Valor Econômico
Desigualdade queima capital humano e
prejudica produtividade
O país a que chamamos de Brasil tem, de
acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua
(PNAD), a oitava pior distribuição de renda do planeta. Com coeficiente Gini
pior há sete países africanos, com estágio de desenvolvimento econômico bem
inferior ao nosso. O que explica isso é o modelo concentrador de renda
predominante neste enorme povoado desde sempre, agravado pelo fato de que há 40
anos o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro cresce abaixo do ritmo de
expansão média tanto da economia mundial quanto das nações emergentes e em
desenvolvimento.
Quando olhamos os números mais de perto,
percebemos que a tragédia tem contornos que demandarão esforço hercúleo - e
inédito - da sociedade, do contrário, não só estaremos condenados a crescer a
baixas taxas de crescimento econômico doravante, mas também a aprofundar as
mazelas sociais que já nos caracterizam e distinguem negativamente no mundo.
Tomando-se, por exemplo, o conceito de pobreza de quem vive com menos de 5,5 dólares por dia (grosso modo, cerca de R$ 460 por mês), chegamos a uma realidade aterradora: 17 milhões de crianças brasileiras, isto, até 14 anos de idade, estão abaixo desse valor. “Pegando os dados da PNAD, temos que 41% das crianças brasileiras até 14 anos estão abaixo da linha de pobreza”, observa o economista gaúcho Aod Cunha, ex-secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, hoje, assessor econômico do governador Eduardo Leite, pré-candidato do PSDB à Presidência da República.
A dicotomia entre crescimento mais rápido e
enfrentamento da desigualdade social é falsa porque, atrasado no tempo, o
Brasil precisa enfrentar os dois desafios ao mesmo tempo.. “Precisamos acabar
com esse negócio de que ou eu faço o crescimento ou acabo com desigualdade. Não
é isso”, diz o economista. “O nível de desigualdade que você tem no Brasil
destrói capital humano de tal jeito que o país não tem como crescer.”
O economista Robinson Moraes, do Valor Data, elaborou gráfico,
publicado nesta coluna na semana passada (Valor, 18/11/2021), que revela o
quanto a economia brasileira vem ficando para trás, há exatos 40 anos, quando
se compara sua taxa de crescimento com a do restante do mundo. Resumidamente,
temos que, na década de 1981-1990, o PIB brasileiro expandiu-se a uma média
anual de 1,7%, face a 3,3% da economia mundial e a 3,2% do grupo dos países
emergentes e em desenvolvimento. Na década seguinte (1991-2000), os desempenhos
foram respectivamente 2,6%, 3,2% e 3,8%; na década (2001-2010) marcada pelo
“boom” de commodities provocado pela forte expansão da economia chinesa,
crescemos 3,7% ao ano, taxa inferior à média mundial (3,9%) e à dos emergentes
e em desenvolvimento (6,2%); na última década (2011-2019), excluindo-se da
conta 2020, o primeiro ano da pandemia, as médias anuais foram,
respectivamente, as seguintes: 0,8%, 3,5% e 4,8%.
Aod Cunha lembra que, nos últimos 20 anos,
o crescimento médio anual do Brasil ficou próximo de 2%. Apertem os cintos
porque o piloto sumiu - se nada for feito imediatamente, em vários setores da
vida nacional, não teremos condições de crescer nem os 2,5% ao ano que
economistas têm previsto em suas projeções. Cunha explica o porquê.
“Se a gente quebra esse crescimento de 2%
entre aumento da força de trabalho, que é a forma de olhar o papel da
demografia no PIB, e de produtividade, temos 1,5% de avanço da força de
trabalho e 0,5% da Produtividade Total dos Fatores (PTF). A produtividade do
trabalhador está estagnada. Nesta década (2021-2030), estamos caindo de 1,5%
para 0,5%; na próxima (2031-2040), zero. Crescimento de longo prazo virá só com
aumento da produtividade. Nesta década, a produtividade está próxima de 1%”,
explica economista.
A produtividade, para crescer, dependerá de
uma revolução de prioridades na área de educação, no grau de abertura da
economia brasileira (para reduzir drasticamente o custo de capital associado à
compra de máquinas e equipamentos modernos), nos custos de produção etc.
“Quando olhamos as expectativas de
crescimento do PIB para os próximos anos, a maioria dos analistas prevê 2,5%
por ano. Mas, veja, só conseguiríamos crescer 2,5% se o bônus demográfico
seguisse no auge, o que não vai ocorrer. O nosso problema de crescimento é um
problema de produtividade. Antes, tínhamos esse 'empurrãozinho' do bônus
demográfico”, diz Aod Cunha.
O receituário defendido por Cunha passa
pelos seguintes tópicos:
1. Melhorar a qualidade da educação. “Vai
demorar muito tempo para produzir resultados, mas não tem outra saída. No mundo
inteiro foi assim;
2. Reforma tributária urgente para
simplificar e reduzir custos de produção: “não tem outra saída”;
3. Abertura econômica; “não há mais porque
adiá-la”;
4. Reforma administrativa: “não é uma
questão apenas fiscal, mas a necessidade imperiosa de melhoria da qualidade dos
serviços públicos, principalmente para quem mais necessita deles - os
miseráveis e os pobres, a maioria entre nós”.
“São várias frentes e todas exigem capital
político, muita capacidade de negociação com o Congresso e a sociedade”,
assinala Aod Cunha. “Podemos ter proposta para tudo, dar explicação super
sofiisticada, mas, se não tiver liderança, vontade e capacidade política, não
vai acontecer nada do que estamos aqui estudando. Antes de aceitar o convite,
olhei para o Eduardo Leite e vi essas qualidades, ver o que o Eduardo fez no
Rio Grande do Sul.
“Seguindo a tradição do ciclo político
brasileiro, Eduardo sabia que não conseguiria fazer tudo, portanto, a
estratégia foi fazer as mudanças mais relevantes no primeiro ano e meio de
mandato. Ele usou seu capital político para fazer a reforma administrativa,
promover privatizações - você conhece, a máquina estatal no Rio Grande do Sul é
gigantesca. Numa assembleia de 55 deputados estaduais, ele só tinha quatro do
PSDB e, mesmo assim, conseguiu aprovar as mudanças institucionais mais
relevantes”, enfatiza Cunha. “Fez a reforma do plano do magistério, que era da
década de 1970. Mexeu com as distorções e, permitiu, por exemplo, pagar
salários mais altos. O primeiro lugar que ele visitou quando assumiu o governo
foram os sindicatos. Ele me disse: ‘Mesmo quando sei que não vou ter o voto
daquele grupo político, daquele partido ou sindicato, o fato de eu ser leal, de
conversar francamente, diminui o nível de resistência política’.”
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