Folha de S. Paulo
Voto castigo é uma das características das recentes eleições na região
Nesta semana, analistas chamaram a atenção
para os resultados das eleições
chilenas de domingo passado. Afinal, elas expuseram a quebra do padrão
de disputa entre duas coalizões centristas, que prevalecia desde a volta da
democracia em 1990 e tornava o jogo todo bastante previsível.
Na segunda-feira (22), nesta Folha,
enquanto Marcus
Melo destrinchava as mudanças nas regras eleitorais que fizeram
desmoronar o clássico padrão de competição centrípeta, Mathias Alencastro
enfatizava a mudança geracional, com a ascensão de lideranças progressistas
reveladas nas mobilizações sociais da última década.
Mas os números do domingo, resultantes das alterações nas regras da competição e da inevitável troca de guarda entre gerações, traduziram sobretudo enorme rechaço ao sistema político anterior. A mesma rejeição que levou multidões às ruas no chamado "estallido"(estouro) de 2019 e nas eleições para a Convenção Constituinte em que prevaleceram as listas dos independentes.
Agora, candidatos
das forças de centro-esquerda como de centro-direita, que emplacaram todos os
presidentes e maiorias parlamentares nas últimas três décadas, tiveram menos
votos que o terceiro colocado, Franco Parisi. Residente nos Estados Unidos, ele
nem sequer se deu o trabalho de fazer campanha no seu país.
Segundo a cientista política Claudia Heiss,
da Universidade do Chile, ao votar em Parisi os eleitores puniram as forças
políticas tradicionais. O "voto castigo" é também uma das
características dos recentes processos eleitorais na região, como destacou
Daniel Zovatto, diretor para a América e o Caribe da International Idea,
organização sueca que monitora a democracia e as votações pelo mundo afora.
Segundo ele, desde 2019 os governantes têm
sido derrotados em praticamente todas as disputas realizadas na área para
diferentes cargos, contrariando uma tendência que no passado —e em pencas de
países— costumava dar vantagem aos incumbentes. A vitória de candidatos com
discursos antissistema; a fragmentação dos sistemas de partidos ou a sua
instabilidade —em razão do escasso tempo de vida das organizações partidárias,
substituídas sem cessar por novos agrupamentos— e governos desprovidos de
sólida maioria parlamentar completam o quadro de turbulência política que
sacode a região.
Como tantas outras, as eleições chilenas
resultam de uma história particular, mas, ao mesmo tempo, escancaram a comum
dificuldade de ancorar democracias estáveis em terreno minado por baixo
crescimento econômico, corrupção, muita pobreza e seculares distâncias sociais.
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