Valor Econômico
Para Perillo, diálogo entre Lula e PSDB é
legítimo
O que acontece quando os opostos se atraem?
No começo do século XIX, Johann von Goethe (1749-1832) tomou emprestado um
termo científico para dar título ao romance em que se propôs a investigar a
“origem química” das relações pessoais.
Na química, existem mediadores capazes de
ligar os elementos que se repelem. O termo “afinidades eletivas” - título do
polêmico romance de Goethe lançado em 1809 -, atesta a capacidade de união
entre elementos naturalmente opostos entre si.
Óleo e água não se misturam, mas podem se
conectar, por exemplo, com a adição de um álcali (lítio, sódio, potássio, etc).
Num trecho do romance, Charlotte traduz a aula de química para o plano das
relações humanas. “Podem nascer amizades realmente significativas entre os
homens, pois qualidades opostas propiciam uma união mais estreita”.
No mesmo diálogo, Eduard observa que, no
passado, os químicos eram conhecidos como “artífices das separações”. Charlotte
retruca que a “união configura uma arte mais elevada, um serviço mais
relevante”.
Se nos transportarmos da literatura e da química para a conjuntura nacional, verificamos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atua para produzir uma combustão na corrida eleitoral ao articular alianças com lideranças do PSDB, um repelente histórico do PT.
A ala do PSDB que Lula busca atrair para o
seu entorno, junto com Geraldo Alckmin, remonta aos tempos da sigla ainda em
gestação. Aos tempos em que Lula e o então suplente de senador Fernando
Henrique Cardoso, ainda filiado ao MDB, jantavam frango com tiras de polenta
frita, na “Rota do Frango”, em 1979, em São Bernardo do Campo.
Um ano antes, em 1978, Lula pedia votos
para Fernando Henrique, então candidato ao Senado, na porta das fábricas. E 43
anos depois, após décadas de atuação em campos opostos, Lula e Fernando
Henrique acabariam novamente reunidos à mesa para uma refeição, embora
degustando um cardápio mais atraente do que frango com polenta. Foi em maio do
ano passado, na residência do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson
Jobim, amigo de ambos.
Após o encontro com Fernando Henrique, que
chacoalhou o PSDB, Lula seria recebido pelo senador Tasso Jereissati no
escritório político do tucano, em Fortaleza, cerca de quatro meses depois.
Ao Valor, na
entrevista publicada ontem, Tasso fez críticas ao petista, de que este
insistiria em um discurso econômico ultrapassado. Mas ressalvou que mantém “boa
relação” com ele, destacou que Lula é exemplo de diálogo na política e que
deveria inspirar a terceira via.
“O Lula está conversando com todo mundo e
disse uma coisa importante nessa última entrevista dele: ‘Eu não quero [ter]
uma candidatura ideológica’. Esse pragmatismo tem de vir de todos e alguém tem
que puxar a conversa. O que eu fiz, muito sem estar articulando nada, foi dar
esta opinião a um interlocutor, que no caso é o ex-presidente Michel Temer”,
disse Tasso. O tucano instou o líder emedebista a encabeçar um movimento para
alavancar a pré-candidatura presidencial da senadora Simone Tebet (MDB-MS).
Na quinta-feira, foi a vez de Lula se
reunir em São Paulo com outro expoente do PSDB: o ex-senador Aloysio Nunes
Ferreira. Quadro relevante do diretório paulista da sigla, Aloysio foi
candidato a vice na chapa de Aécio Neves em 2014, em uma das disputas mais
acirradas entre tucanos e petistas na sucessão presidencial.
Lula já vinha defendendo em conversas
reservadas o “simbolismo” desses gestos, seja na articulação suprapartidária,
que envolve o PSB, para transformar o ex-governador de São Paulo Geraldo
Alckmin, egresso do PSDB, em seu candidato a vice na chapa presidencial, seja
para atrair dissidentes da pré-candidatura presidencial de João Doria.
A mais de um interlocutor, Lula disse
acreditar que Alckmin, na prática, contribui mais para impulsionar a
candidatura de Fernando Haddad (PT) ao Palácio dos Bandeirantes. A contribuição
do ex-tucano para a sua chapa seria mais forte no plano simbólico.
Muito além da atração de forças tucanas,
Lula vem pregando a necessidade de formação de uma frente ampla com lideranças
políticas de várias siglas para tentar derrotar o presidente Jair Bolsonaro no
embate sucessório.
Na quarta-feira, ele falou abertamente o
que vinha ponderando entre quatro paredes. A jornalista Laura Capriglione
confrontou-o sobre convidar para a vice da chapa petista um político que seria
responsável pelo “massacre do Pinheirinho [em 2012], perseguiu professores,
bombardeou secundaristas, é o responsável pelas chacinas na periferia de SP em
2006”.
Em uma primeira resposta, Lula argumentou
que “ganhar eleição é mais fácil do que governar”. Acrescentou que, se sair
vitorioso das urnas, para governar, terá de conversar com muita gente. Na outra
resposta mais adiante, Lula foi didático sobre seus planos:
“Eu preciso construir uma relação politica
mais ampla do que o PT, não mais à esquerda, mas ao centro, e, se for o caso,
até com setores de centro direita. E eu ainda quero conversar com mais gente,
independentemente das pessoas serem de direita ideologicamente, eu quero saber
humanamente como essa pessoa pensa. Porque tem gente que é conservadora do
ponto de vista ideológico, mas tem uma visão humana mais digna”, argumentou
Lula. “Essa gente toda precisa estar junto”, conclamou.
Nessa articulação, Lula também teria se
reunido com outro cacique tucano o ex-governador de Goiás Marconi Perillo. À
coluna, Marconi não confirmou o encontro, e defendeu a candidatura de João
Doria à Presidência. “O PSDB inovou, fez prévias democráticas. João [Doria]
ganhou as prévias, e tem o meu apoio. Sou filiado ao PSDB há 27 anos, meu
compromisso é partidário”.
Assim como Tasso, entretanto, Marconi
elogiou a habilidade de Lula para conversar com todo mundo. “O diálogo é
legítimo e precisa ser respeitado em todas as esferas”, defendeu. Segundo
Marconi, se Lula ganhar a eleição em outubro, a relação entre petistas e
tucanos não será mais acirrada como antes. O que ele quer dizer é que, na
política, o aditivo químico para unir os opostos é o diálogo.
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