O Estado de S. Paulo
Somada à percepção do caráter deliberado da
polarização, a proativa busca de convergência é mais um passo para superar 2018
A eleição de Fernando Collor, em 1989,
parece ter aberto uma sequência de sucessões presidenciais em que era inevitável
escolher por rejeição. Collor, que obtivera, no primeiro turno, pouco menos de
30% dos votos, derrotou Lula, que recebeu pouco mais de 15%, também no primeiro
turno.
Mais de metade dos cidadãos deixou de
expressar seus verdadeiros interesses e ideais, forçados a optar, no segundo
turno, entre candidatos que não representavam sequer metade dos votos. Foi
eleito um candidato sem partido, sem equipe de governo com experiência de
gestão pública, sem carreira política que evidenciasse convergência entre suas
promessas de mudanças radicais e sua habilidade para realizá-las.
Lula, sem nenhuma experiência executiva, escapou dessa sina porque liderava um partido com eleitorado relevante, conseguiu cercar-se de quadros competentes, de fora e de dentro de seu partido. Empenhou-se em conciliar as bandeiras esquerdistas do PT com interesses conservadores e orientações liberais. A despeito de suas reconhecidas habilidades, não conseguiu integrar as expectativas radicais de seu partido à gestão eficaz da política econômica e, na contramão do crescimento da economia mundial, entregou à sua sucessora uma economia em perigosa retração.
Dilma não teve a mesma ventura que seu
tutor, que lhe deu um partido, mas não a licença para liderá-lo, nem a
habilidade para conciliar as pretensões extremistas de facções do PT com os
interesses conservadores e as preferências liberais dos quadros que haviam
dado, inicialmente, equilíbrio fiscal ao mandato de Lula. Faltou-lhe, também,
uma experiência executiva relevante, que lhe granjeasse credibilidade. Com
isso, entregou ao seu sucessor um país gravemente dividido e profundamente
insatisfeito com partidos e governos e, desta vez, com a economia em recessão.
Michel Temer, em que pesem as importantes
reformas que marcaram seu curto mandato, e a retomada da estabilidade e do
crescimento econômico que proporcionou, repetiu o cenário político polarizado e
extremista da sucessão de Sarney e do ocaso do lulismo. Este cenário reúne o
ambiente eleitoral ideal para candidaturas aventureiras e o pano de fundo para
a fragmentação partidária que propiciaram a eleição do atual governo.
Parte não desprezível da opinião pública,
das lideranças políticas, das redações, dos institutos de pesquisa de opinião e
da academia parece encarar como fatalidade a repetição da disputa entre
Bolsonaro e o lulismo, atribuindo-lhe a inevitabilidade de uma escolha por
rejeição. As aparências de repetição refletem a estratégia deliberadamente
adotada pelos que se beneficiam desta crença sem fundamento em nossa história política.
Vejamos em que diferem o atual processo
sucessório e a campanha de 2018. Em primeiro lugar, já se tornou patente que
Lula e Bolsonaro se escolheram como parceiros ideais de uma polarização, e se
empenham em torná-la inevitável. Contudo, se deu certo em 2018, por que não
daria em 2022?
Segundo, porque as lideranças partidárias e
seus candidatos já perceberam que a fragmentação partidária não era um efeito
da polarização, mas sim de decisões equivocadas das lideranças políticas. Isso
levou um número relevante de partidos a reunir-se para discutir a sucessão,
embora sem buscar alguma convergência programática e sem avançar para uma
coalizão. Somada à percepção do caráter deliberado da polarização, essa busca
proativa de convergência é mais um passo para superar 2018.
Nenhuma das condições já mencionadas seria
decisiva se não se refletisse nas atitudes das candidaturas que são, afinal,
quem disputa o voto do eleitor. Ambas, no entanto, contribuem para duas
diferenças com relação ao ambiente eleitoral de três anos atrás.
A primeira é o surgimento do que se tem
chamado de “novos políticos”, por oposição à suposta “nova política” –
praticada pelas mesmas velhas raposas. São candidatos mais próximos dos
eleitores jovens, mais receptíveis às novas pautas sociais, ambientais e
identitárias, entre outras, o que lhes permite atrair o voto de um eleitorado
que tende a repudiar a representação política em geral e, com isso, competir
contra os que se valem da insatisfação popular para se dizerem contra tudo e
contra todos.
A outra é o que alguns chamam de
“despolarização”, isto é, em vez de competir por oposição a um dos
protagonistas, o candidato o desafia em seu próprio campo. Isso poderia se
aplicar a Ciro Gomes, competindo com Lula para melhor atrair os moderados contra
Bolsonaro, ou a Sergio Moro, competindo com Bolsonaro para atrair o centro
contra o lulismo.
O risco que correm é o de dividir, de tal
modo, o eleitorado mais à esquerda ou mais à direita, levando ambos a se
inviabilizarem para o segundo turno. Parece razoável pensar que alianças
partidárias formais entre legendas de centroesquerda ou de centro-direita
cumpririam esse papel melhor do que candidaturas solo.
A campanha sucessória não pode ser decidida
antes de começar. A derrota do aventureirismo político está ao alcance das
mãos.
*Senador (PSDB-SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário