EDITORIAIS
Militares cedem outra vez aos arbítrios do
presidente
Valor Econômico
Cabe aos militares demarcarem o terreno
para atos de seu comandante
No Brasil, o comandante chefe das Forças
Armadas, o presidente da República, incentiva a indisciplina e a quebra de
regulamentos nos quartéis. O Alto Comando do Exército, que deveria zelar pela
ordem, se exime de fazê-lo, acatando a ordem de que o infrator nada fez de
errado, talvez sob pretexto de que algo ainda pior poderia ocorrer se cumprisse
as regras - uma substituição do comandante do Exército. O pivô da crise, o
general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, fez aparição gaiata em
manifestação de motociclistas sem máscaras promovida pelo presidente Jair
Bolsonaro, onde não poderia estar. A única coisa certa nestes desacertos é que
houve intenção de criar um fato consumado cujos desdobramentos são temerários.
Não é a simbologia de um capitão botinado
do Exército por indisciplina agora intimidando generais que interessa, mas os
propósitos. “O presidente da República é o comandante supremo das Forças
Armadas. Isso tem de ficar bem claro”, disse o ministro-chefe da Casa Civil,
Luiz Eduardo Ramos, um dos principais auxiliares de Bolsonaro, como se isso
significasse arbítrio e não cumprimento de regras. Bolsonaro não queria que
houvesse punição a Pazuello - nem sequer uma inofensiva advertência oral - e
seu desejo foi satisfeito. Sua vontade foi lei e, como suas inclinações são
antidemocráticas, esse é o caminho pelo qual o presidente poderá conduzir as
Forças Armadas.
A rota de colisão do presidente com as
instituições, percorrida desde o primeiro dia da posse, tem como destino a
permanência no poder. “A todo momento estamos vendo-o anunciar o golpe aos
quatro campos da nação”, diz o historiador Fernando Teixeira, ex-professor na
Escola Superior de Guerra e na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Valor,
ontem). “O mais grave é que ele está anunciando o golpe e a metodologia do
golpe. A cada momento ele faz um ensaio geral”, afirma, referindo-se aos reiterados
avisos do presidente de que não aceitará uma derrota nas urnas diante do (hoje)
principal rival, à frente nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva.
O início de quebra de hierarquia militar foi um dos catalisadores do golpe militar de 1964, mas as provocações de Bolsonaro parecem ir em outra direção, não a de fomentar rebeliões de cabos e sargentos contra generais, mas a de obter o consentimento ou a resignação, o que dá no mesmo, dos comandos militares para que a ordem seja moldada aos desígnios do presidente.
De outro lado, o esforço para jogar as
polícias militares contra os governadores, cultivada por centenas de
participações de Bolsonaro em formaturas e eventos nos quartéis, deu frutos no
Ceará e na última semana no Recife quando manifestantes ordeiros foram atacados
com selvageria pela polícia.
Bolsonaro tem convicção de que as cúpulas
das Forças Armadas mostrariam no mínimo uma passividade benevolente diante de
um golpe eleitoral contra o ex-presidente Lula e o PT, caso ele seja o
vencedor. A advertência do então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, ao
Supremo Tribunal Federal, na véspera de julgamento do habeas corpus em favor do
ex-presidente Lula, após consulta ao Alto Comando, demarcou preferências de
intervenção política contra um político considerado inimigo pela corporação.
Desde o primeiro dia Bolsonaro associou os
militares a seu governo, com prebendas salariais e cargos no governo,
dando-lhes um terço de seu ministério e 6 mil alocados em cargos de confiança.
Essa predominância busca construir ao longo do tempo uma blindagem do
presidente contra insatisfações e descontentamentos nos quartéis em relação a
sua conduta política. Essa blindagem tem sido testada a toda hora, com fatos,
como quando Bolsonaro demite generais da reserva de seu governo e, no lance
recente ousado, demite o ministro da Defesa e o comandante das três armas. A
reação foi nula - e assim foi com o episódio Pazuello.
Ocorre o contrário do propalado conto de
que militares foram para o governo conter os arroubos do presidente - eles é
que acabaram enquadrados, na verdade. A intrepidez de Bolsonaro se apoia na
hipótese de a anarquia repelida nos quartéis é a da esquerda, como a “república
sindicalista de Jango”, mas que não há nada a temer se ela provém do espectro da
direita, que abrange boa parte da cúpula militar. O presidente tem conseguido
salvo conduto para fazer o que bem entender. Cabe aos militares demarcarem o
terreno para atos de seu comandante, que preserve a democracia no país e o
papel das Forças Armadas na ordem democrática.
É inaceitável a interferência do Planalto na seleção de futebol
O Globo
O equívoco do presidente Jair Bolsonaro em dar aval para a Copa América no Brasil, após a desistência de Colômbia e Argentina, sem levar em conta os riscos sanitários, fica mais evidente a cada dia. Primeiro, na inusitada disputa dos estados para não abrigar jogos do torneio. Agora, na silenciosa rebelião de jogadores e da comissão técnica da seleção, que, embora tenham aceitado participar, se mostram contrários à realização da competição no país (só hoje, após o jogo com o Paraguai pelas eliminatórias da Copa do Mundo, deverá haver pronunciamento oficial sobre o tema).
Cada vez mais isolado, Bolsonaro mostra que
sua ambição não tem limites. Se o técnico Tite e comandados são contra sua
vontade, então troca-se o técnico. Antes de ser afastado da presidência da CBF
em meio a denúncias de assédio sexual e moral por parte de uma funcionária,
Rogério Caboclo articulava a substituição de Tite por Renato Portaluppi, mais alinhado
com o Planalto. Será então que voltamos aos tempos da ditadura, quando o
presidente mandava trocar técnico e escalava a seleção? Inaceitável. Com o
afastamento de Caboclo, a temperatura pode até ter baixado — os jogadores
concordaram em participar da competição —, mas os riscos continuam idênticos.
Do ponto de vista sanitário, não faz
qualquer sentido abrigar a competição em plena pandemia. Nas redes sociais, ela
foi apelidada “Cepa América”. Responsável pela gestão de saúde em todos os
grandes eventos esportivos no país desde 2007, o epidemiologista Wanderson
Oliveira ressalta que o Brasil tem incidência de 200 casos por cem mil
habitantes e uma taxa de positividade de 32% (o recomendável é que fique abaixo
de 5%), condições que não recomendariam acontecimentos desse tipo. “Trata-se de
um evento de elevado risco para a saúde pública, um acinte à sociedade
brasileira e àqueles que perderam amigos e familiares.”
As quatro unidades da Federação escolhidas
para sediar a Copa, de 13 de junho a 10 de julho, estão na lanterna do combate
ao novo coronavírus. Segundo o Ministério da Saúde, Mato Grosso, Rio, Distrito
Federal e Goiás têm algumas das piores taxas de mortalidade por Covid-19 no
país (respectivamente 316,3; 298,5; 292,7; e 248,8 por 100 mil habitantes).
Quando se observa a ocupação de UTIs,
também não se saem bem. As taxas estão acima de 76% — a do Rio, ultrapassa os
90%. O sistema de saúde já está sob estresse nesses locais. Na vacinação, DF,
GO, RJ e MT estão abaixo da média nacional.
Pressionado pela queda de popularidade, por
manifestações, panelaços e pelas revelações cada vez mais contundentes da CPI
da Covid, Bolsonaro aposta no certame para desviar o foco do debate. Aposta
arriscada, diante da iminência de uma terceira onda de contágio. Sem falar que
o evento pode suscitar protestos — basta lembrar os da Copa de 2014 — ,
igualmente inoportunos no atual cenário. Não se sabe quem vencerá a competição.
Mas já se pode apontar o grande derrotado: é a saúde do povo brasileiro.
Corte nas tarifas seria bem-vindo no Mercosul
O Globo
O Ministério da Economia defende dois cortes de 10% na Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, a taxa cobrada dos produtos importados pelo bloco, cuja média cairia de 11,7% para 9,5% até o início do ano que vem. A Argentina resiste e se dispõe a fazer apenas um dos cortes, no início de 2022, para 75% dos produtos, preservando sobretudo os bens acabados. O Uruguai apoia a proposta brasileira.
Depois das gestões de seu embaixador no
Brasil, a Argentina obteve até o apoio dos ex-presidentes Fernando Henrique
Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Os críticos do corte proposto pelo
ministro Paulo Guedes veem a iniciativa como tentativa de levar o bloco à
ruptura. Afirmam ainda que, mesmo que fosse aceita, uma decisão unilateral do
Mercosul tiraria poder de barganha do bloco na negociação com outros parceiros
comerciais.
O primeiro argumento é um exagero. Apesar
da queda no comércio interno ao bloco nos últimos anos, as indústrias de Brasil
e Argentina estão completamente imbricadas, e o custo jurídico e político de
ruptura é simplesmente alto demais para qualquer lado arriscar. Metade desse
comércio, por sinal, é regida não pelo Mercosul, mas pelo regime automotivo, um
acordo em separado.
O segundo não é um argumento descabido. É verdade
que o acesso a um mercado protegido pode ser moeda de troca em negociações. Mas
a TEC alta também explica por que o histórico de acordos comerciais do Mercosul
é medíocre. Nas negociações sempre ressurge a agenda protecionista que quer
preservá-la, falando na perda de investimentos e na defesa da indústria local.
É essa a preocupação real da Argentina.
A orientação econômica do governo argentino
tem matriz desenvolvimentista, oposta à liberal que Guedes tenta imprimir por
aqui (é certo que, até o momento, com sucesso tímido). Politicamente, a redução
tarifária seria uma forma de mostrar que, mesmo que tenha deixado em segundo
plano a agenda reformista ou pouco avançado nas privatizações, o governo não se
afastou do ideário liberal que o elegeu. Seria, nas palavras do economista
Edmar Bacha, um “passo modesto”, já que nossas tarifas são altas. Mas daria,
segundo ele, um recado importante sobre a necessidade de modernizar a indústria
no bloco. Nenhum país enriqueceu sem abertura para o exterior e o consequente
aumento de produtividade.
É por isso que, independentemente da
motivação política, os países do Mercosul perdem por manter as tarifas de
importação nas alturas. Toda vez que um país protege um setor, encarece a
operação dos outros que compram dele. Tudo somado, isso significa produção mais
cara, perda de dinamismo e menos exportações. De acordo com o estudo “Abertura
Comercial Para o Desenvolvimento Econômico”, feito no governo Temer, uma maior
abertura propiciaria um salto no crescimento.
Claro que um corte de tarifas, unilateral
ou não, exige cuidado com os setores afetados. É, por isso, mais sensata a
redução gradual. Programas de treinamento também são cruciais para realocar a
mão de obra afetada. E é bom não se iludir. Sem outras medidas, como a reforma
tributária ou investimentos em infraestrutura, o efeito benéfico da abertura
comercial fica reduzido, como prova o exemplo mexicano. Mas que não reste
dúvida. Como disse Bacha, esse é o caminho certo.
Chavismo caboclo
O Estado de S. Paulo
A escalada da crise protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro com os militares sugere que o País corre o sério risco de sofrer forte degradação democrática, a ponto de assemelhar-se à Venezuela chavista.
“Os militares daqui estão enfrentando o que
os da Venezuela enfrentaram no início do período chavista”, comparou Raul
Jungmann, que foi ministro da Defesa no governo de Michel Temer. Em entrevista
ao Estado, Jungmann disse que “Bolsonaro persegue o modelo de Chávez”,
isto é, quer transformar as Forças Armadas em braço do bolsonarismo. “Os
militares, aqui como lá, guardadas as devidas proporções, evitam o confronto
direto com o comandante para não ferir a Constituição, mas o dilema é que assim
correm o risco de ver a Constituição destruída junto com a hierarquia e a
disciplina”, alertou Jungmann.
Na mesma linha foi o ex-presidente da
Câmara Rodrigo Maia. Também ao Estado, Maia descreveu como Bolsonaro está
seguindo rigorosamente o manual chavista: tenta envenenar o processo eleitoral,
ao questionar as urnas eletrônicas; hostiliza a imprensa livre; intervém na
estatal de petróleo, submetendo-a a seus interesses políticos; busca
transformar as Polícias Militares estaduais em milícias bolsonaristas;
neutraliza o Congresso por meio de distribuição desavergonhada de verbas,
abaixo dos radares republicanos; e ataca sistematicamente o Supremo Tribunal
Federal, além de inocular os órgãos de fiscalização e controle com a toxina
bolsonarista. Como disse a historiadora Lilia Schwarcz à revista The
Economist, basta ler o Diário Oficial para perceber que Bolsonaro dá
“um golpe por dia”.
Já advertimos várias vezes, neste espaço,
sobre a marcha bolsonarista rumo a uma versão cabocla do chavismo (ver
especialmente os editoriais O bê-á-bá do chavismo, de 31/1/21, e A hora da verdadeira oposição, de 4/2/21). Os sinais
dessa degeneração são tão evidentes que não podem ser mais ignorados,
especialmente agora, quando Bolsonaro dá um passo concreto na tentativa de
transformar as Forças Armadas em sua guarda pretoriana.
A crise está contratada. Ao levantar
dúvidas sobre o processo eleitoral, ao mesmo tempo que amalgama os militares a
seu governo, Bolsonaro semeia confusão e tenta intimidar quem porventura não
aceite viver sob seu tacão.
Há um ano, à TV Cultura, o ministro do
Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís
Roberto Barroso, descreveu com precisão o cerne do problema: “As Forças Armadas
não podem se identificar com o governo porque numa democracia existe
alternância de poder. Se as Forças Armadas são governo e o governo é derrotado
nas urnas, as Forças Armadas são derrotadas e acabou. Evidentemente isso não
pode acontecer”. Na mesma ocasião, o ministro Barroso também já alertava para o
que chamou de “chavização”, isto é, a multiplicação de militares em cargos no
governo: “Isso é o que aconteceu na Venezuela”.
Não é prudente ignorar tantos alertas e
tantos sinais. Quando Bolsonaro se refere ao Exército como “meu Exército”, não
é mera figura de linguagem. Ao dobrar o número de militares no governo em
relação à administração de Temer, Bolsonaro deixou claro que pretendia enredar
as Forças Armadas em seus devaneios golpistas. Considerando-se que cresceu em
cerca de 30% a presença de militares da ativa no governo, essa relação fica
ainda mais forte – e o caso da submissão humilhante de um general, Eduardo Pazuello,
aos interesses de Bolsonaro, sob a vista grossa do Comando do Exército, foi o
ponto alto, até agora, dessa genuflexão militar ao presidente.
Timidamente, o Congresso começa a reagir à
militarização do governo promovida pelo bolsonarismo, ao articular uma Proposta
de Emenda Constitucional que proíbe a atuação de militares da ativa em cargos
de natureza civil no Executivo. É uma medida necessária, pois aos militares da
ativa é vedada a atividade política – que é essencialmente o que se faz num governo.
Mas talvez seja tardia: a esta altura, a identificação forçada por Bolsonaro
entre ele e os militares já não depende mais de quem usa o crachá do governo.
Visões muito discrepantes
O Estado de S. Paulo
A Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o arquivamento do inquérito que apura a participação de um grupo de parlamentares bolsonaristas e apoiadores do governo na organização, financiamento e divulgação das manifestações de cunho golpista havidas em abril do ano passado. Dificilmente o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito, recusará o pedido do parquet. A jurisprudência do STF prevê que um pedido desta natureza é “irrecusável”.
Mas, caso acolha o pedido, como se prevê, o
ministro relator poderá determinar a abertura de novos inquéritos contra os
investigados, caso julgue necessário o aprofundamento das investigações para
elucidação dos fatos. É o que a Nação espera. É fundamental identificar,
processar e responsabilizar quem patrocina e promove atos contra o Estado
Democrático de Direito, numa intolerável afronta às leis e à Constituição.
Evidentemente, o pedido de arquivamento de
um inquérito é um dos caminhos naturais que o Ministério Público pode trilhar
ao analisar o conjunto probatório fruto das diligências realizadas pela polícia
judiciária em determinada investigação. Dito isto, causa estranheza a enorme
discrepância entre as visões da PGR e da Polícia Federal (PF) no curso deste
inquérito em particular, bastante sensível por envolver parlamentares próximos
ao presidente Jair Bolsonaro. Afinal, o que a PF viu que a PGR não viu?
Depois de cinco meses desde que foi instada
a se manifestar, a PGR não requereu novas diligências e pugnou pelo
arquivamento do inquérito por concluir que as investigações da PF “não
apontaram para a participação de deputados e senadores nos supostos crimes
investigados”. Segundo o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques
de Medeiros, que assina o parecer, o “inadequado direcionamento da investigação
impediu a identificação de lacunas e dos meios necessários, adequados e
proporcionais para alcançar a sua finalidade”, além de ter impossibilitado a
“delimitação do problema”.
Ora, o parecer da PGR é diametralmente
oposto aos achados da autoridade policial. No curso das investigações, a PF identificou
nada menos do que 1.045 acessos a “contas inautênticas” ligadas a aliados de
Bolsonaro – derrubadas pelo Facebook há quase um ano por violação das regras da
plataforma – feitos a partir de computadores de órgãos públicos como a
Presidência da República, a Câmara dos Deputados, o Senado e até, pasme o
leitor, o Comando da 1.ª Brigada de Artilharia Antiaérea do Exército.
O relatório com as conclusões da delegada
Denisse Dias Rosas Ribeiro, enviado ao STF em dezembro passado, teve como base
apurações do Atlantic Council, instituição independente que analisa remoções de
contas feitas pelo Facebook. Ao longo de 154 páginas, a delegada descreve em
detalhes as artimanhas da rede de desinformação que se instaurou no País sob o
beneplácito da Presidência da República. Por meio da identificação de endereços
IP, a PF concluiu pela existência do que chamou de “Grupo Brasília”, a partir
do qual foram realizados os acessos às contas inautênticas que promoveram os
atos antidemocráticos “de forma coordenada”.
Desde que o Estado revelou a
existência do “gabinete do ódio” instalado no Palácio do Planalto, sabe-se da
participação de auxiliares de Bolsonaro na articulação de uma rede de
desinformação e de ataques a seus adversários. O Facebook é uma das plataformas
utilizadas pelo grupo para turvar o debate público ao confundir as noções de
fantasia e realidade. Em boa hora, a empresa anunciou que passará a moderar o
conteúdo das publicações feitas por políticos no mundo inteiro, que antes eram
mantidas no ar em decorrência de uma alegada natureza “noticiosa”. Mas tantas
são as mentiras e distorções propagadas por líderes como Bolsonaro que a
empresa parece ter-se dado conta de sua responsabilidade.
A higidez do debate público e o
fortalecimento da democracia dependem do cerco às redes de desinformação, nas
esferas pública e privada.
O plano de inclusão da USP
O Estado de S. Paulo
Depois de ter adotado em 2018 um programa de inclusão social e racial distinto da política de cotas implementada por outras instituições brasileiras de ensino superior, a Universidade de São Paulo (USP) vem colhendo os dividendos dessa iniciativa, como revelam os últimos números da Pró-Reitoria de Graduação sobre o perfil socioeconômico de seu corpo discente computados após o vestibular deste ano. Esse programa foi formulado com o objetivo de preservar o princípio do mérito como requisito fundamental de seu processo seletivo.
Em 2021, 51,7% dos estudantes que se
matricularam nos cursos de graduação da USP vieram de escolas públicas. Em
2020, a taxa foi de 47,8%. Com isso, a USP alcançou o objetivo estabelecido em
2018 de ter, dentro de quatro anos, mais alunos oriundos de escolas públicas de
ensino básico do que de escolas particulares. O plano escalonado de inclusão
social aprovado pelo Conselho Universitário previa, para o vestibular de 2018,
uma reserva de 37% das vagas por curso e turno de cada unidade de ensino para
alunos vindos de escolas públicas e não brancos. Em 2019, a reserva foi de 40%
e, em 2020, de 45%.
Pelo programa adotado, ao escolher sua carreira
e seu curso os candidatos têm três opções na inscrição do vestibular: Ampla
Concorrência (AC), Ação Afirmativa Escola Pública (EP) e Ação Afirmativa Preto,
Pardo e Indígena (PPI). Em 2021, dos 51,7% de alunos matriculados oriundos de
escolas públicas, 44,1% se autodeclararam pretos, pardos e indígenas. Esse
porcentual equivale à proporção desses grupos no Estado de São Paulo, segundo
os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em termos absolutos, das 10.992 vagas
oferecidas pela USP, neste ano, 5.678 foram preenchidas por alunos que
estudaram na rede pública de ensino básico – e, desse total, 2.504 são PPI. A
unidade com o maior número de ingressantes vindos de escolas públicas e
autodeclarados pretos, pardos e indígenas foi a Escola de Educação Física e
Esporte de Ribeirão Preto, com 56,7% do total de matriculados em seus cursos.
Em segundo lugar vem a Faculdade de Educação, com 51,5%, seguida pela Escola de
Artes, Ciências e Humanidades, também chamada de USP Leste, com 51%, e pelo
Instituto de Ciências Biomédicas e o Instituto Oceanográfico, com 41,1%. Nos
cursos mais antigos e tradicionais, a porcentagem foi de 41,1% na Faculdade de
Medicina; de 41,5%, na Escola Politécnica; e de 49,3%, na Faculdade de
Direito.
Graças a esse plano, o perfil
socioeconômico dos alunos da maior e mais importante universidade do País, até
então considerada uma instituição para os filhos da alta burguesia e da classe
média alta, vem mudando significativamente. Em 2021, por exemplo, 49,4% dos calouros
têm uma renda familiar bruta entre um e cinco salários mínimos e 54,6% têm
renda acima de cinco salários mínimos. Em 2019, esses índices foram de 47,5% e
de 55%, respectivamente. Além disso, o número de calouros com renda familiar de
até um salário mínimo (R$ 1.100) passou de 2,9%, em 2020, para 4,6%, neste ano.
Para enfrentar o crescente aumento do
número de alunos ingressantes com necessidades econômicas e afastar o risco de
elevação da taxa de evasão escolar, a USP também vem ampliando os gastos com a
Política de Apoio à Formação e Permanência Estudantil. Ela oferece auxílio para
moradia, alimentação, manutenção e transporte, além de bolsas concedidas com
base em critérios socioeconômicos, para que os alunos se mantenham durante a
graduação. Em 2021, essa política consumiu R$ 250 milhões – cerca de 6,7% a
mais do que no ano passado.
Desde que as políticas de ação afirmativa
passaram a ser adotadas pelas universidades públicas brasileiras, a partir da
década de 2000, a USP sempre tomou cuidado em manter o nível de qualidade de
ensino e impedir o crescimento da taxa de evasão, não confundindo assim o
sistema de cotas com assistencialismo. Como já foi registrado nos três anos
anteriores, os números de 2021 deixam claro que ela continua no caminho certo.
Lenta abertura
Folha de S. Paulo
País dá continuidade à busca de competição
bancária, mas avanço deixa a desejar
Embora o debate do tema seja contaminado
por mistificação ideológica e teorias conspiratórias, o poder exagerado de
mercado dos grandes bancos constitui uma distorção palpável da economia
brasileira. O problema, ao menos, tem recebido maior atenção da política
pública, o que resulta em alguma melhora, mas em ritmo lento.
Nos últimos anos, o Banco Central passou a
publicar com regularidade estatísticas da concentração do mercado nacional, e
os dados mostram queda gradual a partir de 2017. A tendência se manteve no ano
passado, conforme dados
divulgados nesta segunda (7).
No indicador de mais fácil compreensão,
caiu a participação das cinco grandes instituições bancárias —Banco do Brasil,
Itaú, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander— nas operações de crédito,
na captação de depósitos e nos ativos totais do sistema.
Essa participação, observe-se, permanece
muito elevada, chegando a 68,5%, por exemplo, nos empréstimos e financiamentos,
não muito diferente dos 69,8% de 2019. Trata-se de um óbvio obstáculo à queda
consistente dos juros cobrados de consumidores e empresas.
A queda se deveu, principalmente, ao
encolhimento relativo dos estatais BB, CEF e BNDES, que não acompanharam por
inteiro a vigorosa expansão do crédito, de 15,6%, impulsionada por medidas de
enfrentamento da pandemia e pelo corte da taxa de juros do BC.
Da fatia perdida pelos gigantes federais,
cerca de 40% foram assumidos por bancos menores e outros concorrentes no
mercado, segundo o BC. É positivo, mas, de novo, trata-se de mudança pequena.
A concentração bancária no Brasil resulta
de transformações profundas ocorridas a partir dos anos 1990, quando o controle
da inflação tirou um grande número de instituições do negócio. Depois vieram
privatizações, fusões e aquisições.
Sucessivos governos permitiram e até
estimularam o processo, dado que assim o sistema financeiro se tornava menos
vulnerável a crises como a que derrubou as economias desenvolvidas ao final de
2008.
Mais recentemente, a paralisia econômica e
a queda dos juros básicos —não refletida devidamente nos juros bancários—
chamaram a atenção para o imperativo de fomentar a competição no setor. Em 2016
o BC deu início a uma agenda de medidas pró-concorrência, que felizmente tem
continuidade hoje.
As inovações tecnológicas, que entre outras
vantagens facilitam a entrada de mais participantes no mercado, já fazem parte
importante do trabalho. Ao BC cabe facilitar a evolução e promover
aperfeiçoamentos como o Cadastro Positivo.
Faroeste Caboclo
Folha de S. Paulo
Presidente da CBF é afastado para conter
crise que chegou ao terreno político
O afastamento
de Rogério Caboclo da presidência da Confederação Brasileira de
Futebol, em meio ao imbróglio da
realização da Copa América no Brasil, retira de cena um
dirigente que deu renovadas mostras de inadequação em pouco tempo e é acusado
de grave desvio de conduta ao assediar uma funcionária da entidade.
Caboclo ensaiava uma aproximação com o
presidente Jair Bolsonaro, em mais um deplorável episódio de associação entre o
esporte e interesses políticos de ocasião. Prevaleceu, porém, a evidência de
que seu comando tornou-se insustentável, deixou de ser conveniente para a
cúpula da CBF e passou a incomodar os patrocinadores.
Candidato único, eleito em 2018 para um
mandato de quatro anos, a ser cumprido a partir de 2019, o então
diretor-executivo da entidade chegou ao posto apadrinhado pelo ex-presidente
Marco Polo Del Nero, envolvido em escândalo de corrupção investigado pelo Departamento
de Justiça americano.
O vice, José Maria Marin, também implicado
no caso, foi preso e condenado à prisão nos EUA.
Banido pela Fifa de todas as atividades
ligadas ao futebol, Del Nero não mais deixou o país com medo de ser preso.
Continuou, contudo, a exercer forte influência nos bastidores —e foi decisivo
para a eleição de seu sucessor.
Caboclo, portanto, é herdeiro ocasional de
uma longa dinastia de presidentes acusados de desmandos na CBF, da qual faziam
parte Ricardo Teixeira e seu ex-sogro João Havelange —que posteriormente
presidiu a entidade máxima da modalidade.
Seu afastamento, embora formalmente
justificado para que se defenda das acusações da funcionária, tende a ser
irreversível. A saída de cena pode significar algum alívio e reduzir a
contrariedade da comissão técnica e dos jogadores com a decisão apressada de
trazer a Copa América ao Brasil.
A controvérsia ultrapassou a fronteira esportiva e chegou aos terrenos sanitário e político —e não é certo que esteja encerrada.
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