com vulnerabilidades financeiras”.
Não
é difícil apontar essas vulnerabilidades. O aumento da dívida de empresas não
financeiras e a fragilidade de muitas delas são preocupantes. Na atual crise,
em 13 economias avançadas, o número de falências corporativas caiu em vez de
subir, algo inédito nas recessões observadas desde 1990. O número de companhias
com rating BBB-, potencialmente candidatas ao desaparecimento, triplicou desde
o início da pandemia. Os valores são significativos - essas corporações devem
US$ 240 bilhões nos Estados Unidos e pelo menos US$ 110 bilhões na Europa.
Na
corrente do risco estão os bancos que a elas emprestaram. A lucratividade dos
bancos, em especial os europeus, caiu em decorrência da política de juros
negativos e da diminuição dos empréstimos. Dificuldades renovadas podem afetar
sua capacidade ou disposição de fornecer crédito, em um contexto em que as
empresas dependem muito do fluxo de recursos. Interrupções na cadeia de crédito
trariam pressão de solvência nos segmentos onde o risco já é considerado maior.
A
demora para vacinar ou a escassez de vacinas, efeito de uma distribuição
desigual, pode causar instabilidade financeira em alguns países emergentes e em
desenvolvimento, em especial nos que têm alta dívida soberana. Como observa o
FMI, os países emergentes foram responsáveis por 65% do crescimento global
entre 2017 e 2019 - 40%, se a China for excluída - e um atraso da recuperação
afetará a expansão global de maneira não desprezível.
Jerome Powell, presidente do Fed, que manteve os juros em 0 a 0,25% ontem, disse que os riscos maiores ainda são os advindos de onda deflacionária que varreu os países ricos, que a pandemia não foi vencida e que uma política monetária frouxa será mantida pelo tempo necessário até que as metas de emprego e inflação sejam cumpridas. Esse horizonte, segundo Powell, ainda “está muito, muito longe”.
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