terça-feira, 8 de junho de 2021

Andrea Jubé - Saída à la Ernesto

- Valor Econômico

Presidente cogita mais mudanças caso Salles deixe a pasta

Aumentou nos últimos dias a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro pela substituição do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Integrantes da ala militar do governo intensificaram a cobrança para que Salles, ao menos, peça uma licença temporária do cargo enquanto avançam as investigações da Polícia Federal de que ele se tornou alvo em dois inquéritos.

O fogo amigo no governo contra o ministro alastrou-se depois que se tornaram públicas ações da Polícia Federal, principalmente no inquérito conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal. Na sexta-feira, Moraes abriu prazo para que a Procuradoria-Geral da República se manifeste sobre pedido de prisão do ministro, ou afastamento cautelar do cargo, diante da recusa de entregar o aparelho celular para os investigadores, o que poderia configurar tentativa de obstrução da Justiça.

Ontem, 19 dias após a busca e apreensão de que foi alvo, o ministro finalmente entregou o aparelho à PF e se ofereceu para colaborar com as investigações. Um gesto para tentar controlar o incêndio que avança sobre sua biografia política.

O ambiente é de tensão no Palácio: Salles também é investigado em outro inquérito no STF, este conduzido pela ministra Cármen Lúcia, e também em ação movida pelo Ministério Público de São Paulo.

Em dois anos e meio de governo Bolsonaro, aprendemos que o presidente é impermeável à pressão externa, imprevisível e só age no limite do insustentável. Se o problema revela-se incontornável, Bolsonaro não muda apenas as peças de lugar, ele vira o tabuleiro.

A se confirmar o cenário de substituição de Salles, o que circula entre fontes que percorrem os corredores do Palácio do Planalto é que Bolsonaro repetiria o lance espetacular que marcou a demissão do ex-chanceler Ernesto Araújo.

Para não admitir que cedeu à pressão pelo afastamento do auxiliar - uma cobrança que se arrastava havia meses, impulsionada por políticos do Centrão - o presidente trocou seis ministros de uma vez.

Na crise agora protagonizada por Salles, Bolsonaro repetiria a saída “à la Ernesto”, com outra mudança em combo, a fim de preservar aquele que tem em conta como um de seus auxiliares mais leais.

Bolsonaro aproveitaria para substituir a ministra da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, que completou dois meses à frente da articulação política, marcados pela insatisfação de deputados e senadores da base governista. Segundo fontes até mesmo do PL, legenda da ministra, desde que ela assumiu o cargo, “nada anda” na pasta.

Valor informou em 19 de maio que, até aquela data, a ministra não tinha autonomia na pasta. Não havia nomeado assessores nem mesmo para os cargos mais relevantes. Uma semana depois, o “Diário Oficial” trouxe a promoção do chefe de gabinete de Flávia para a secretaria-executiva da pasta, um cargo equivalente ao de “subministro”: o delegado licenciado da Polícia Civil Rafael Sampaio, ex-presidente do Sindicato dos Delegados.

Um dos focos de insatisfação de parlamentares com Flávia vem da bancada evangélica, uma base de apoio estratégica para Bolsonaro.

Flávia nomeou Gabriele Olivi, uma escolha pessoal, para a Secretaria de Articulação Social, cargo cobiçado pelo bloco evangélico. Pré-candidata ao Senado na chapa à reeleição do governador Ibaneis Rocha, Flávia planeja eleger Gabriele deputada federal.

Segundo os planos ainda em esboço, Flávia seria remanejada para o Ministério do Turismo, onde o seu partido, o PL, já controla uma das secretarias. Num momento em que deputados do PL conversam nos bastidores com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não é momento para Bolsonaro desagradar o influente presidente da sigla, Valdemar Costa Neto.

Nesse desenho, o ministro do Turismo, Gilson Machado, que é amigo próximo de Bolsonaro, reassumiria o posto anterior, a presidência da Embratur.

O movimento não seria inédito. Quando o então chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se indispôs com Bolsonaro, ao mesmo tempo em que era bombardeado pelos congressistas, foi rebaixado do palácio para uma cadeira na Esplanada, e assumiu o Ministério da Cidadania.

Um ano depois, Onyx caiu de novo nas graças do presidente, e retornou ao quarto andar do Planalto, agora na Secretaria-Geral da Presidência. A cereja do bolo foi a nomeação de seu auxiliar, Antônio Barreto Júnior, para a vice-presidência de Governo do Banco do Brasil.

Também voltou a circular nas rodas políticas a provável recriação do Ministério do Esporte, num momento em que Bolsonaro se irritou com as críticas à realização da Copa América no Brasil em meio à pandemia. Em janeiro, num evento com atletas, o presidente mencionou essa possibilidade.

A se confirmar sua saída do ministério, um dos nomes cogitados para assumir o Meio Ambiente é o do advogado mineiro Antônio Claret Jr., filiado ao Novo e próximo ao governador Romeu Zema (MG), conforme informou o Valor há duas semanas.

Todo esse movimento é um ensaio em curso nos bastidores. A depender exclusivamente de Bolsonaro, Salles fica onde está, e representa o Brasil na Conferência do Clima em Glasgow em novembro.

Aliados do ministro observam que o fogo amigo contra ele tem origem na ala militar, onde Salles cultiva desafetos. Há oito meses, Salles chamou o hoje ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, de “Maria Fofoca” em uma rede social.

A situação de Salles não é nada confortável. Ele responde a três investigações. O inquérito em que aparece como suspeito de facilitar a exportação ilegal de madeira do Brasil para os Estados Unidos e Europa é relatado por Alexandre de Moraes, considerado um desafeto pelo Planalto.

Moraes comanda o inquérito sobre os atos antidemocráticos, mandou prender o deputado Daniel Silveira (PSL-SP), e impediu a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal. Salles tem atuado para controlar o fogo, mas terá que chamar mais bombeiros.

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