Correio Braziliense
“É
muito preocupante que não tenhamos clareza nas credenciais democráticas de um
candidato à Presidência da República”, disse o ex-ministro sobre a fala de Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
baixou a guarda para seus adversários ao comparar a primeira-ministra da
Alemanha, Angela Merkel, ao presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, ao em
entrevista ao prestigiado jornal espanhol El País. Todo o sucesso de seu
périplo pela Europa, no qual se encontrou com as principais lideranças do
continente, para efeito da sua narrativa de campanha eleitoral, foi zerado pela
declaração infeliz.
Lula começou bem: “Todo político que começa
a se achar imprescindível ou insubstituível, começa a virar um pequeno ditador.
Por isso, eu sou favorável à alternância de poder”, afirmou. No meio do
caminho, pisou na bola: “Posso ser contra, mas não posso ficar interferindo nas
decisões de um povo. Nós temos de defender a autodeterminação dos povos. Por
que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e o Daniel Ortega não?”
Lula foi contestado pela entrevistadora, que lembrou ao petista que Merkel não mandava prender seus opositores, como Ortega. Lula ainda tentou consertar, mas o estrago já estava feito. Merkel governou a Alemanha por 16 anos, num regime parlamentarista, no qual dependia de resultados eleitorais e das alianças no Congresso para se manter no cargo. Ortega se reelegeu, pela quarta vez sucessiva, depois de mandar prender sete candidatos de oposição e inventar candidatos laranjas.
As alianças de Lula na América Latina,
principalmente com Nicolás Maduro, na Venezuela, e Daniel Ortega, na Nicarágua,
além da defesa do regime comunista em Cuba, são pontos fracos da candidatura de
Lula, porque sinalizam falta de compromisso com a democracia representativa.
Provocado por jornalistas, o petista levantou suspeitas sobre suas intenções:
“Não é só em Cuba que protestos são proibidos. No mundo inteiro protestos são
proibidos. Greves são proibidas. A polícia bate em muita gente, no mundo
inteiro, a polícia é muito violenta”, argumentou.
Existe muita ambiguidade nas posições do PT
em relação à democracia representativa. O partido fez autocrítica pela esquerda
em relação ao governo da presidente Dilma Rousseff, que foi afastada pelo
impeachment, o que os petistas classificam como um “golpe de Estado”. Na
resolução que analisou as razões do impeachment, o PT defende posições do tipo:
não controlamos a mídia, fizemos concessões demais aos aliados do Centrão e à
oposição, erramos nas indicações para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Essa postura abre espaço para todos os
adversários, não somente ao presidente Jair Bolsonaro. Já vinha sendo atacada
pelo candidato do PDT, Ciro Gomes, que representa uma barreira à ampliação das
alianças petistas em direção ao centro político. Mas são a narrativa contrária
à Operação Lava-Jato e a falta de autocrítica em relação ao escândalo da
Petrobras que revelam uma nova ameaça: a pré-candidatura do ex-ministro da
Justiça Sérgio Moro. O ex-ministro criticou Lula: “É muito preocupante que não
tenhamos clareza nas credenciais democráticas de um candidato à Presidência da
República.”
A jornada do herói
O ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba,
que comandou a Lava-Jato e condenou Lula, voltou dos Estados Unidos, onde
trabalhava como consultor num grande escritório de advocacia, e entrou na cena
eleitoral com muita força. Moro avança na faixa dos indecisos para ocupar
espaços desejados por outros candidatos: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique
Mandetta (DEM); o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG); a senadora
Simone Tebet (MDB-MS); e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Os
governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) se enrolaram nas prévias do
PSDB e disputam uma partida de soma zero.
No hemisfério das paixões políticas, houve
uma mudança de cenário. O choque principal da eleição era entre dois políticos
carismáticos com passagens pelo poder, que permitem comparações objetivas sobre
suas realizações passadas, e candidatos que se esforçavam por trazer a disputa
para o terreno da racionalidade de propostas exequíveis de futuro. Moro pôs em
cena o mito da jornada do herói, cujo padrão é aquele da odisseia grega de
Ulysses. O herói se aventura de um mundo familiar para terras estranhas e, às
vezes, ameaçadoras: a passagem pelo deserto, a tempestade no oceano ou a
travessia da floresta escura. Com isso, atrai aqueles que estão se sentindo
perdidos e desorientados, mas que podem mudar de vida e se beneficiar se
aventurando a segui-lo, por não terem quase nada a perder.
Nenhum comentário:
Postar um comentário