Má
gestão da pandemia ainda afeta pouco da popularidade de Bolsonaro
(tecnicamente chamada de Rt ou Re) subiu
significativamente em muitas cidades brasileiras. Seja por causa de uma maior
transmissibilidade das novas variantes, ou pelo relaxamento das medidas
individuais de proteção nas festas de fim de ano, férias e carnaval -
certamente uma combinação de ambos -, o país vive uma explosão de casos e de
mortes.
O
Rt indica para quantas pessoas, em média, um infectado por covid transmite a
doença num determinado período. Um Rt próximo de 1 significa uma tendência de
estabilidade no número de casos; acima disso, o contágio está se alastrando, e
de modo inverso um Rt abaixo de 1 sinaliza que a doença está perdendo força
numa comunidade.
A ciência demonstra que medidas de isolamento social tendem a reduzir o Rt. Da mesma forma, tudo o mais constante, quanto mais pessoas se tornam imunes ao novo coronavírus (por meio de contaminação prévia ou pela vacinação), menos espaço a doença encontra para se espalhar - a menos que surjam outras variantes ainda mais poderosas que driblem o sistema de defesa de quem já se infectou ou recebeu as duas doses da vacina.
Essa
mesma lógica do Rt pode ser aplicada também na política.
Desde
que saiu a última rodada de pesquisas do Datafolha apontando que 54% dos
entrevistados consideram ruim ou péssima a gestão de Jair Bolsonaro em relação
à pandemia, ganhou destaque na imprensa e nas redes sociais a interpretação de
que a popularidade do presidente estaria cedendo frente à dura realidade dos
hospitais Brasil afora. Tenho dúvidas.
No
mesmo levantamento, quando perguntados como avaliam o governo como um todo,
“apenas” 44% das pessoas o classificavam como ruim ou péssimo. Essa
discrepância de dez pontos percentuais entre as avaliações negativas do atual
ocupante do Palácio do Planalto na resposta à covid-19 e na condução do país
indica que uma dimensão ainda não contaminou plenamente a outra. Em outras
palavras, o Rt político na Presidência da República ainda se encontra abaixo de
1.
Conforme
pode ser visto no gráfico abaixo, mesmo entre os grupos sociais que estão
sentindo de modo mais severo as consequências do colapso epidemiológico e seus
efeitos sobre a economia, muitos ainda dão ao Bolsonaro-presidente uma nota maior
do que ao Bolsonaro-gestor da saúde - mesmo sendo eles a mesma pessoa. A
discrepância aumenta em segmentos desde o início mais fiéis ao presidente.
Nesse
contexto, assim como acontece na infectologia, a popularidade do atual chefe do
Poder Executivo continuará preservada no patamar mínimo de 25% a 30% caso as
condições de infecção, vacinação e isolamento mantenham um Rt político baixo.
Para
uma parcela significativa da população brasileira não importa se a atual
administração realizou poucas entregas em termos de políticas sociais ou de
crescimento econômico. Por compartilhar as mesmas visões de mundo e sentir-se
representado por Bolsonaro, esse grupo dificilmente mudará de opinião em função
do número de mortos pela covid. Trata-se de uma verdadeira imunidade de
rebanho.
Há
ainda o efeito da vacinação. Aos trancos e barrancos, a perspectiva é que a
disponibilidade de doses cresça com a ampliação da capacidade de produção de
vacinas pela Fiocruz e o Butantan, bem como com as entregas de outros
fabricantes. Assim, a perspectiva é que no médio prazo a situação volte ao
controle. Isso obviamente não elimina a responsabilidade do governante pelo
caos atual, mas certamente amenizará a pressão da opinião pública sobre ele.
Por
fim, Bolsonaro também se beneficia do isolamento social causado pela
polarização política que divide a sociedade brasileira há anos. Desde pelo
menos as eleições de 2014, passando pelo impeachment e o pleito de 2018,
optamos pelo distanciamento social de petistas x tucanos, Lava Jato contra Vaza
Jato, “Não Vai Ter Golpe” versus “Tchau, Querida”, Lula livre e Lula preso,
bolsominions e petralhas. Desde que a política virou um jogo de nós contra
eles, construir consensos para o julgamento político de quem é simplesmente um
bom ou mal chefe de governo tornou-se impossível.
Apesar
do baixo Rt político, a popularidade e as chances de reeleição do presidente
podem se agravar devido a novas variantes eleitorais. Patógenos antigos em
novas mutações ou cepas completamente novas tentarão driblar a resistência do
eleitor contaminado pelas ideias de Bolsonaro. Resta saber se a taxa de
contágio será alta o suficiente.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.
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