Valor Econômico
Para que uma retomada mais firme da
atividade em 2023 seja viável, será necessário que o eleito em 2022 tenha uma
proposta crível para a sustentabilidade fiscal
O ano termina com inflação na casa de 10%,
juros que se encaminham para superar os dois dígitos e um PIB que patina desde
o segundo trimestre. Para 2022, o cenário que se desenha tampouco é animador.
As fortes altas da Selic, que estava em 2% até março deste ano, vão afetar a
economia ao longo do ano que vem, minando uma atividade que já está fraca. Isso
deve levar à queda da inflação, mas não a ponto de trazer o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para a meta perseguida pelo Banco Central (BC)
em 2022, de 3,5%. As incertezas fiscais e políticas num ano de eleições
presidenciais tendem a manter o câmbio num nível desvalorizado, dificultando a
tarefa do BC de combater as pressões inflacionárias.
Esse quadro delicado deverá colocar a economia como um das principais preocupações dos eleitores. Pesquisa do Datafolha divulgada neste mês mostra que 14% apontam o desemprego como principal problema do país, enquanto 12% citam a economia, 8%, a fome ou miséria e 7%, a inflação, empatada com educação. Ficaram atrás apenas da saúde, com 24%, que tradicionalmente é apontada como a grande questão a ser resolvida no país. A corrupção foi mencionada por 4%. Nesse ambiente, tende a ganhar a eleição quem for percebido como o mais capaz de reverter a situação negativa na economia.
Para que uma eventual retomada mais firme
da atividade em 2023 seja viável, porém, será necessário que o eleito em 2022
tenha um projeto crível para garantir a sustentabilidade das contas públicas,
além de mostrar habilidade política para implementá-la. O tema pode soar
aborrecido e não será o carro-chefe das propostas dos candidatos, mas será
decisivo para o desempenho da economia nos próximos anos. Sem um arranjo fiscal
que dê segurança quanto à trajetória das contas públicas, não será possível ter
juros baixos de modo sustentado.
As manobras para elevar o valor e ampliar o
público-alvo do Auxílio Brasil e adiar o pagamento de uma parcela dos
precatórios atingiram em cheio a credibilidade do teto de gastos, o mecanismo
que limita o crescimento das despesas à inflação. Com isso, não há mais uma
âncora fiscal confiável. A decisão sobre os precatórios é vista como um calote
por vários especialistas em contas públicas, piorando a percepção sobre o risco
fiscal brasileiro. Além disso, o drible no teto teve como um de seus objetivos
garantir recursos para as chamadas emendas de relator, num total de R$ 16,5
bilhões em 2022. Para o fundo eleitoral, foram reservados outros R$ 4,9 bilhões
e, para o reajuste de policiais, R$ 1,7 bilhão, o que descontentou outras
categorias da elite do funcionalismo.
Todas essas medidas elevaram a incerteza
fiscal no país, ofuscando a melhora de alguns indicadores, como a dívida
pública bruta. Depois de terminar 2020 em 88,8% do PIB, o endividamento bruto
deve encerrar 2021 na casa de 81% a 82% do PIB. É em grande medida um efeito da
inflação mais alta, que contribuiu para o aumento da arrecadação e inflou o PIB
em termos nominais. Com menos crescimento e juros mais altos, porém, o
indicador deverá voltar a subir em 2022.
Nesse cenário, uma recuperação mais
sustentável da economia passa pela política fiscal. Quem for eleito em 2022
terá que oferecer um arcabouço para as contas públicas que enfrente a expansão
dos gastos obrigatórios e tente abrir algum espaço para a recuperação do
investimento público, hoje insuficiente para impedir até mesmo a depreciação do
estoque de capital, num momento em que deputados e senadores se apropriam de
fatias significativas do orçamento. Sem isso, não será possível romper a
combinação de inflação pressionada, juros mais altos e crescimento baixo. No
longo prazo, vale dizer, o crescimento se dá basicamente por aumentos de
produtividade, outra agenda fundamental que precisará ser perseguida pelo
candidato eleito no ano que vem.
******************
Revisitar as projeções feitas no fim de
2020 para a economia neste ano evidencia as incertezas envolvidas nessas
estimativas. No Boletim Focus do último dia do ano passado, o consenso de
mercado apontava para uma inflação de 3,32% em 2021, uma Selic de 3% e um dólar
a R$ 5 no fim do ano. Para o PIB, a previsão era de um crescimento de 3,4%.
É um quadro bem diferente do que vai se
concretizar em 2021. O PIB vai registrar uma expansão mais forte - o Boletim
Focus mais recente aponta para uma expansão de 4,58% -, em boa parte por causa
da elevada herança estatística deixada por 2020 e pelo desempenho do primeiro
trimestre deste ano. A partir do segundo trimestre, contudo, a economia deu
sinais de estagnação. Já inflação, juros e câmbio exibem um comportamento bem
pior do que o projetado no fim de 2020. O IPCA estimado para este ano é de
10,04%, enquanto dólar deve encerrar o ano em R$ 5,60, segundo o Focus. A
Selic, por sua vez, terminará o ano em 9,25% - a última reunião de 2021 do
Comitê de Política Monetária (Copom) já ocorreu.
O nível desses três indicadores aponta para
um 2022 complicado, e a expectativa é que a Selic ainda suba mais nos próximos
meses, voltando a ficar acima de 10%. O resultado de juros altos, inflação
resistente e real desvalorizado é uma atividade econômica fraca. A mediana das
projeções do Focus é de um crescimento de 0,5% em 2022, mas há quem espere um
PIB com variação zero, como a MB Associados, ou um PIB em queda, como o Itaú
Unibanco, que projeta contração de 0,5%.
Neste ano, houve pressões inflacionárias
globais, como as provocadas pelos problemas nas cadeias globais de suprimentos,
que têm durado mais tempo do que se imaginava. A alta do petróleo e de
commodities agrícolas em parte do ano também contribuiu para a aceleração do
IPCA, assim como a crise hídrica jogou para cima as tarifas de energia
elétrica. As incertezas fiscais e políticas, porém, mantiveram o real
desvalorizado, impedindo que o câmbio atenuasse parte das pressões sobre os
preços. Num ano eleitoral, essas dúvidas devem persistir, o que tende a segurar
a moeda num nível depreciado. Outro ponto é que, em 2022, o Federal Reserve
(Fed, o banco central americano) vai terminar a retirada dos estímulos
monetários e deve começar a elevar os juros, colocando alguma pressão sobre
moedas de países emergentes. Para completar, dada a forte inércia inflacionária
- o fenômeno pelo qual a inflação passada alimenta a futura - não será fácil
fazer o IPCA voltar à trajetória das metas, de 3,5% em 2022 e 3,25% em 2023.
As projeções para o ano que vem embutem
evidentemente um alto grau de incerteza. No entanto, considerando o nível da
inflação e dos juros na virada do ano e a aproximação das eleições, a
perspectiva é de outro desempenho fraco da economia em 2022.
Nenhum comentário:
Postar um comentário